quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Reconhecimento Aéreo *212

 

O reconhecimento aéreo é um dos principais meios de coleta de inteligência e avaliação de resultados nas operações militares para fins táticos ou estratégicos, que é conduzido com aeronaves ou sistemas satelitais, e pode cumprir uma variedade de requisitos, incluindo a localização de artilharia e sistemas de lançamento, a observação de movimentos e dispositivos terrestres e navais, instalações militares e desenvolvimento de novos equipamentos, entre outros. Consiste na coleta de imagens no espectro visível, infravermelho e de radar, e dados de inteligência eletrônica. Os sistemas de reconhecimento aéreo modernos devem ser precisos, coletarem dados relevantes, estarem integrados aos demais sistemas afins e fornecerem as informações em tempo real. Requerem a existência de superioridade aérea para sistemas não satelitais, incluindo os sistemas de AAAé e SAMs e sua supressão, capacidade dos sensores e plataformas de acordo com a demanda requerida, condições meteorológicas dentro da capacidade dos sensores e plataformas, e flexibilidade no seu controle.

 


O Reconhecimento e os Níveis da Guerra

O reconhecimento aéreo estratégico fornece informações de inteligência necessários a subsidiar o planejamento operacional, políticas governamentais e contraponto de ameaças potenciais. Como operações estratégicas de reconhecimento aéreo temos a localização dos centros de gravidade das ameaças e alvos estratégicos, o aviso sobre intenções e ações hostis, a avaliação de danos a alvos ameaçadores e amigos, a determinação da estrutura e força das ameaças, a Identificação da ordem de batalha eletrônica da ameaça (EOB) e as indicações e avisos de ameaças potenciais. 

No nível operacional o reconhecimento aéreo realizado fornece informações que são cruciais para o planejamento e execução de operações em todo o teatro e ajudam a cumprir os objetivos traçados. Operações de reconhecimento aéreo operacional visam fornecer as informações de inteligência cruciais para a compreensão das fraquezas do inimigo, a fim de desenvolver linhas de ação adequadas, ajudar a definir as suas vulnerabilidades críticas, fornecer informações sobre o terreno; clima; e a dimensão da força a ser combatida, seus movimentos e situação tática-operacional. Fornece ainda a avaliação do tipo de ameaça e ajuda a identificar alvos. 

No nível tático, as operações de reconhecimento aéreo permitem a identificação de ameaças táticas, o planejamento das missões operacionais táticas, a avaliação do combate, a avaliação da ameaça tática, fornece informações dos alvos, apoia a direção e ajuste do tiro de artilharia naval e de campanha, a observação de áreas de batalha terrestre e os alvos ou setores do espaço aéreo.

 

Os Satélites de Reconhecimento

Os satélites são uma componente dos recursos de reconhecimento militares disponíveis. Eles fornecem informações sobre o clima, imagens multiespectrais e informações de reconhecimento eletrônico para aprimorar a capacidade de planejamento de missão de um comandante. A principal vantagem de um satélite é sua capacidade de fornecer no mundo todo cobertura de áreas de interesse, especialmente áreas remotas ou hostis onde poucos ou nenhum dado pode ser obtido por fontes convencionais. Outras vantagens incluem a longevidade da missão, a relativa imunidade a interceptação, informações detalhadas sobre o terreno e suas particularidades, a retransmissão de dados gerados por outros sistemas de reconhecimento, e o fornecimento de informações de posicionamento para veículos, armas e sistemas de sensores. As limitações de um satélite incluem os mesmos distúrbios atmosféricos e climáticos que afetam a maioria dos outros sistemas de imagens. Além disso, a trajetória do satélite é previsível, e vulnerável à práticas de ocultação e atividades de controle de assinatura, como por exemplo o controle de emissões quando de sua passagem.


O Reconhecimento Aéreo

Ao estudar os meios de guerra modernos e a história dos conflitos, frequentemente nos deparamos com caças, bombardeiros e outras aeronaves de combate que, por serem mais populares e visíveis, e responsáveis pelos resultados finais, povoam as inúmeras publicações sobre o tema. Aeronaves de coleta de informações, como as que praticam o reconhecimento de combate e estratégico, através de câmeras óticas e outros sensores como radares de diversos tipos e de sensoriamento infravermelho (IR), e também aeronaves de guerra eletrônica (EW) nas modalidades de “Elint” (inteligência eletrônica) e “Comint” (inteligência de comunicações) passam desapercebidas aos leitores menos atentos ao “bojo” das operações.

Pelo fato de não portarem canhões ou mísseis, estas aeronaves frequentemente aparentam terem um papel secundário. Porém na realidade do teatro de guerra, uma única surtida dessas aeronaves pode desempenhar um papel crucial ao desfecho das operações, e pode selar o destino da própria campanha ou batalha. Na guerra, a informação é tudo, e sem ela as tomadas de decisão são meros exercícios de adivinhação, de consequências temerárias e não raras fadadas ao fracasso. A “inteligência”, termo genérico usado nos meios militares e estratégicos para designar o conjunto de informações sobre o inimigo, é absolutamente fundamental para a concepção de armamentos e meios, estratégias, políticas, decisões táticas e operacionais, elaboração de planos de ação e qualquer outra postura militar.

Coletada ao longo do tempo por agentes em campo, através de elementos infiltrados ou agentes de resistência, leitura de jornais e outros meios de informação disponíveis, a informação de combate coletada de “cima para baixo” através da observação multiespectral desempenhada pelas aeronaves de reconhecimento, adquiriu importância crescente desde a Primeira Guerra Mundial até os dias atuais. Quanto mais alta uma aeronave estiver, maior seu campo de visão e também maior será a necessidade de sofisticação de seus sensores. Satélites orbitando a 160 km de altura capazes de ler um manuscrito na superfície, requerem câmeras de alto desempenho. Os sensores usados pela primeira vez na Primeira Guerra Mundial na forma de câmeras óticas de resolução sofrível, operadas manualmente de aeronaves frágeis e limitadas evoluíram até os dias de hoje para sensores multiespectrais, capazes de altíssima resolução nos comprimentos de onda da luz visível, da radiação infravermelha (IR) e das ondas milimétricas e centimétricas (radar). Esta radiação se desloca em linha reta, podendo ser refratadas ou atenuadas pela densidade atmosférica e umidade do ar, e parte dela podendo deslocar-se pelo solo ou refletidas pela ionosfera, potencializando seu alcance e atingindo distâncias muito grandes. Para os propósitos gerais, no entanto, a linha reta é a consideração a ser feita. Comumente chamada de linha de visão ou visada (LOS).

Aeronaves modernas podem percorrer distâncias muito grandes, porém é muito comum haver a limitação de onde elas podem voar, cumprindo sua missão tendo que evitar cruzar algumas fronteiras em particular. Com estas limitações as distâncias LOS se tornam importantes. Devido a curvatura da terra a distância máxima que nossa que nossa visão alcança, na hipótese de se estar em um oceano calmo e ignorando a refração atmosférica é de d= raiz(1,5h), onde d é a distância em km e h a altura acima do nível do mar em m. Logo um homem de 1,83 m em pé nestas condições pode ver até 5 km aproximadamente. Em um helicóptero à altura de 20 m pode-se observar até um horizonte de 16 km. Uma aeronave orbitando à 11 km tem um campo de visada de aproximadamente 370 km. Um satélite de reconhecimento orbitando a 160 km pode “ver” até aproximadamente 1430 km.

A primeira observação feita por aeronave em combate foi em 1794 na Batalha de Fleurus, quando um observador francês em balão cativo teve desempenho vital na derrota de forças inimigas numericamente mais fortes. Aeronaves mais pesadas que o ar foram usadas nesta função pela primeira vez em 1911 por um oficial italiano em seu Blériot tomando notas das posições turcas entre Azízia e Trípoli. Em 1912 o mesmo piloto fez a primeira surtida usando uma câmera, levada no colo e de manuseio incômodo (não era muito pequena). Antes da “Grande Guerra” o reconhecimento era a única missão a ser efetuada por aeronaves. Algumas pessoas aventaram a possibilidade do combate ar-ar quando 2 aeronaves em missão de reconhecimento se encontrassem, mas foi taxada como uma fantasia ridícula. Esta fantasia logo se tornou realidade, e em 1918 o reconhecimento aéreo se dava em tempo integral e envolvia mais de 90 mil pessoas em todas as frentes, produzindo cerca de 12 mil chapas fotográficas por dia, com uma qualidade sequer imaginada 4 anos antes. No final da guerra câmeras manuais e as maiores afixadas vertical e obliquamente para frente e para o lado.

Menção especial deve ser feita a Sidney Cotton, um piloto australiano RNAS na Primeira Guerra Mundial, que nos anos 30 se tornou um dos dirigentes da companhia Dufaycolor, uma das pioneiras do filme colorido. Ele era a pessoa ideal para executar missões de fotorreconhecimento clandestino, por causa de sua habilidade de voo e de seu grande conhecimento de câmera e filmes. Primeiramente ele serviu os franceses, que equiparam seu Lockheed 12A com câmeras de reconhecimento gigantes, mas depois se recusaram a deixa-lo ver os resultados porque eram secretos. Ele se saiu melhor trabalhando para os britânicos e sua aeronave, pintada em cores alegres, logo se tornou uma visão familiar do Reino Unido até o Mar vermelho. Não somente tinha um leque triplo de grandes câmeras F24, mas levava na parte externa das asas 2 pequenas câmeras Leica de 35 mm, não detectáveis com as comportas de revestimento fechadas. Durante julho e agosto de 1939 ele sobrevoou tranquilamente a Alemanha, levando a bordo, em algumas ocasiões, convidados alemães de alta patente, enquanto colhia uma farta série de fotos de alta qualidade de aeroportos, fábricas e fortificações da linha Siegfried. Além disso, embora a RAF tenha tentado tirar boas fotografias de alvos alemães desde o primeiro dia da Segunda Guerra e falhado seguidamente por várias razões, Cotton calmamente saiu no seu Lockheed civil, em 16 de setembro, e trouxe de volta a cobertura completa e nítida da frota alemã. Ele montou em seguida a Unidade de Desenvolvimento Fotográfico (PRU), em Heston, a qual veio a se tornar a famosa PRU que revelou não somente milhões de filme, mas desenvolveu também novas técnicas e aeronaves dedicadas. O azul PRU, oficialmente azul cerúleo, era uma cor de baixa visibilidade similar ao padrão todo cinza usado nos caças. Ele era aplicado tanto nas aeronaves designadas para voar em maiores altitudes como também em uma espécie completamente nova de aeronaves de reconhecimento de voo baixo, baseados em caças rápidos com seu armamento substituído por combustível e velocidade extra, e com câmeras montadas atrás da cabine voltadas para os lados. Estas fotografias de baixa altitude e alta velocidade tornaram-se uma técnica padrão  a partir do final de 1940, logo acompanhada por fotografias automáticas tiradas por bombardeiros no exato momento em que suas grandes bombas fotoflash e sua carga de bombas principal estavam todas explodindo no alvo (ou fora dele). Um dos primeiros alvos de uma surtida fotográfica de baixa altitude da RAF, senão o primeiro de fato, foi um sistema de radar inimigo. Graças a ela, este mesmo radar logo tornou-se o objetivo de um ousado ataque de paraquedistas britânicos que trouxeram de volta partes vitais deste para a Inglaterra. Desse modo, os “boffins” (termo britânico para designar os “cientistas de porão” dos quais a guerra estava se tornando dependente) foram capazes de descobrir os parâmetros básicos daquele equipamento. Armados com esse conhecimento, foram capazes de inventar meios de bloquear radares inimigos do mesmo tipo, abrindo um capítulo inteiramente novo na guerra.

Hoje a EW (guerra eletrônica) é tão importante quanto aquela feita pelas bocas de fogo, bombas e mísseis. A batalha silenciosa tornou-se tão equilibrada que muitos dos físicos, engenheiros eletrônicos e tripulações sentiram que seria bom abandonar tudo e voltar atrás para o “globo ocular humano Mark I”. Fazer isso, entretanto, iria certamente causar dificuldades porque as aeronaves modernas carregadas de dispositivos eletrônicos anunciam sua presença tão atrevidamente como se estivessem enfeitadas com luzes de natal. As aeronaves silenciosas, ou passivas, podem carecer de uma porção de dispositivos úteis, mas apresentam imensos problemas para o inimigo. Uma estória frequente contada por um piloto da Luftwaff era de que, em 1944, foi enviado para oeste a fim de ajudar a deter o ataque violento da RAF e da USAAF. Vindo da frente oriental, ele recebeu alegremente a mudança: “Você vê”, disse ele, “os russos estão tão atrasados que eles não tem radar, e isto torna-se muito difícil para nós”. Em outras palavras, cada assombrosa invenção para ganhar a guerra acarreta uma contra-invenção, e ocasionalmente a nova invenção torna a situação pior do que antes. A EW cresceu muito rapidamente para dominar a campanha noturna contra a Alemanha, montada pelo comando de bombardeiros da RAF, na Segunda Guerra Mundial. Hoje, as forças aéreas do mundo todo tem enfrentado problemas tecnológicos e financeiros na sua tentativa de atingir o mesmo nível relativo de eficiência daquele tempo, embora todos saibam da importância da EW e da impossibilidade de vencer sem ela.

Embora não se trate aqui especificamente do tema EW, nos referimos ao TR-1, que está relacionado com diversas formas de EW. Isso se deve ao fato de ser esta aeronave uma derivação do U-2, uma das aeronaves mais notórias da história. O U-2 foi a primeira aeronave a ser projetada especificamente para reconhecimento clandestino através de sobrevoos anônimos ou sem permissão em território estrangeiro, a fim de tirar fotografias de instalações militares ou estrategicamente relevantes. Por volta de 1960, tais aviões deixaram de ser uma proposta válida, devido ao desenvolvimento dos SAMs capazes de alcançar bem mais alto que estas aeronaves poderiam voar. O U-2 foi, entretanto, seguido por uma segunda geração de aviões de reconhecimento capazes de voar não somente mais alto, como aproximadamente 5 x mais rápidos do que seus antecessores, como o SR-71, já aposentado. Essa máquina extremamente custosa, hoje provavelmente não penetraria em espaço aéreo defendido, e esta função ficou a cargo dos satélites de reconhecimento fotográfico, mais inacessíveis a interceptação. Está em estudos o conceito de uma aeronave conhecida como SR-72, um UAV hipersônico com as mesmas funções, e com a capacidade adicional de disparar mísseis hipersônicos.

Sistemas de Reconhecimento

No final de 1914 o Real Corpo de Voo produziu a primeira câmera de reconhecimento aéreo, especialmente projetada com uma lente de distância fixa, focalizada em uma placa fotográfica de vidro. O pessoal de PR (foto-reconhecimento) moderno ficaria surpreendido ao saber que, para tirar a primeira fotografia, o observador, com a câmera segura nas mãos e inclinando-se ao vento cortante, tinha de executar 11 operações diferentes, com seus dedos congelados, sendo que cada exposição subsequente era mais fácil, exigindo somente 10 operações. Desde então, as câmeras tem se tornado melhores. De câmeras grandes do passado, hoje temos, graças a miniaturização da eletrônica, modelos bem menores que podem ser usadas em pequenos UAVs. Outras são extraordinariamente caras, como aquelas usadas em altitudes extremas como as operadas por satélites, capazes de ler jornais a distâncias em torno de 160 km.

As câmeras podem apontar em qualquer direção desejada (vertical, frontal, oblíqua ou sob comando manual em bases suspensas). As configurações modernas frequentemente incluem câmeras panorâmicas capazes de cobrir 360 graus. Comparadas com os recursos de uma vertical e 2 oblíquas da Segunda Guerra Mundial e do advento da tecnologia digital, temos a economia de muito tempo no manejo do filme que antes era feito, ao tentar combinar 3 conjuntos de cópias, pois cada foto é uma faixa de horizonte a horizonte.

A câmera panorâmica é corretamente ajustada para igualar a razão V/h (velocidade e altura da aeronave). Obviamente que uma caça voando a 1.500 km/h e a 90 m, precisará de um ajuste diferente que outra aeronave voando em grandes altitudes e a velocidades menores. Os modernos TRFs (radares seguidores do terreno) auxiliam a evitar imagens obscurecidas ao manter uma distância razoavelmente uniforme da aeronave até o solo, mesmo em regiões montanhosas e acidentadas.

 


As câmeras de composição tiram uma sequência de fotos individuais, cada uma sobrepondo a próxima, em uma porção selecionada pelo operador. Invariavelmente a abertura da lente é ajustada automaticamente de acordo com a intensidade da luz ambiente, assim como outras variáveis. Algumas configurações são ajustadas para tirar uma única foto, ou sequência rápida tão logo a noite seja iluminada por flares lançados do próprio avião, ou em equipamentos mais sofisticados sem a necessidade deles. Estes flares são cronometrados para sair no exato momento em que a câmera está apontada para seu alvo, que pode ser atacado na mesma corrida de alta velocidade pela própria aeronave. As câmeras em missão de ataque podem tirar fotos únicas ou em sequência, cronometradas para mostrar os resultados do ataque, ou ainda numa faixa panorâmica ao longo da rota da aeronave. Em contraste, as faixas de reconhecimento são invariavelmente trilhadas em cruz, para que quando todas as faixas forem alinhadas formem uma foto gigante de uma área maior que, a grande altitude, pode se estender do centenas ou milhares de quilômetros. Obviamente que nas extremidades a abertura fica prejudicada, em parte devido à distância e, em parte, devido ao “ângulo rasante”, quase horizontal que, usualmente, é muito menos informativo do que a cobertura quase vertical.

Não somente as câmeras foram muito alteradas, como também o filme foi aperfeiçoado e mais recentemente as imagens passaram a ser digitalizadas em tempo real. É certo que um comandante militar precisa de boas fotos. Em 1917 um observador, segurando uma câmera a 4.500 m, era incapaz de fazer uma foto que mostrasse algo além de traços grosseiros de trincheiras, caminhos ou trilhas bem usadas, edifícios e talvez veículos grandes. A camuflagem podia ser extremamente eficiente. Assim, o operador do filme tinha de se utilizar de outros recursos, como aumentar a estrutura de grão fino do filme, para mostrar detalhes com maior nitidez, e encontrar um meio de anular a camuflagem. Hoje as câmeras evoluíram e foram incrementadas com uma quantidade de outros dispositivos que não nos permite mais chama-las de câmeras e sim de sensores. Utiliza-se comprimento de onda de luz visível, de micro-ondas para os radares como os de abertura sintética (SAR) e ondas de infravermelho (IR e IIR) nos sensores. Cada um destes dispositivos tem suas próprias vantagens e desvantagens.

 


As câmeras óticas dos anos 80 podiam ser carregadas com filmes com uma sensibilidade tal e pequeno tamanho de grão que era possível ler a placa de um carro ou as insígnias de um oficial a uma altura de 160 km, que é a altitude nominal do satélite mais baixo. Quanto a camuflagem, na Guerra da Coréia, o filme colorido já estava imprimindo a vegetação viva em verde, e outros objetos em tons de rosa ou outras cores contrastantes. Portanto, arbustos ou galhos empilhados em um tanque rapidamente morreriam e apareceriam não como verde, mas em um rosa revelador. No começo dos anos 50, o então chamado filme de cor falsa, exposto através de um filtro amarelo opaco, realmente anulava qualquer camuflagem simples. Tornar as coisas invisíveis ao olho humano já não é mais satisfatório, e instalações como grandes redes de camuflagem podem ser apenas elevadores de moral, dependendo é claro da tecnologia disponível ao inimigo, a menos que elas sejam extremamente sofisticas e caras.

 


Atualmente há muitos outros fatores que afetam o reconhecimento aéreo, mas primeiro é necessário dar uma olhada nos modernos sensores em lugar das câmeras óticas. O primeiro a ser desenvolvido historicamente foi o radar, que em 1939 já estava sendo usado pela Inglaterra para gerar uma PPI (indicação de posição de plano), utilizando-se de feixe que orbitava ao redor de um eixo vertical, sob o avião. Os primeiros radares de mapeamento em série foram usados para fixar a posição do avião ou achar alvos de superfície, incluindo navios, mas, durante a Guerra da Coréia, os radares de reconhecimento estavam permitindo, que fotografias do tipo radar fossem obtidas dando uma impressão de “cópia dura” que poderia ser trazida de volta para análise. O próximo passo era alterar o comprimento de onda e arranjo das antenas a fim de produzir um feixe mais conveniente, voltado para um lado da rota do avião. Este SLAR (radar aerotransportado de varredura lateral) compreende uma fonte de potência que gera sinais de micro-ondas intensos, alimentados ao longo de um guia de onda que, caso se pretenda mapear à esquerda ou à direita, canaliza metade da energia para cada uma de suas 2 antenas. Ele compreende emissores fásicos de multielementos que enviam um feixe muito estreito em forma de folha para a esquerda e para a direita e inclinando para baixo a fim de atingir a superfície. Assim o SLAR varre o solo, abaixo da aeronave, e para fora, de um ou ambos os lados de sua rota. Os sinais de retorno são usados para gerar uma imagem (foto) do solo que pode ser armazenada em filme fotográfico ou (mais recentemente) digitalmente, ou ainda transformada em sinal de vídeo o qual pode ser transmitido analógica ou digitalmente em tempo real, dependendo da tecnologia empregada.

 


O SLAR deve ter um arranjo de antenas o qual é estabilizado em cabeceio, guinada e rotação para que seja possível apontar o dispositivo independentemente do movimento da aeronave. Em equipamentos com tecnologia AESA não há necessidade de estabilização física das antenas, sendo esta feita eletronicamente. Obviamente há limites para o movimento angular, pois manobras violentas da aeronave impediriam varreduras apropriadas. A fim de manter a MTI (indicação de alvo móvel) e imagens de alvos fixos, é essencial manter as diferenças Doppler corretas de frequência entre os sinais enviados de volta pelo chão como o de uma edificação e um carro de combate em movimento. Portanto como é impossível para o piloto manter um curso (ou velocidade) absolutamente constante, ou evitar voar através de rajadas de vento (especialmente a baixa altitude), os equipamentos contam com módulos especiais para compensar todas as variações de velocidade e direção da aeronave e assim permitir ao SLAR identificar alvos no solo que realmente estejam em movimento.

O radar APD-10 que equipava os RF-4 Phantom podia transmitir imagens em vídeo diretamente para aeronaves amigas ou estações em terra na área de alcance LOS (linha de visada), e ao contrário de uma câmera normal (cuja escala é distorcida pela inclinação) sua escala era constante em todas as direções e distâncias. A distância ao longo da rota em faixas sucessivas, é ditada pela velocidade da aeronave para que seja possível medir exatamente a distância entre, por exemplo, 2 árvores. As distâncias laterais podem ser distâncias oblíquas ou podem ser facilmente convertidas em distâncias medidas no solo. Em uma corrida de baixa altitude a diferença é muito pequena. Nestes equipamentos SLAR as imagens são interrompidas a determinadas distâncias(8 km por exemplo) para a inserção automática de um bloco de dados resumido, com informações como a identidade da aeronave, sua missão, localização geográfica (imputados por INS, GPS ou outra fonte), data e horário.


A imagens geradas na atualidade, seja por radar, câmeras óticas ou outro meio, são de alto padrão, digitais e transmitidas em tempo real, o que permite que sejam processadas rapidamente, seja pelos analistas ou por meios eletrônicos; Devido a alta qualidade dos sensores e das capacidades de processamento de imagens nos dias atuais, temos imagens muito nítidas e mostrando detalhes sequer imaginados no passado. O radar que equipava os F-15A, o APG-63 que era um radar de caça e não um SAR já gerava imagens 10 x melhor que o APD-10. O SAR torna homogêneos os sinais transmitidos e recebidos, de tal modo que eles parecem vir não em uma série, de uma única pequena antena, movendo-se através do espaço aéreo, mas em pulsos gigantes únicos, de uma antena enorme de meio quilômetro ou mais de comprimento, disposta ao longo da rota da aeronave. Uma antena de tais dimensões poderia fazer uma foto de alta definição, sendo o único óbice que os fragmentos de imagem não são coletados exatamente no mesmo momento.

Os radares possuem capacidades mais interessantes pois operam na faixa de ondas milimétricas. Com comprimentos de ondas ainda mais curtos temos os sensores infravermelhos (IR) numa faixa imediatamente inferior à luz visível. As ondas IR mais longas operam na faixa de 1000 microns (1 mm) até próximo a 0,7 microns que é onde já podemos visualizar a luz vermelha. Estas ondas podem ser usadas de forma análoga às ondas de radar, embora seu alcance seja bem mais curto. No entanto elas apresentam uma grande vantagem: tudo ao seu redor está extremamente quente, mesmo não parecendo a nossa percepção pessoal, se comparados ao zero absoluto (-273 graus Celcius) e emite radiação IR. Qualquer sistema baseado em radiação IR atua de forma passiva e não revela sua posição (como os sensores IRST dos caças modernos) e apenas capta os sinais existentes, tal qual os nossos olhos, só que num comprimento de onda inferior. Sua característica negativa é que estas ondas (IR) são fortemente atenuadas pela atmosfera, com esta atenuação crescendo com o aumento da umidade atmosférica. Em alguns comprimentos de onda a transmissão IR é próxima do zero, mas com tempo bom é um sensor altamente eficiente.

Para reduzir-se o custo criaram-se sistemas de módulo comum, com partes padrão na construção destes sensores usadas por vários usuários que hoje equipam aviões, helicópteros, navios, carro de combate e outros. Aeronaves de combate utilizam o “Sensores Infravermelhos de visão frontal” FLIR, mas as aeronaves de reconhecimento empregam o “Explorador de IR” IRLS. Todos os sensores de IR se utilizam de um detector muito sensível a todas as temperaturas, com maior eficiência nas temperaturas mais frias pois maximizam o contraste com corpos mais ”quentes”. A radiação de entrada é focalizada da mesma forma que uma câmera ótica, e seu sistema tem que fazer foco da mesma forma, com espelhos ou prismas giratórios, alimentando o sensor a 360 graus no plano vertical, girando em volta de um eixo paralelo a fuselagem. Como a aeronaves se desloca continuamente, o sensor faz a varredura de uma sequência de faixa no solo, sempre cobrindo uma nova área.

Para não deixar lacunas entre as faixas, e não haver sobreposição exagerada entre os frames, os IRLS são ajustados de acordo com a velocidade da aeronave, com a razão V/h continuamente mantendo a sobreposição correta, não importando se a velocidade é de 900 ou 600 Km/h, ou se a altura é de 60 ou 600 m. Mas como isso funciona? O detector sensível é invariavelmente um fio fotocondutivo feito de material semicondutor como o CMT (telureto de mercúrio e cádmio) ou sulfeto de chumbo, que se torna muito mais condutivo logo que a radiação IR é focalizada nele. Alguns modelos usam o antimonieto de índio (InSb) sensível à radiação de 3-5 microns. As lentes e prismas usados não são de vidro, o qual é uma barreira para o calor, mas de material vítreo especial, com alto índice de transparência para comprimento de onda IR. Logo que o sistema é ligado a refrigeração começa a atuar usando de métodos como o nitrogênio líquido ou outros. Os sensores passam a se “alimentar” de faixas do terreno como o foco ajustado para onde o usuário avalie ser um alvo mais vantajoso. O campo de visão é tanto mais estreito quanto mais baixo a aeronave voar, sendo os sensores giro-estabilizados para não prejudicar as imagens no caso de manobras bruscas. Estes sensores respondem rapidamente a variações de alvos como passando de terreno gramado para um lago frio, estruturas de concreto e telhados, chaminés de usinas e altos-fornos. Um lago frio causaria uma pequena corrente no sensor, enquanto que uma chaminé quente uma corrente bem maior. Esta variação forma uma imagem, que pode ser digital ou analógica, dependendo da geração do equipamento, que pode ainda ser gravado em fita magnética, filme, digitalmente em um HD ou memória flash, ou ainda ser transmitido em tempo real para uma estação de terra ou outra aeronave ou navio, e ser processada ou analisada em seguida. A imagem aparece como uma negativa de uma fotografia, com as partes mais quentes se mostrando como mais claras. Estas imagens podem prover mais informação que imagens óticas, podendo-se visualizar, por exemplo, os motores de um jato que foram acionados por apenas alguns segundos. Uma aeronave que tenha pousado há pouco terá seus bordos de ataque da fuselagem em tons mais claros, podendo-se ainda, por processamento digital, se atribuir cores aos diferentes tons. Outro exemplo é o combustível congelado por estar em altitude e o contorno de uma aeronave no solo que acabou de abandonar aquela posição, causada pela sombra que até então se projetava da fuselagem.

Uma plataforma de reconhecimento deve trazer de suas surtidas tanta informação quanto possível puder coletar, incluído dos sensores inimigos. Estações de rádio, radares, retransmissoras de dados, fixas ou móveis, devem ser todas investigadas. Esta prática é denominada “Elint” (inteligência eletrônica) para radares e dispositivos relacionados e “Comint” (inteligência de comunicações) para mensagens de rádiotransmissão. O desafio em cada situação é achar em que frequência o inimigo está transmitindo, que poderá ser por equipamento de salto de frequência, gravar a transmissões e plotar o local em que foi detectada, usando técnicas como a triangulação entre outras. O inimigo se valerá do salto de frequência da ordem de milionésimos de segundo, da criptografia e do “espectro espalhado”, outras técnicas. É um jogo de gato e rato.

Qualquer sensor de reconhecimento pode ser instalado em uma aeronave de destinação específica, limitado apenas pela capacidade de fornecimento de energia da aeronave, que no caso de sensores não apresentam grande demanda. Algumas aeronaves derivadas de modelos de caça e bombardeio ainda podem carregar armamentos, porém é pouco comum. Aeronaves dedicadas como os antigos Tupolev Tu-95 soviéticos, U-2 e SR-71 da USAF, não eram capazes de qualquer outro tipo de missão e possuíam configurações que não poderiam ser instaladas em aviões de combate convencionais. Porém sensores mais modernos possuem tamanho reduzido e podem ser portados até por pequenos drones ou pods aerodinâmicos pendurados em cabides de caças normais, destinado ao armamento.


Assim enquanto forças de primeira linha como a USAF ainda usem aeronaves dedicadas, tarefa quem vem ao longo do tempo sendo absorvida pelos satélites de sensoriamento muito mais difíceis de serem interceptados, as demais forças aéreas, incluindo a RAF e a Armée de l’Air não mais as possuem. Aeronaves dedicadas obviamente tem maior capacidade, mas as constantes restrições orçamentárias, a maior capacidade tecnológicas dos sensores modernos e o advento dos satélites “espiões” as substituem satisfatoriamente. A tendência moderna é a construção de modelos não tripulados, capazes de transmitir informação em tempo real e com capacidades de comunicações, EW e sensoriamento em todas as faixas do espectro. A informação de reconhecimento é provavelmente o artigo mais perecível que existe. Já em 1916 as aeronaves de reconhecimento soltavam pilhas cuidadosamente empacotadas de fotografias de placa de vidro, além de anotações escritas a mão sobre os seus HQs, antes de pousarem de volta em sua própria base aérea, com tripulações em terra recolhendo os grandes invólucros de câmeras e correndo para uma bicicleta ou carro à sua espera. O RF-4C da USAF introduziu a capacidade de processamento do filme em voo, totalmente a parte de sua conexão com dados por rádio. No seu tempo, a plataforma mais avançada do mundo era o RA-5C Vigilant da US Navy, que podia voar a Mach 2 e 18.000 m, enquanto colhia informações em uma bateria de câmeras, um grande SLAR e uma estação Elint principal (uma estória conta que um analista de fotos mediu um campo de futebol e descobriu que era 1,5 m mais curto do que deveria). O grande avanço do RA-5C foi ele ter introduzido uma retransmissão de dados segura para o porta-aviões ou outros navios receptores reduzindo o tempo de coleta e transporte da informação. Informação que demora a ser processada pode se tornar inútil.

Não importa se são usados drones, helicópteros, aeronaves adaptadas ou dedicadas ou ainda satélites; os objetivos nos tempos atuais é ter um reconhecimento em tempo real. Uma informação obtida neste momento é talvez 10x mais valiosa do que daqui em 30 minutos, e em 1 hora pode não ter mais valor. Por usarem satélites como estações retransmissoras, as plataformas de reconhecimento nunca podem estar fora do alcance LOS da estação base de forma a processar a informação e enviá-la de volta a quem interessar. Porém os problemas existem, como a degradação da transmissão por ECM do inimigo. A transmissão digital, com salto de frequência, com feixe estreito e dirigido, devidamente codificada e compactada ameniza estas perturbações. Outro fator que afeta a todos os aviões de reconhecimento é sua capacidade de sobrevivência, pois a plataforma deve completar sua missão sem ser derrubada, vulnerabilidade esta que está aos poucos chegando também aos satélites de órbita baixa.

Talvez o maior problema seja o de que é necessário usar não só o radar ou o IR, mas os sensores óticos para uma melhor resolução, o que é afetado pela distância do sensor e pelas condições meteorológicas e de período. No passado isto envolvia inevitavelmente passar carreteis de filme através de um processo de desenvolvimento “molhado”, com secagem rápida e produção de cópias, o que era inconveniente, principalmente quanto a fidelidade de cores. Além disso, era necessário além das cópias de boa qualidade, evitar distorções para que fosse possível medir os objetos e distâncias no terreno. A escala, em se tratando de sensores óticos, pode variar enormemente em ângulos mais acentuados. Um centímetro de imagem vista de cima para baixo pode representar alguns poucos metros no terreno, enquanto que esta mesma medida no horizonte pode representar alguns quilômetros. Atualmente pode-se usar de algoritmos digitais para compensar estas distorções.

Os EUA são o país que mais investem nestes sistemas e os torna públicos, pois aqueles desenvolvidos fora do mundo ocidental são pouco visíveis. Desde os anos oitenta tem-se dedicado crescentes esforços na utilização de aeronaves não tripuladas (VANTs/AUVs/RPVs/Drones) e satélites para realizar este tipo de missão, como o MQ-9 Reaper armado. Desde o início dos anos 2000, esses meios remotos são equipados com câmeras muito compactas, alguns capazes de serem colocados na palma da mão, e ler um manuscrito de altitudes de 15 mil metros. O veterano U-2 foi repetidamente considerado para ser substituído pelos drones. Em 2011, a USAF tornou pública sua intenção de substituir o U-2 pelo RQ-4 Global Hawk, porém em janeiro de 2012, foi decidido estender a vida útil do U-2. Foi colocado que as câmeras e sensores do RQ-4 são menos capazes e não possuem capacidade operacional em condições climáticas adversas; no entanto, alguns dos sensores do U-2 podem ser instalados no RQ-4. No final de 2014, a Lockheed Martin propôs converter a frota U-2 tripulada em aeronaves não tripuladas, o que aumentaria sua carga útil sem os sistemas de suporte ao piloto; entretanto, a USAF recusou uma conversão tão extensa. Durante a década de 2010, esta empresa promoveu sua proposta de desenvolver um UAV hipersônico, que designou de SR-72, em alusão ao inativo SR-71 Blackbird. A empresa também desenvolveu outras aeronaves de reconhecimento não tripuladas, como o RQ-170 Sentinel.



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