domingo, 7 de janeiro de 2018

O Obuseiro #142


veja Também: Morteiros

O obuseiro é o sucessor nos campos de batalha das catapultas medievais, e surgiu no século XVII como uma arma de cerco, tal qual sua antecessora. Com uma lenta introdução durante o século seguinte, consolidou-se como uma arma capaz de disparar projéteis explosivos, ao contrário dos canhões da época que disparavam projéteis cinéticos. Estas bocas de fogo passaram a acompanhar as tropas em campanha a medida que adquiriam a mobilidade necessária, e tanto no cerco como no campo podiam endereçar invólucros de metal recheados de pólvora, variando seu ângulo de tiro, o que demandou o desenvolvimento de uma técnica para que o projétil atingisse seu alvo. Dessa forma sua operação era mais complicada que a dos morteiros e canhões, o que demandou guarnições capazes de realizar cálculos, resultando em uma arma muito mais flexível que seus similares, utilizando-se de trajetórias variadas. Os projéteis cinéticos esféricos cederam lugar aos cilíndricos explosivos, capazes de carga equivalente (em volume) com calibres bem menores.

O século XX trouxe a esta arma a maturidade, após uma longa gestação entre armas de alma lisa ou raiada, com aplicação de sítio ou em campanha. A guerra de trincheiras do início do século XX demandou trajetórias altas com ângulos de impacto pronunciados, os tubos tornaram-se mais longos com os alemães adotando modelos de 105 mm e 16 e 22 calibres. Ao mesmo tempo canhões de 77 mm capazes de ângulos mais altos foram entregues, assumindo parte da função dos obuseiros. O entre-guerras resultou na tendência de fusão de ambos os tipos. A grande guerra que se seguiu consolidou o uso da artilharia como arma principal nas forças soviéticas, sendo estes parte fundamental de sua doutrina. Surgiram os freios de boca para redução do recuo e estas armas consolidaram a tendência de canos longos, cargas de projeção múltiplas e escolhidas conforme o alcance, altas velocidades iniciais e ângulos de tiro superiores aos 45º. O obuseiro passou a compor as fileiras de todos os exércitos modernos.


O obuseiro é a peça padrão da artilharia de campanha moderna no que diz respeito a artilharia de tubo, e uma das principais armas do campo de batalha da atualidade. É a principal arma provedora de fogos apoio, e equipa a grande maioria das unidades de artilharia. As outras armas que, ao lado do obuseiro também compõem as unidades de artilharia, são os morteiros e os lançadores múltiplos de foguetes (MLRS Multiple Launch Rocket System). Estes primeiros são armas mais simples e baratas, e ainda com peso reduzido em relação ao obuseiro, porém não alcançam a mesma precisão nos impactos. Os morteiros de 120 mm rivalizam com os obuseiros de 105 mm em alcance e são empregados em tropas leves ao lado dos mesmos, onde a maneabilidade torna-se o principal fator. Os MLRSs são armas mais poderosas e caras, que exigem estruturas logísticas para remuniciamento mais complexas, e provocam efeitos mais devastadores, sendo empregados em unidades de escalão superior e não são adequadas ao apoio de fogo às armas-base.

Idêntico ao canhão tradicional aos olhos do leigo, o obuseiro diferencia-se deste por sua capacidade de realização do tiro balístico, por cima das cabeças da tropa apoiada, valendo-se de técnica de tiro mais elaborada uma vez que as baterias não visualizam seus alvos, e material que emprega velocidades iniciais e pressões de tubo inferiores.  O obuseiro possui ainda a capacidade de realizar o tiro vertical (acima dos 45º), tal qual os morteiros. Muitos o designam erroneamente como “obus”, porém vale salientar que este termo designa a munição, e não o reparo lançador da mesma, embora existam interpretações diversas. Vocacionado para a realização do tiro balístico, o obuseiro pode, inopinadamente, realizar o tiro tenso ou direto, tal qual um canhão tradicional, possibilidade esta impossível aos morteiros.



O obuseiro opera compondo baterias de tiro, geralmente de 4 ou 6 unidades, que disparam seus fogos de forma coletiva obedecendo a elementos de tiro comums e disparos simultâneos, a fim de proporcionar volume de fogo na área de impactos (no alvo). O obuseiro não é uma arma de precisão, sendo seus impactos considerados “no alvo” quando atingem determinada distância deste, geralmente de 50 m, dependendo do calibre do material e do raio de ação dos arrebentamentos (no material de 105 mm é de 25 m). Operando a retaguarda dos “fronts” de combate, e sem visualizar seus alvos, as baterias de obuseiros contam com os olhos dos observadores avançados (OAs) para dirigir seus disparos e verificar sua eficácia. Os OAs inimigos por sua vez, estão de olho nas baterias e tem nelas seus principais alvos, razão pela qual as baterias de tiro devem sair rapidamente de posição após cumprirem a missão de tiro, exigindo tanto do equipamento quanto das guarnições elevada mobilidade e agilidade, sempre que a ameaça do tiro de contra-bateria estiver presente.




Os obuseiros podem ser montados tanto sobre plataformas autopropulsadas como rebocadas, sendo os primeiro destinados a acompanhar forças mecanizadas e blindadas, e os segundos componentes de tropas mais leves e menos móveis. Os modelos rebocados podem ser aerotransportados com maior facilidade, possuindo mobilidade estratégica superior aos seus pares autopropulsados, pois apresentam peso reduzido em relação aos primeiros, tanto por aeronaves de asa fixa como por helicópteros. Podendo nos helicópteros valer-se de aerotransporte em suspensão abaixo da aeronave, prática essa usada para deslocamentos táticos de curta distância e reposicionamento de baterias no terreno.

A pontaria de um obuseiro é realizada com o auxílio de pranchetas de tiro baseada em mapas do terreno. Uma luneta de tiro com graduação angular tem sua pontaria “amarrada” a uma baliza, cujo ângulo registrado pela visada nesta baliza representa um ângulo real em relação ao norte. Ao de se designar uma missão de tiro, uma central de tiro calcula na prancheta o novo ângulo a ser registrado na luneta, que ao ter sua visada realinhada a baliza faz com que o tubo por conseqüência se realinhe também, apontando na direção do alvo. O alcance é calculado a partir de tabelas pré-determinadas e materializado a partir da elevação dada ao tubo e da carga de projeção usada.



Devido a fluidez da guerra moderna e a já citada necessidade de atirar rapidamente a abandonar a posição, os equipamentos mais modernos contam com facilidade tanto nos sistemas de pontaria como nos de carregamento. Estes incorporam sistemas integrados digitais que contam com localizadores inerciais e GPS ou similares que dão a posição exata da peça e a distância do alvo, podendo apontar os tubos automaticamente ou fornecerem em tempo reduzido os dados para tal. Contam ainda com medidores de velocidade inicial dos disparos proporcionando mais precisão nos disparos, com dados integrados por computadores balísticos. Alguns modelos permitem a fantástica capacidade de efetivar alguns disparos (geralmente 3) em seqüência e em ângulos diferentes para um mesmo alcance, de forma que os projéteis alcancem o alvo ao mesmo tempo, com os primeiros descrevendo trajetórias mais longas que os últimos, causando um efeito superior.

Taticamente falando, o obuseiro é uma arma incrivelmente flexível, pois sem trocar de posição pode transportar seus fogos de seu alcance mínimo até o máximo em minutos, em qualquer direção. Isto permite que uma bateria de artilharia efetue um grande número de missões de tiro sem deixar a posição atual, atirando por exemplo, a 10 km para oeste, em seguida 30 km ao noroeste e em poucos minutos 15 km para o norte, se seu alcance permitir. Esta forma de atuação tática só é possível se não houver risco do inimigo em empreender fogo de contrabateria como eram nas bases de fogo do US Army no Vietnam.  

A tendência moderna é a padronização dos calibre em 105 mm mais leve e 155 mm padrão, amplamente usados no ocidente e tendência esta sendo seguida por países de outras partes do mundo, embora outros calibre também estejam em uso. O modelo de tubo mais usado pelo membros da NATO é o de 155 mm de 52 calibres, e que representa a tendência mundial. Transportar munição de 155 mm (volumosa) nas quantidades necessárias às missões requeridas exige grande esforço logístico, sendo que estas armas (mesmo as de 105 mm), exigem grande esforço de remuniciamento. Mesmo no ocidente as peças de 105 mm vem perdendo espaço para as 155 mm, ficando exclusivas para tropas mais leves como tendência.


 Os obuseiros modernos podem lançar granadas comuns a 30 km ou mais, dependendo do modelo no calibre de 155 mm, e cerca de 18 km nos modelos de 105 mm, com alcance de 10 a 15 km adicionais quando usando granadas assistidas. As granadas usadas também variam por função existindo as de alto-explosivo (HE), as fumígenas, iluminativas, anticarro, de propaganda, químicas, nucleares, etc. Na guerra do Vietnam o US Army lançou através de sua artilharia sensores que denunciavam a aproximação inimiga, através da medição de vibrações no terreno.

Os obuseiros e morteiros compartilham com a aviação de CAS, a artilharia naval e os MLRSs a incumbência de proporcionar volume de fogo nos campos de batalha modernos, porém os demais nem sempre estão disponíveis e a artilharia orgânica está diretamente sob o comando dos comandantes de campo, o que garante flexibilidade na sua utilização e a certeza destes comandantes que contarão com o fogo de que necessitam a hora que lhes for conveniente.