INTRODUÇÃO:
Inteligência militar é o conjunto de atividades de busca de conhecimento estratégico-tático-operacional, que visa subsidiar as atividades de segurança nacional, seja em tempos de paz na eterna e necessária vigilância do que acontece no mundo e possam afetar a soberania de uma nação, seja em tempos de guerra, onde as operações devam ser lastreadas em uma base sólida de informações precisas e confiáveis para que sejam executadas com êxito.
Este artigo focará a inteligência como fonte de informação militar que auxilia o tomador de decisão a solucionar ou compreender melhor determinadas incertezas sobre as ações do inimigo e como reagir a estas incertezas. Procura-se aqui entender e responder qual é relação entre os serviços de inteligência e as práticas e atividades militares.
O QUE É INTELIGENCIA MILITAR? QUAL É SUA FUNCÃO NA GUERRA?
Inteligência militar consiste na obtenção de toda a informação possível e relevante, seja sobre seus inimigos ou potenciais inimigos, seja sobre seus aliados ou outras nações neutras, desde que interessem às atividades relacionadas a segurança nacional a às atividades militares, da maneira mais ágil e oportuna, e ao mesmo tempo prevenindo-se de que àqueles façam o mesmo. Toda informação relevante para governos e tomadores de decisão, tanto políticos quanto militares, em concomitância com as potenciais ameaças de um adversário devem ser buscadas.
A estrutura organizacional e como é hierarquizado desde o requerimento sobre
determinado assunto até a entrega da informação é o que molda os serviços de inteligência e é conhecida como ciclo de inteligência. O ciclo de inteligência consiste basicamente num conjunto de passos ou etapas, que dependendo da situação se apresentam mais ou menos burocratizadas, exercendo funções específicas no interior dos serviços de inteligência.
Pode-se destacar até dez etapas que caracterizam o ciclo de inteligência:
- requerimentos informacionais
- planejamento
- gerenciamento dos meios técnicos de coleta
- coleta a partir de fontes singulares
- processamento
- análise das informações obtidas de fontes diversas
- produção de relatórios, informes e estudos
- disseminação dos resultados
- consumo pelos usuários
- avaliação (feedback)
Esse processo pode ser basicamente, definido em duas etapas principais que são: a coleta e a análise.
A coleta é feita por agências especializadas que são responsáveis por adquirir tipos específicos de dados. Pode-se citar, por exemplo, diferentes agências com especialidades técnicas tais como foto-reconhecimento, espionagem e criptoanálise. No âmbito dos serviços secretos as atividades de coleta são provavelmente as mais custosas e são as responsáveis por gerar inúmeras informações que serão filtradas pela área de análise.
Nem sempre esta busca se caracteriza por informações extremamente ocultas. Tais informações, apesar de não estarem muito protegidas, são importantes, como, por exemplo, a aquisição de informações a respeito de desenvolvimentos sociais, estatísticas econômicas, estatísticas demográficas e também políticas adotadas em âmbito interno.
Estas informações obtidas de fontes abertas nem sempre são tão simples de se obter. Se forem buscadas junto a um estado democrático, são comumente mais simples e acessíveis do que junto a um estado dominado por um sistema de poder totalitário ou autoritário, pois estes últimos esforçam-se freqüentemente para esconder assuntos como suas políticas internas, desenvolvimento econômico ou mesmo tendências sociais.
Atualmente, o campo de atuação da inteligência compromete-se com atividades de longo alcance, ou seja, são atividades que buscam compreender um largo espectro de obtenção de informação sendo eles tanto através de ações nos mais variados pontos geográficos quanto as mais vastas possibilidades de aquisição informacional. Para a verificação de tal afirmação pode-se citar vários métodos utilizados para a coleta de informação como, por exemplo, a espionagem, a fotografia aérea e a interceptação de comunicações.
Além da coleta, a inteligência necessita desenvolver outras atividades tão
importantes quanto à obtenção de informação, e uma dessas atividades, é a técnica de análise do conteúdo obtido pelos meios de captação de informação. Atividade de grande importância, é a análise que vai fazer as ligações de fragmentos de informações que chegam através de várias fontes com o objetivo de formar um “pano de fundo coerente”, e assim gerar conhecimento àqueles que fizeram o requerimento informacional, que são os tomadores de decisão. Sendo assim o intérprete de informação tem a responsabilidade de julgar a relevância e a conexão entre informações que chegam de várias fontes.
Desde os tempos mais remotos, os líderes militares sempre procuraram obter informações sobre o inimigo, seus pontos fortes e suas debilidades, suas intenções e sua organização bélica. Pode-se destacar, em princípio, Alexandre, o Grande, que conquistou inúmeras terras durante suas campanhas. Alexandre, ainda menino, insistentemente perguntava aos visitantes estrangeiros a respeito do tamanho da população em seus países, da produtividade do solo, da direção dos rios e estradas que os atravessavam, da localização das cidades, baías e praças fortificadas e da identidade dos cidadãos importantes. O futuro rei da Macedônia coletava o que se chama hoje de inteligência estratégica.
Assim como Alexandre. César buscou fazer, aliado ao seu poderio bélico, o melhor uso possível das informações. César com as aquisições de informação, acumulou conhecimento etnográficos pormenorizados sobre as características e as dissensões tribais de seus adversários, os quais utilizou de forma impiedosa para derrotá-los. O imperador romano, astutamente, elaborou um sistema de inteligência que pautava-se em batedores de médio e curto alcance para fazer o reconhecimento de até trinta quilômetros adiante do corpo principal de marcha, a fim de espionar o território e a disposição militar do inimigo durante suas campanhas. O exército romano utilizava-se dos batedores e também fazia uso de informantes locais, prisioneiros de guerra, desertores e civis seqüestrados.
Napoleão implantou um sistema móvel de quartel-general, possuindo um bureau de estatísticas encarregado da inteligência estratégica sobre os inimigos, bem como um bureau topográfico, encarregado por recolher informações das mais variadas fontes e prepará-las, inclusive em formas cartográficas para que fossem as estudasse diariamente. Napoleão fez uso da inteligência de tal forma como nunca havia sido feita antes na história, fazendo uso de envio de agentes em missões especiais, implantação de seus bureaux moveis, etc. Porém, deve-se destacar que as tecnologias disponíveis para o uso de captação de inteligência no período napoleônico permaneciam em grande medida as mesmas da antiguidade. Napoleão era seu próprio oficial de inteligência, e tinha como característica uma enorme capacidade para analisar e processar informações. Tais características acarretavam na eliminação de muitos passos e camadas organizacionais intermediárias, sendo este fator que, provavelmente, ajude a explicar a velocidade, sua forma única de tomar decisões e de fazer guerra. Esta característica de Napoleão pode ser entendida como uma fragilidade de seu processo de comando, visto que tais características poderiam induzir a tomadas de decisões repentinas, baseadas mais em desejos do que na análise de informações.
Informação imediata e a longo prazo na guerra Ao tratar de serviço de inteligência, é necessário entender que a dinâmica informacional pode provocar determinadas tomadas de decisões que podem gerar alterações significativas na condução da guerra.. Um exemplo que pode ser dado em relação à possibilidade de alterações na condução da guerra é quando se detecta o surgimento de alguma nova potente arma, de algum equipamento mais avançado tecnologicamente ou movimentação inesperada do oponente.
ESCALÕES DO FLUXO DE INTELIGÊNCIA
No que se refere à dinâmica de informações na guerra podemos destacar três camadas distintas que cercam os serviços de inteligência:
Primeiramente, destaca-se a inteligência estratégica, esta camada tem por objetivo cobrir sobre tudo que o inimigo seja capaz de fazer. As informações que chegam a este nível devem ser simplificadas e generalizadas para os oficiais senior, isso implica que todas as informações coletadas em outros níveis passam pela inteligência estratégica para serem analisadas de acordo com suas devidas implicações. Isso quer dizer que, as informações que chegam nesta camada têm por objetivo influenciar na tomada de decisão da condução de toda a guerra. Entende-se, então, que a formulação de um quadro claro sobre determinadas situações, neste nível, só é possível depois de um considerável tempo coletando e analisando inúmeras informações que chegam dos níveis inferiores.
A respeito da inteligência estratégica podemos ilustrar como ela ocorre tomando o exemplo da organização alemã na guerra. As agências especializadas de inteligência da Alemanha na Segunda Guerra recebiam um volume relativamente grande de material proveniente de fontes tais como diplomatas em missões estrangeiras, transmissões de rádio, fotografias, relatórios, documentos e jornais dos mais variados lugares. O grande volume de material que chegava era diariamente traduzido e depois era usado como fonte de análise para formulação de relatórios das mais diversas agências de inteligência. Os relatórios dessas agências eram passados para o comandante responsável de cada agência que os lia e formulava um memorando que era enviado para o comando geral da inteligência alemã, este ultimo produzia um relatório mais simplificado sobre os resultado obtidos nas mais variadas agências da inteligência e o enviava para o comando geral das forças armadas da Alemanha e finalmente a Hitler. O material que chegava às mãos de Hitler era muito reduzido, pois, os relatórios diários vindos da inteligência tinham que ser breves na medida em que ele os lia em apenas alguns minutos. Era então com esses relatórios que Hitler junto a seus Comandantes chefes, formulava as prospecções para a guerra.
Em segundo lugar, tem-se a inteligência operacional. Nesta camada tende-se a tratar as informações com maior detalhamento, principalmente porque tem como função abranger regiões mais específicas. (Ex: Continente Europeu, Oceano Atlântico, leste da África.). Freqüentemente estas informações são divididas por atividades como: operações aéreas, navais, terrestres; economia, política, etc. Por conter tais características, as equipes da inteligência estratégica sempre mantêm contato com a equipe da inteligência operacional. Percebe-se então que este nível se assemelha muito com o nível anterior, mas com pretensões mais detalhistas e específicas de determinadas áreas, tendo então que ter uma atualização de informações mais freqüente do que o nível estratégico.
Por fim, destaca-se a inteligência tática. Conhecida, também, como inteligência do campo de batalha. Este nível caracteriza-se por obter informações muito detalhadas e de necessidade de uso imediato. A aquisição de informação neste nível é feita pelo menos algumas vezes ao dia para que ela possa ser útil. Este nível coleta informações como número de baixas em campo de batalha, equipamentos utilizados pelos inimigos, movimentação de tropas, etc. Tais informações analisadas são transmitidas o mais rápido possível para os níveis operacional e estratégico para que em resposta eles analisem as implicações de cada situação tática. Sendo assim pode-se perceber que a agilidade é um dos fatores principais para o bom funcionamento deste nível, visto que as informações são altamente perecíveis ou altamente mutáveis.
A inteligência alemã possuía dois braços principais em relação à obtenção de informação no campo de batalha, que se diferenciavam em relação a atuação dos teatros de operações sendo um responsável pelo front leste e outro a oeste. Os meios de obtenção de informação nos campos de batalha se diversificavam de acordo com as necessidades informacionais.
O primeiro exemplo é o uso de agentes que eram lançados através do uso de pára-quedas em pleno campo inimigo para a coleta de informação sobre movimentação, quantidade e qualidade (tipos de equipamentos usados) do exército, e se possível coletava-se alguns equipamentos (rádios, armas, equipamento de carros, uniformes, etc)
Outro meio de aquisição era através do interrogatório de prisioneiros ou desertores. Durante a captura, os soldados alemães desarmavam seus prisioneiros, separavam os oficiais dos demais homens e tomavam seus documentos. No posto da divisão, os prisioneiros já eram questionados sobre qual divisão eles pertenciam, onde estavam localizados os campos minados, onde estavam posicionadas as metralhadora e armas antitanque, quantos tanques possuíam, entre outras questões relativas à situação de batalha. Se as informações fossem muito importantes o posto enviava o prisioneiro e seus documentos diretamente para a divisão. Somente no momento em que o prisioneiro era enviado para a divisão é que entrava, pela primeira vez, o trabalho do oficial de inteligência.
Em relação às técnicas utilizadas pelos oficiais nos interrogatórios, estas variavam de acordo com o teatro de operações. No leste nenhuma técnica de interrogação era necessária a princípio, pois o medo fazia este trabalho. Os russos sabiam que a Convenção de Genebra não os protegia das atrocidades de seu agressor, devido a isto cerca de 97 % dos prisioneiros falavam abertamente na esperança de obter clemência dos nazistas.
Já no teatro de operações a oeste, os prisioneiros, após serem capturados, tinham o medo dissipado por obterem um tratamento mais humano. Os alemães, por possuírem uma afinidade maior com a percepção ocidental, mantinham um certo respeito com os prisioneiros, que eram obrigados, apenas, a fornecer seus nomes e patentes, podendo recusar-se a dar maiores informações.
A grande contribuição dos prisioneiros de guerra para o alto comando foi o fato de simplesmente saber sobre a identificação das unidades. Esse tipo de informação individualmente significa muito pouco, mas o conjunto de inúmeras identificações de unidades ajudaram a construir uma lógica da ordem de batalha inimiga.
O processo de conhecimento a respeito do inimigo durante a guerra é um processo continuo. Algumas especificidades marcam a atividade de inteligência, sendo a mais obvia o grau de controle que as organizações possuem sobre cada tipo de fluxo informacional. Os dados obtidos em batalha são, geralmente, controlados pelos Staffs de operações das estruturas de comando das forças e que tais informações poucas vezes compõem-se como elementos de relatórios de inteligência, principalmente porque as informações de batalha podem ser muito perecíveis e demandarem uma resposta imediata por parte do exército. As chamadas informações de combate permanecem, praticamente, como uma atividade distinta das atividades de inteligência.
ABWEHR
A estrutura organizacional do período de Hitler sobre o comando da Alemanha
caracterizou-se por ser uma estrutura de comando hierárquica na qual todos Os setores tinham de obedecer aos desejos de um chefe maior que era o próprio Hitler. Dentro desta estrutura hierárquica encontravam-se as agências de inteligências da Alemanha nazista.
A grande estrutura de inteligência alemã era controlada por um organismo chamado Abwehr. O termo “Abwehr” não se refere de forma alguma a Conceitos de inteligência ou informação. O primeiro elemento a se destacar é “wehr” que remonta a uma forma lingüística indo-européia que significa barragem, essencialmente isso singnifica “defesa, proteção”. Já o termo ab- é um cognato da palavra “de” ou “originário de”, essencialmente isso significa “distante” ou “fora”. Essa união de termos remonta a idéia de “desvio”, termo que seria melhor empregado se utilizado como o nome para o serviço de contra-espionagem somente.
Mas o Abwehr consistia não só como organismo de proteção, mas também como organismo de aquisição de informação, sendo que seu campo de atuação era basicamente fora das fronteiras da Alemanha.
O Abwehr era um órgão mantenedor de algumas “ramificações” que consistia em agências especializadas do serviço secreto, mas com subordinação ao comando geral do Abwehr. Essas ramificações ou sub-agências eram responsáveis por controlar e expandir os postos e sub-postos de inteligência sobre os territórios ocupados, sendo que cada ramificação era responsável por algum tipo específico de inteligência.
A espionagem militar era de responsabilidade do Abwehr I, sendo que cada setor militar (marinha, aeronáutica e exército) possuía sua própria inteligência. Já questões sobre sabotagem e levantes de minorias eram de responsabilidade do Abwehr II. Por fim a ramificação responsável pelo controle de contra-espionagem era a Abwehr III.
Percebemos então que o Abwehr I era a ramificação responsável por uma ação mais ofensiva em relação às outras ramificações da inteligência alemã, principalmente porque era ela a responsável por envio de agentes ao exterior e pelo controle da inteligência militar. Outra ramificação que auxiliará na compreensão deste trabalho é a Abwehr III que busca a defesa através do uso da contra-inteligência, dentro território alemão, contra forças inimigas que tentam obter as mais diversas informações.
MECANISMOS DE CAPTAÇÃO DA INFORMAÇÃO
O estudo de inteligência, em relação à captação de informação, está respaldado por disciplinas muito bem definidas e especializadas e que são freqüentemente abordadas, segundo a literatura internacional, através de uma terminologia derivada do uso norte-americano . Os organismos secretos contam com um leque considerável de disciplinas que possibilitam a obtenção de dados, mas que, apesar desta aparente “facilidade” de aquisição de informação tais organismos enfrentam obstáculos que lhes põem à prova sua relativa utilidade, eficiência, confiabilidade e agilidade.
As pontuações que se seguirão nesta seção do artigo buscarão o esclarecimento conceitual sobre quais são as disciplinas de Intel e, em concomitância, buscar-se-á, na medida do possível, promover paralelos em relação a determinadas ações adotadas pelo do serviço secreto alemão no período da II Guerra Mundial.
A fonte de informação mais antiga e barata consiste nas próprias pessoas que têm acesso aos temas sobre os quais é necessário conhecer. Nos estudo sobre inteligência o uso do termo humint é feito devido ao forte valor e o alto custo aplicado sobre a terminologia "espionagem”, visto que ao se usar o termo humint questões políticas e legais são “aliviadas”. Além dos fatores citados, a utilização do termo tem como propósito indicar que a inteligência obtida a partir de fontes humanas está além das interpretações sobre espionagem.
No que diz respeito às fontes da inteligência humana, podemos utilizar a noção de grau ou pirâmide de sensitividade.
Na base da pirâmide de humint encontram-se as fontes com acesso às informações de menor sensitividade e valor isoladamente. Apesar disto, transmitem com abundância e com informalidade os dados captados ajudando, assim, a montar o quebra-cabeça representado por um alvo ou problema. Os serviços secretos constantemente utilizam-se de entrevistas com pessoas que tem acesso a países ou áreas “negadas”; geralmente essas pessoas são turistas, especialistas acadêmicos, contatos de negócios ou até mesmo refugiados ou indivíduos oriundos de minorias oprimidas. No que cerca esta classificação pode-se destacar que em períodos de guerra uma importante fonte de informações são as próprias populações de áreas ocupadas e os prisioneiros de guerra (POWs - Prisoners of War) interrogados pelas unidades de inteligência das Forças Armadas.
Uma forma muito comum de adquirir informantes para o serviço secreto alemão era através de viajantes, simpatizantes e possuidores de nacionalidade dupla, que visitavam a Alemanha. Estes eram treinados, principalmente a respeito das técnicas de comunicação, e reenviados aos seus países de origem, tornando-se assim informantes sob o comando alemão.
Geralmente estes indivíduos transmitiam informações de conteúdo mais aberto e acessível à população do país investigado. No período da segunda guerra as vezes enviar os jornais ou artigos impressos do inimigo era muito complicado sendo muitas vezes obrigado a usar meios não ortodoxos de envio dessas informações. Um exemplo deste tipo de situação era o recebimento de informações advindas da Inglaterra e Estados Unidos que tinham de ir primeiro para Portugal por meio de pescadores, para que só assim pudessem ser enviadas para os quartéis generais da inteligência alemã.
A segunda camada da pirâmide caracteriza-se por uma passagem de obtenção de informação através de formas mais passivas para uma exploração das fontes de forma mais ativa. Isso significa que as fontes encontram-se em informantes "ad hoc" (especialmente destinados), exilados políticos, partidos de oposição, etc. O grau de clandestinidade com os contatos com esse tipo de fonte, pode sofrer variações, indo desde uma abordagem formal para o provimento de informações especificas até a manipulação das fontes e a obtenção de dados sem que o alvo tenha sequer consciência da ligação com um órgão secreto, várias vezes disfarçado de contato jornalístico ou comercial.
O serviço secreto alemão (Abwehr) antes mesmo do início da guerra fazia o recrutamento de espiões estrangeiros, esse recrutamento era feito de forma praticamente aberta, pois, ofereciam, nos mais variados jornais estrangeiros, ofertas de empréstimos ou empregos no serviço público alemão. As pessoas que pegavam os empréstimos anunciados eram submetidas a altos juros e curtos prazos para pagar, assim muitos não conseguiam pagar ao governo alemão, e era a partir daí que a inteligência alemã aproveitava-se da situação, oferecendo lhes maiores prazos para o pagamento dos empréstimos em troca de informações. Já os contratados para o serviço público tinham a função de enviar informações em troca de um razoável salário.
O esforço alemão para o recrutamento de agentes era em torno da procura de
agentes com determinado estereótipos específicos, que era pautado em um agente inteligente, emocionalmente estável e de bons nervos, fisicamente fortes e que possuíssem conhecimento sobre a geografia do país alvo, costumes e língua. Porém os agentes que eram recrutados, em sua maioria, possuíam apenas duas qualificações: eram jovens ( tinham entre 20 e 30 anos) e vontade em servir a Alemanha.
Aqueles agentes recrutados para servir como fonte de informação em um país estrangeiro muitas vezes enfrentavam um grande problema que era: como entrar no país inimigo sem ser pego? Talvez a forma mais comum utilizada pelo Abwehr para inserção de espiões de nacionalidade alemã em um país inimigo era o uso dos U-Boats (submarinos alemães). Os agentes que eram introduzidos, por exemplo, na Inglaterra eram transportados por submarinos até uma área menos vigiada e próxima à costa, se a situação se apresentasse tranqüila os agentes pegavam um barco e remavam até terra firme. O maior problema enfrentado pelos espiões era de não saber exatamente onde exatamente tinha desembarcado, outro problema era com a preocupação se eles não haviam sido avistados por ninguém ou, também, se existia alguma emboscada para eles ao chegarem à terra firme.
Por fim, no topo da pirâmide, encontram-se as fontes mais secretas. Estas fontes são as que transmitem regularmente informações que podem não ser muito numerosas, mas que tendem a ser de grande valor agregado e de alta sensitividade. Tais fontes são agentes regulares, conscientes de que espionam seu próprio governo ou organização e fornecem informações, mais ou menos vitais para a segurança nacional, para o serviço secreto estrangeiro.
Este tipo de fonte pode se caracterizar por serem tanto agentes recrutados pelos oficiais de inteligência quanto pessoas que se voluntariam para desempenhar este papel (também conhecidos na terminologia internacional como Walk-ins). O autor ressalta também os agentes conhecidos como defector-in-place, que são aqueles agentes com posição privilegiada como oficial de um governo ou líder de uma organização que decide mudar de lado e
permanece em suas funções fornecendo informações para seus novos controladores até que seja apanhado ou possa evadir-se.
O serviço de inteligência alemão investia no recrutamento de agentes duplos, visando obter valiosas informações de dentro da estrutura da inteligência britânica. Apesar dos esforços do Abwehr no recrutamento de espiões, o sucesso na utilização deste recurso foi baixo. A grande maioria dos agentes que se passavam por agentes que trabalhavam em favor da Alemanha, na verdade estavam sob o controle inglês e conseqüentemente manipulavam as informações que eram enviadas aos quartéis de inteligência alemães.
O Agente Oficial e o Agente Espião
Idealmente, os responsáveis pela tomada de decisão, sejam eles políticos eleitos, ministros, altos burocratas civis, comandantes militares ou chefes de polícia, identificam lacunas e necessidades informacionais, estabelecem prioridades e as transmitem para os dirigentes da área de inteligência. Estes, por sua vez, transformam aquelas necessidades percebidas pelos usuários em requerimentos informacionais para os setores responsáveis pela coleta e análise.
Percebe-se então que o trabalho de todo o serviço secreto é pautado pelas necessidades informacionais de um ou mais tomadores de decisão. Ao perceber as necessidades dos tomadores de decisão, os serviços secretos calculam quais as melhores formas de obter as informações necessárias, e, certamente, um dos meios mais utilizados é o uso de fonte humana. Esta disciplina, que dispõe de seres humanos como fonte de informação está envolvida por dois tipos de indivíduos que exercem papéis diferentes: o “intelligence officer” (oficial de inteligência), que é aquele indivíduo empregado por uma agência de serviço secreto, e a fonte que é o individuo que fornece informação para o oficial para que este último possa assim transmitir dados para o quartel general de inteligência. Geralmente, o intelligence officer, também conhecido como manipulador (“handler”), mantém um grau de comunicação com o “source” a fim de passar as instruções que chegam diretamente dos quartéis generais.
O oficial de inteligência está sob uma grande tensão visto que eles precisam evitar ao máximo chamar a atenção do governo em que está operando, sendo assim, o oficial de inteligência não pode simplesmente divulgar livremente que está disposto a pagar por informações secretas. Para que tal situação não aconteça e que nem o agente e nem a missão fique evidenciada é necessário a utilização de “cobertura" (cover); no jargão dos estudos de inteligência, a cobertura significa um motivo plausível para se estar no país com o pretexto de se ter contato direto com pessoas que possuem acesso a informações sensíveis, assim sendo, justificando qualquer suporte financeiro a este indivíduo.
A cobertura oficial é o ato de disfarçar um oficial de inteligência como, por exemplo, um agente diplomático ou qualquer outro tipo de representação governamental que normalmente seria alocado no exterior. Já a cobertura não-oficial diz respeito a qualquer outro tipo de disfarce podendo ser representado como um empresário, jornalista, turista, entre outros. É muito freqüente que aqueles sobre cobertura não oficial disfarcem sua nacionalidade e finja ser de alguma nacionalidade diferente daquela que realmente é.
São muitas as vantagens quando se trata da utilização de cobertura oficial. Quando o serviço secreto utiliza de uma ação de cobertura oficial, ele esta relativamente bem protegido visto que possui o respaldo da imunidade diplomática sobre seu “espião”, e caso ocorra a detecção das atividades de espionagem o país poderá, geralmente, contar apenas com o respaldo do direito internacional de declarar o espião como persona non grata e assim extraditá-lo. Mas em situações de guerra, o respaldo legal pode ser, e muitas vezes é, desobedecido, podendo gerar assim, conseqüências maiores para os agentes sobre cobertura oficial se capturados.
O oficial sobre o respaldo diplomático tem menores receios sobre a entrega de suas informações ao quartel general, pois o envio do material recolhido pode ser feito através de postal ou comunicação direta sem interferência ou violação por parte do país em que se está instalada a embaixada. Em relação àqueles agentes que são integrados ao corpo diplomático podemos destacar a figura do attaché. Os attachés estão sob um respaldo de proteção similar ao dos diplomatas, pois são funcionários oficiais do governo de que eles representam e estão integrados a missão diplomática. Geralmente os attachés são experts em assuntos militares e, por estarem atrelados ao corpo militar, possuem contato direto com as fontes mais precisas de informação. Os attachés são fontes de observação de movimentação e treinamento do exército, campos de pouso, equipamentos, etc.
Antes de estourar a guerra, os diplomatas e attachés alocados nos países inimigos obtinham informações sobre o seus exércitos através de formas abertas, isso significa que eles tinham acesso a divulgações sobre as forças armadas, observavam as paradas militares e conversavam com os oficiais. No período anterior a guerra, o que auxiliou o exército e a inteligência alemã a calcular o possível poder de combate inimigo foram as informações provenientes dos attachés alocados antes da guerra estourar em países inimigos.
Mas porque os diplomatas fazem este tipo de trabalho? Os diplomatas muitas vezes são a única fonte de informações mais significativas sobre o inimigo. Quando eclode uma guerra, as relações diplomáticas entre os Estados beligerantes cessam, porém existe uma situação em que os diplomatas ainda conseguem obter, apesar de não tão abundantes, informações sobre o inimigo. Essa situação caracteriza-se na manutenção de relações diplomáticas com um terceiro país em que os Estados beligerantes ainda mantêm contatos. Fica clara essa situação ao vermos que a Alemanha fez uso da alocação de attachés e diplomatas na Espanha na busca de informações sobre Inglaterra, Estados Unidos e Rússia. Sendo assim, o pessoal diplomático tem a oportunidade de andar nas ruas, comprar roupas e comida, estar nas estações de trens, irem ao teatro, e conversarem com políticos e intelectuais na intenção de obter as maiores e mais valiosas
informações a respeito do inimigo.
Em contrapartida, o ponto fraco na utilização de diplomatas é que geralmente o oficial sobre o respaldo diplomático está constantemente na mira do serviço de contrainteligência do país em que se está atuando e freqüentemente a contra-inteligência é precisa sobre quais “diplomatas” são oficiais de inteligência e quais não são. Outro problema enfrentado pela cobertura oficial é quando ocorre, por motivos de intensa crise ou por guerra, a quebra de relações diplomáticas ocasionando a interrupção de contatos diretos com fontes importantes como oficiais do governo, outros diplomatas e burocratas.
No que diz respeito à cobertura não-oficial pode-se dizer que esta é largamente utilizada pelos serviços secretos, porém sua importância é ressaltada principalmente quando a utilização de agentes sobre cobertura oficial se torna impossível. A utilização de agentes sobre cobertura não-oficial (NOCs) é considerada mais abrangente em relação ao seu maior contato com potenciais fontes de informação, já que os NOCs podem ser alocados em várias estratificações da sociedade e exercendo os mais variados tipos de profissões. Assim sendo, a descoberta de agentes sobre cobertura não-oficial se apresenta muito mais complicada de ser identificada pelos serviços de contrainteligência. As dificuldades de inserção e atuação destes agentes é relativamente alta, pois, em muitas ocasiões, deve-se persuadir uma corporação ou uma organização privada a permitir um oficial de inteligência se insira como um de seus membros de staff ou, alternativamente, o estabelecimento de negócios que seja uma justificativa plausível para a sua presença no país alvo. A comunicação entre oficial e quartel é ainda mais difícil, pois os NOCs não têm as facilidades da comunicação feita pela embaixada, podendo assim levantar suspeitas e tornando-se assim vulnerável.
Assim como se pode fazer distinção entre cobertura oficial e não-oficial pode-se também fazer distinção entre os sources. A distinção básica está entre a fonte na qual o intelligence officer, após preparar o terreno, ativamente o recruta para o serviço na agência de inteligência e os Walk-ins, que são indivíduos que voluntariosamente dão suporte ao serviço de inteligência estrangeiro. As fontes recrutadas são geralmente consideradas mais confiáveis, já que o oficialato da inteligência teve a oportunidade de estudar o caráter e a motivação antes mesmo da tentativa de recrutamento desta fonte. Além deste esforço promovido pelos recrutadores, as fontes recrutadas aparentemente são mais confiáveis visto que são escolhidas por possuírem um contato ou acesso direto a importantes informações.
Por outro lado, os walk-ins são fontes de confiabilidade extremamente duvidosa, já que sua predisposição voluntariosa pode ser de fato um disfarce sobre o comando da agência de inteligência de seu próprio país com a intenção de transmitir informações enganosas. Além disso, podem transmitir ao seu próprio governo os métodos de operação ou armar uma armadilha para o serviço secreto em que se voluntariou. Este indivíduo que trabalha para dois serviços secretos com intenção de prejudicar a um destes serviços secretos é conhecido como agente duplo (double agent). Após esta breve definição deve-se então, diferenciar os dois tipos de atores, o oficial de inteligência e suas fontes. Muito freqüentemente tende-se a chamar ambos os atores de espiões. “Embora a espionagem seja considerada crime grave no ordenamento jurídico contemporâneo, as penalidades para um oficial de inteligência estrangeiro dirigindo operações em território nacional são muito diferentes do que a pena por traição, aplicada a um cidadão ou residente permanente que esteja passando informações secretas para uma potencia estrangeira.” Percebemos então que os walk-ins são aqueles agentes fornecedores de informações que os estudos sobre inteligência consideram, então, como espiões.
Mas o que leva o indivíduo a fornecer informações cruciais a respeito de seu próprio país? Qual o motivo que leva o indivíduo a sofrer tamanho risco? tais indivíduos podem ser movidos por motivos ideológicos, étnicos, ou religiosos, motivações estas que são maiores e mais fortes que seus laços com o seu próprio país; são às vezes, também, desiludidos por ações ou ideologias de seu próprio país; pode caracterizar por um indivíduo ganancioso; podem, também, buscar através do auxílio ao serviço secreto inimigo algum tipo de vingança ou até mesmo a busca por algum tipo de aventura ou excitação para sua própria vida. Sendo assim, os motivos que levam a pessoa a trair seu próprio país são muito subjetivos ao indivíduo que se voluntaria e conseqüentemente muito nebulosos para àqueles que fazem uso de seus serviços.
O trabalho de contra espionagem tem como elemento primordial a vigilância em relação aos oficiais e às possíveis atividades promovidas pelo serviço secreto inimigo. O motivo de uso constante do elemento “vigilância” consiste na tentativa de determinar como e onde os oficiais inimigos vão e, também, com quem tais oficiais se comunicam; e muitas vezes tais contatos podem ser alvos para a condução de novas investigações.
Apesar de ser um conceito simples, a operação de contra espionagem consiste em uma tarefa muito complexa visto que a vigilância deve ser feita de forma muito cautelosa, pois se o inimigo perceber que está sendo vigiado ele pode manipular ou abortar determinadas missões.
Os métodos mais comumente utilizados pela contra espionagem são o uso de
desertores ou de agentes duplos. Os desertores são, geralmente, aqueles oficiais de um governo ou até mesmo líderes (ministros, membro da inteligência adversária, comandantes das forças armadas, etc.) de uma organização que decidem mudar de lado e ao mesmo tempo permanecem em suas funções fornecendo informações para seus novos controladores. Já o uso de agente duplo, que é talvez o método mais comum de contra espionagem, consiste em agentes que simulam espionar para o serviço secreto inimigo, mas na verdade estão sob o controle do serviço secreto nacional no qual supostamente deveria estar espionando.
A característica mais relevante do agente duplo é a capacidade deste indivíduo de penetrar nos mecanismos de cobertura do serviço secreto inimigo e assim, identificar os oficiais que atuam como agentes secretos. Desta maneira, as atenções em relação às investigações se convergem naquele oficial que opera como agente secreto e conseqüentemente diminui a atenção sobre aqueles que são realmente diplomatas ou qualquer outro tipo de representante oficial. No uso de agentes com função de contra espionagem, o serviço secreto pode obter algumas informações muito valiosas, principalmente em relação aos métodos operacionais utilizados pelos adversários. O uso de agentes duplos permite compreender claramente como os “handlers” passam instruções para os “sources” e como recebem as informações destes últimos; pode-se saber também quais são os locais preferenciais para seus encontros, quais as precauções que eles tomam para não serem detectados. Assim, ao conhecer os métodos operacionais da “espionagem” inimiga, muitas vezes, é possível detectar quais são suas prioridades de coleta informacional e relativamente entender quais são seus objetivos.
Problemas da captação por Humint
Alguns problemas chaves circulam na órbita da captação de informação por meio de utilização de recursos humanos. Existem alguns problemas centrais em relação à captação de informação através do uso de humint, “os problemas da captação humana são inerentes ao empreendimento, enquanto os outros problemas são mais específicos à natureza do alvo da inteligência”.
O mais sério problema de “controle de qualidade" surge da possibilidade de que um agente pode ser um agente duplo. Isso que dizer que o agente está trabalhando, na verdade, para o suposto alvo (inimigo) e assim, as informações que ele alimenta aos supostos empregadores na verdade são informações com intenção de enganá-los. Outro problema que pode se apresentar está relacionado à natureza do alvo, pois “quanto mais eficaz e penetrante o aparato de segurança interno do país [alvo], maiores são as dificuldades que ele representa ao trabalho de inteligência humana”. Este tipo de ação pode ser vista naqueles Estados que mantêm um grande controle sobre as viagens internacionais como também sobre a atividade econômica e comunicação de sua população, significando uma grande dificuldade para a implementação e articulação de ações que fazem uso de cobertura não-oficial por exemplo.
Por fim, outra dificuldade que se apresenta é a infiltração em grupos em que, por exemplo, é necessário um vinculo forte entre seus integrantes e um longo período de convívio e confiança para que se possa integrar a este grupo e se tornar, assim um “infiltrado”.
INTELIGÊNCIA TÉCNICA
Ao se tratar de situação bélica as disciplinas centrais em relação à inteligência técnica, são:
- o reconhecimento eletrônico
- o reconhecimento fotográfico
O reconhecimento eletrônico originalmente era apenas a coleta de informação através da escutas de transmissão de rádio inimiga. No período da Segunda Guerra Mundial, as fontes tecnológicas em relação a comunicação eram muito restritas e o serviço secreto alemão dispunha apenas do uso do rádio como tecnologia para interceptar as comunicações inimigas e para fazer suas próprias comunicações.
Para fazer as transmissões de informação tanto os agentes sem cobertura quanto os diplomatas e attachés faziam grande parte de suas comunicações através do uso de rádio. Outros setores que a comunicação se dava basicamente por comunicação por rádio era o setor que fazia aquisição de informação por meio aéreo e por meio marítimo.
Os agentes que faziam transmissões por rádio tinham que seguir um plano de conduta previamente estabelecido. Este plano continha os horários que a transmissão deveria ser efetuada, as cifras chaves e os sinais de chamadas. Porém, os agentes que não possuíssem nada importante a transmitir na hora e data marcada não deveriam recorrer ao radio, pois, suas comunicações deveriam ser feitas da forma mais breve possível para evitar o monitoramento inimigo.
Em termos de interceptação, a inteligência alemã buscou instalar uma grande
quantidade de postos de detecção de informações de rádio, estações estas que buscavam abranger os mais variados segmentos de transmissão sendo eles aéreo, marítimo, terrestre podendo ser este último tanto militar quanto civil em suas transmissões de programas de rádio. Os submarinos alemães (os U-Boats) faziam a varredura na busca de informações cruciais na movimentação marítima dos inimigos. Já em terra, alguns postos de interceptação eram dispostos próximos às fronteiras dos países inimigos devido a uma característica própria do rádio que é ser propagado por freqüências de ondas sendo assim não havia como controlar muito as informações que pudessem ultrapassar as fronteiras.
O uso do rádio tanto pela Alemanha quanto por seus inimigos contou com um fator peculiar para a dinâmica da inteligência que foi a implantação do uso de mensagens cifradas. As cifras eram utilizadas para impossibilitar que o inimigo descobrisse que estavam sendo transmitidas, e devido a esta variável na guerra, foi travada uma corrida na busca dos livros de codificações tanto alemã quanto inglês e russo. Essa dinâmica ficou tão acirrada que algumas vezes determinadas transmissões feitas por uso de cifras eram feitas apenas para causar uma ilusão ao adversário e para detectar o grau de conhecimento dele a respeito das cifras que estavam sendo utilizadas.
Já o reconhecimento feito através de fotografia detém uma característica crucial para a qualidade das informações que chegam aos quartéis generais, que é a obtenção, com precisão, da localização que qualquer objeto. O trabalho de inteligência começa a mudar durante a I Guerra Mundial (1914-1918) com o uso, já em grande escala, do reconhecimento aéreo provendo assim uma boa visão dos territórios inimigos. Mas foi somente com a Segunda Guerra Mundial que os avanços de inteligência obtidos anteriormente puderam ser refinados, podendo assim o uso mais amplo e efetivo da fotografia aérea e da análise fotográfica.
Assim como no exército, a força aérea alemã mantinha unidades de inteligência no campo de batalha. Um em cada sete aviões da força aérea alemã era utilizado como “reconhecedor”. O reconhecimento aéreo se distinguia por sua abrangência de atuação sendo classificado como:
- de longo alcance
- de curto alcance
O reconhecimento aéreo de curto alcance era feito por observações a olho nu, já o reconhecimento de longo alcance era promovido por intermédio de uso de câmeras.
O reconhecimento fotográfico detinha duas grandes limitações, a primeira condizia à capacidade limitada das câmeras em questão de suas resoluções e zoom, a segunda limitação estava na capacidade do avião de não ser avistado e para isso apenas os mais experientes e valentes aviadores eram mandados para exercer tal função. O perigo de sobrevoar o campo inimigo era grande, principalmente porque as aeronaves emitiam um som muito alto proveniente dos motores podendo assim expor rapidamente os aviadores às linhas antiaéreas, e a única solução para que não fossem pegos era sobrevoar o mais alto possível, levando o avião ao limite de suas capacidades, para que assim se tornassem silenciosos e pudessem tirar as fotos.
Apesar de limitado o uso de reconhecimento aéreo significou muito para as observações da capacidade e movimentações inimigas durante a guerra gerando informações sobre quais armas estão utilizando, onde exatamente seria feita a próxima investida de ataque e onde estavam as principais fábricas para que fossem destruídas.
Esta seção tem por objetivo expor qual é a importância do processo de análise
referente a todo material obtido pelos serviços secretos e como determinadas características, se presentes, podem influenciar a qualidade, a rapidez, o poder de assertividade, e a dinâmica informacional do organismo secreto.
Como já visto, após ser coletada a informação, esta passa a integrar o ciclo de inteligência e dentro deste ciclo a informação receberá um tratamento especial pela a área de análise. É exatamente neste momento, que uma simples informação pode se tornar peça chave para a formulação de conhecimento e para a construção de um entendimento maior sobre determinada situação ou intenção inimiga.
O trabalho promovido pelo setor de análise é complexo a partir do momento em que entendemos que o montante de informação que chega aos analistas é extremamente grande e fragmentada, exigindo deste setor grande especialização e rapidez. A função de funil que é exercida pelo setor de análise visto o grande volume de informações que lhes chegam através das mais variadas fontes: “O Volume de dados brutos e informações primárias coletadas é muito maior do que os relatórios efetivamente enviados aos usuários finais.”
No que tange a análise da inteligência podemos definir que: “análise é a difícil tarefa de descobrir quais são as intenções do inimigo”, esta análise define-se não apenas pela tarefa de descobrir quais são as intenções no inimigo, mas também no processo em que “pedaços de informação que são coletadas - independente da forma - e são transformados em algo útil para os ‘policy makers’ e para o comando militar”.
O processo de análise é bastante complicado pois, seu sucesso depende do quão bom é seu staff de analistas. A dificuldade encontra-se porque o analista deve unir as peças de um quebra-cabeça e, geralmente, este quebra-cabeça está faltando peças, assim sendo, o analista deve “adivinhar” corretamente o que é a figura. O analista, é mais do que um profissional da informação, o analista tem a função de selecionar e filtrar a informação; são responsáveis por interpretar evidências, colocar no contexto e “costurar” tudo isso de acordo com as necessidades do consumidor final, em resumo, analistas e somente analistas, criam ‘inteligência’.
O analista de inteligência é peça fundamental para uma boa dinâmica e bom nível assertivo na construção do produto final. E em relação às qualidades necessárias a um processo de análise destaca-se o trabalho de Moore (2002) intitulado “Species of Competencies for Intelligence Analysis”, que visa abordar a relação entre características [pessoais], habilidades, competências e conhecimento necessários a um bom analista. Ele aponta que, as característica principais são decisões de valores, crenças e cultura analítica; já habilidades são aptidões que emergem de forma natural e inata ao analista; competências, segundo o autor, são os conhecimentos identificados como um aprendizado superior (expertise) ou proficiência; e por fim, conhecimento consiste na familiaridade ou entendimento adquirido através da experiência ou estudo.
Diante tais necessidades requeridas a um analista percebe-se que, para que esta função seja exercida de forma a buscar um “resultado ótimo”, não se pode recrutar analistas de inteligência apenas por fatores únicos, sendo necessário levar em consideração um conjunto de fatores para que tal função seja exercida de forma correta. É possível perceber que o peso que se posa sobre o âmbito da análise é muito grande e é devido a este fato, que os serviços secretos devem “fortalecer” esta área, pois pode representar uma fissura estrutural que pode levar, até, ao colapso de todo trabalho. Por fim, é importante ressaltar sobre a relevância do analista em: “Os coletores obtêm as informações requeridas, que são transformadas pelos analistas em produto de inteligência. Esse produto final é distribuído para o consumidor e para os chefes das agências, que formulam novas necessidades e fazem ajustes necessários de maneira a prover a atividade de inteligência de mais eficácia e efetividade”. Assim sendo, o fluxo e a análise das informações devem ser feitas da forma mais eficiente possível, e para tanto a análise tem a necessidade de ser produzida de forma rápida e precisa para que não se torne um gargalo das funções da inteligência.
O PACOTE FINAL
O resultado produzido pelo setor de análise da inteligência, que será entregue aos usuários finais nos prazos e nos formatos necessários, é denominado de pacote final, produto final ou simplesmente inteligência. Dentro da dinâmica proposta pelo ciclo de inteligência, a partir do momento em que o setor analítico disponibiliza seu produto para os consumidores finais este processo passa-se a se chamar de disseminação. Os procedimentos de disseminação são muito importantes para o complemento do ciclo, pois são os responsáveis pela distribuição e entrega da inteligência aos usuários finais.
A definição de produto de inteligência é é quando o analista transmite, por qualquer meio, a informação processada ao policy maker ou ao comando militar. Partindo desta definição temos uma divisão de três possibilidades de produto de inteligência, são elas:
- inteligência atual
- inteligência básica
- inteligência estimativa.
A inteligência atual caracteriza-se por fornecer inteligência (produto final) com função básica de informar aos tomadores de decisão, através da entrega de artigos contendo informações principais que poderiam, de alguma forma, afetar a política. Este tipo de produto produzido pela inteligência é algo como similar a função da mídia. Percebe-se então que são informações breves com caráter mais informativo do que explicativo e que buscam relatar alguns pontos relevantes para o tomador de decisão.
Outro tipo de produto e reportagem, também generalista, é denominado de inteligência básica. O tipo de relatório produzido nesta classificação caracteriza-se por tentar dar um retrato completo de uma determinada situação possível, feito com base em dados disponíveis publicamente e utilizando de informações relevantes captadas de todas as fontes de inteligência. Na arena militar tais produtos podem representar uma ordem de batalha.
Por fim, a inteligência estimativa caracteriza-se por ser “o mais ambicioso produto de inteligência no qual não somente descreve uma situação atual, mas também busca predizer como tal situação irá evoluir”. As estimativas e suposições feitas por este tipo de produto têm como característica buscar a mais ampla visão do assunto e da situação atual na busca de produzir uma projeção mais assertiva sobre o futuro.
Ao entregar o produto produzido pela análise de inteligência de acordo com as necessidades do usuário final, termina assim as funções e interferências informacionais promovidas pelos serviços secretos.
A estrutura de comando de Hitler, como já dito anteriormente, foi pautada por
uma rígida hierarquia de controle, na qual o próprio Hitler comandava todas as
estruturas do governo. Esta organização estrutural, idealmente, permitia um controle maior sobre as ações de seus órgãos de inteligência e sobre uma linha de ação integrada.
O Estado monolítico alemão na área de inteligência não possuía nenhum controlador especialista de alto nível, assim as agências de inteligência seguiam suas próprias políticas, e seus resultados eram tidos como coordenados apenas na mente de Hitler.
O aparato de inteligência alemão era muito variado, possuindo agências com funções internas, outras com funções externas e outras até mesmo para o controle do partido nazista, mas essa variedade era assolada por um grande problema: as agências muitas vezes possuíam a mesma função, o que gerava uma competição de uma contra a outra. O problema era tão grande, e a aparente organização era tão mal estruturada, que muitas vezes uma agência que pertencia a um comando enviava seus resultados para outra agência gerando assim uma duplicação de esforços e distorção das funções destes
órgãos.
Hitler acreditava que a desunião e rivalidades entre os órgãos de inteligência, provocadas pela desordem da instituição, era sinônimo de controle, e com isso, entendia que poderia fazer livremente suas avaliações e julgamentos de acordo com seu entendimento pessoal. Vemos já a principio, um ponto de retrocesso histórico neste exemplo, ao percebermos que esse elemento individualista de comando e julgamento pessoal da informação retoma às práticas do comando de Napoleão. Este tipo de atitude adotada por Hitler é falha, pois o julgamento feito por informações que chegam de fontes nas quais impera a rivalidade entre elas, e que no final apenas um individuo é o responsável pelo julgamento das implicações destas informações, está repleto de lacunas informacionais e pautado por um julgamento sobre percepções pessoais limitadas.
Apesar de erros serem comuns aos serviços secretos, devido ao fato de que muitas vezes os produtos produzidos pela inteligência são pautados por análises de informações incompletas e que estas necessitaram da intuição do analista para montar um panorama geral da situação analisada. O exemplo alemão de inteligência militar ilustra muito bem como a união de vários fatores erroneamente estruturados são capazes de construir um serviço secreto relativamente ineficiente e operacionalmente descoordenado.
Pode-se pontuar alguns desses fatores, que são:
- A estrutura de autoridade do governo, que pautava-se por um comando único e subjetivo gerando decisões muitas vezes pautadas mais pelos desejos de Hitler do que pela razão ou análise da situaçao;
- A estrutura de autoridade gerava, também, reflexos comportamentais nas camadas inferiores de comando alemão, onde cada indivíduo buscava aproximar-se ao máximo da figura de Hitler na busca de ascensão ou realização de interesses próprios;
- Os chefes nomeados para comandar as estruturas de inteligência não tinham conhecimento algum, a priori, sobre inteligência e suas dinâmicas. Podemos destacar a figura de Canaris, comandante principal da inteligência alemã, que quando nomeado para o cargo era apena um ex-combatente da marinha na I Guerra Mundial e nunca tinha ao menos trabalhado na área de inteligência até então;
- Muitas agências exerciam as mesmas funções;
- Não coordenação de ação com serviços secretos de países aliados, existindo situações, por exemplo, em que Alemanha espionava dentro de território italiano e não dividia as informações com o serviço secreto italiano;
- Crescimento desordenado da estrutura de inteligência durante a guerra gerou a contratação de analistas e espiões sem conhecimento, especialização ou treinamento adequado. Antes da guerra estourar a estrutura de inteligência alemão era muito menor do que nos momentos mais exaltados da guerra, e devido as necessidades de inserção cada vez maior e mais rápida de espiões em territórios inimigos, os processos de treinamento tornou-se de pouca qualidade, visto que em períodos anteriores a guerra o espião era treinado durante alguns meses e nos momentos mais exaltados da guerra em pouquíssimas semanas o espião era considerado preparado para exercer suas funções;
- Técnica de comunicação e criptografia descoberta e manipulada pelo inimigo, como foi o caso da manipulação do super código secreto alemão ENIGMA, pelos ingleses, permitindo assim o conhecimento prévio das ações da Alemanha por parte do inimigo
É possível perceber, que inúmeros erros em um sistema de inteligência pode causar grandes danos à condução da guerra, no entanto, apesar da quantidade de erros apresentados, a vitória ou a derrota na guerra não são geradas por fatores mono causais.
Assim podemos dizer que a inteligência por si só não é capaz de trazer a vitória ou a derrota na guerra, visto que o sucesso ou o fracasso dependem de vários outros elementos tais como quantidade de soldados, armas, veículos de transporte, organização das estruturas de comando, qualidade de pessoal, etc.
Porém percebe-se a grande importância da inteligência e sua influência em um possível sucesso e vitória na guerra, caso essa inteligência seja organizada, especializada e bem gerenciada. Esses fatores que levaram a derrota do serviço secreto alemão na batalha da busca constante da obtenção de informação entre serviços de inteligência durante a II Guerra. Foi notório que a preocupação com a especialização, organização e bom gerenciamento é o que levou os serviços de inteligência dos Aliados a obterem sucesso, por exemplo, na decifração da ENIGMA, situação que não ocorreu no interior do serviço secreto alemão.
Evidencia-se então a importância da utilização dos serviços secreto e como ele pode auxiliar no desenrolar dos acontecimentos de uma guerra. É importante então destacar os argumentos e razões que fazem da inteligência um fator vantajoso aos tomadores de decisão que decidem fazer uso desta em momentos beligerantes, são eles:
- É somente com o trabalho da inteligência que os tomadores de decisão poderão planejar um ataque ou defesa sobre o inimigo, pois, só com inteligência eles são capazes de calcular a quantidade e predizer a qualidade do exército inimigo;
- É só com a inteligência que se permite planejar o avanço de tropas sobre um espaço geográfico antes desconhecido;
- É só com a inteligência que se pode montar um quadro de ações do inimigo e ter a possibilidade de entendimento da lógica destas ações;
- É só com a inteligência que se consegue coordenações de proteção às informações vitais ao seu país;
- É por fim, é só com a inteligência que o tomador de decisão tem a possibilidade predizer as ações do inimigo de forma mais assertiva.
A inteligência se configura então como um elemento extremamente vantajoso na guerra quando utilizado e organizado corretamente. Após o tratamento dos conceitos sobre a temática, o autor acredita que a inteligência é um elemento fundamental ao Estado que vai a guerra, porque é apenas através do conhecimento gerado pela inteligência que os generais e tomadores de decisão podem formular as prospecções de suas ações e podem fazer os cálculos sobre o potencial poder de vitória ou derrota no combate entre forças.
CONCLUSÃO
Este trabalho se propôs compreender qual é a capacidade e o alcance dos serviços de inteligência em um contexto bélico, e qual é a relação entre o serviço secreto e a derrota na guerra. Para tanto, foi usado de uma bibliografia não especifica da área de inteligência militar, mas que apesar da falta de especificidade do tratamento do assunto pelas fontes, permitiu a articulação de conceitos para o entendimento da dinâmica de um serviço secreto militar. Foi remetendo aos exemplos da inteligência alemã no período da Segunda Guerra Mundial que a ilustração dos conceitos considerados pertinentes ao tema foram apresentados.
Ao fazer uso dos conceitos de inteligência e de tais exemplos, foi possível demonstrar a relação entre inteligência e guerra, e através desta relação o trabalho teve condições de articular e concluir que a inteligência não se apresenta como fator mono causal da derrota ou da vitória de uma potência na guerra, mas que a ausência ou grande debilidade desta tende a uma eminente derrota.
Esta tendência se justifica uma vez que é somente através da inteligência que
tomadores de decisão são capazes de exercer grande parte de seu trabalho, que é articular ações e políticas pautadas por um conhecimento prévio sobre um determinado assunto, pois sem o conhecimento o tomador de decisão pode permanecer imóvel ou tomar decisões extremamente equivocadas.
O autor acredita que mais estudos sobre a área de inteligência militar devem ser pesquisados e aprofundados, tanto por militares quanto por civis, pois, é só assim que este campo de conhecimento se tornará mais robusto e menos inacessível ao grande público. Com uma maior valorização do campo, a inteligência pode se tornar fonte de discussões mais complexas que toquem e questionem assuntos mais delicados dentro desta temática.
O autor acredita que algumas dessas delicadas questões são: por que praticamente não existe limites nas ações de inteligência? Porque os serviços de inteligência, muitas vezes, não têm receio de promover ações que vão contra ao direito internacional? Quais são as possibilidades de civis e especialistas terem o controle da inteligência militar em períodos de guerra? Quais são os reflexos da inteligência civil sobre a inteligência militar? e vice-versa? A inteligência militar pode auxiliar em questões relativas ao combate de grupos armados nacionais e ao combate ao narcotráfico?
O autor, por fim, acredita que a busca por respostas para estas perguntas poderão auxiliar no desenvolvimento deste campo de conhecimento e promover discussões mais complexas em torno da temática de inteligência.
Material didatico muito bom no assunto proposto, parabéns aos autores
ResponderExcluirLeia o livro "Inteligência & Indústria - Espionagem e Contraespionagem Corporativa"
ResponderExcluirPara profissionais de Inteligência (Militar, Competitiva e Empresarial), Compliance e Segurança corporativa.
O manual dos Analistas de Inteligência da Montax Inteligência.
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