sexta-feira, 6 de setembro de 2019

A Logística e a Batalha da Inglaterra *177



Introdução

Discute-se que a Batalha da Inglaterra foi perdida pelos alemães, muito antes dela ter se iniciado. A Doutrina da Luftwaffe, tão bem concatenada em  estabelecer uma poderosa  sinergia entre as operações terrestres e aéreas, não possuía a menor base no entendimento dos fundamentos do Poder Aéreo.

As causas foram várias, mas o resultado foi que um planejamento inadequado,  nos investimentos e recursos industriais necessários para sustentar operações militares de longa duração e frente a uma alta taxa de atrito, nunca existiu para a Alemanha.

Em contra posição, a Royal Air Force - RAF estava muito bem preparada para defender a Grã Bretanha, apesar de sua doutrina focada no bombardeio estratégico. O Ministério da Aeronáutica da Inglaterra, que havia planejada uma rápida expansão da força, tinha absorvido e analisado todas as lições da 1ª Guerra Mundial e, em particular, compreendido o alto custo – em termos materiais e humanos – de se sustentar operações aéreas. 

Planejando e preparando-se tanto em termos econômicos como logísticos para a execução deste plano, o Estado Maior da RAF estabelecera os fundamentos do aumento do poder aéreo aliado ao longo da guerra. Isto não quer dizer que os planos pré-guerra fossem perfeitos. Na realidade, em termos táticos e operacionais, o plano da Luftwaffe possuía vantagens. Entretanto, utilizando os fundamentos corretos e estando preparada para aprender com as derrotas, a RAF colocou-se numa posição significativamente mais forte do que a Luftwaffe para combater na Batalha da Inglaterra.

Nada disso, entretanto, diminui a grande importância da tecnologia, das táticas, da liderança e da coragem individual dos pilotos, que determinaram o resultado final da batalha. Sem dúvida alguma, esses fatores continuarão a dominar os debates sobre a Batalha da Inglaterra, objetivando prever o futuro, muito mais do que eles dominaram nos últimos 60 anos. Mas a possibilidade da Luftwaffe obter a vitória, foi efetivamente compromissada pelos planos de pré-guerra que forneceram ao Comando de Caça da RAF vantagem quantitativa, meios de sustentar essa vantagem e derrotar seus inimigos.

Este artigo procurará analisar o papel desempenhado pela logística na Batalha da Inglaterra e como ela ajudou no resultado. Focaremos principalmente a aviação de caça empregada por ambos os lados. Foi nessa arena que a Luftwaffe precisaria vencer, de modo a obter superioridade aérea sobre o Sudeste da Inglaterra, e ao obter tal superioridade, derrotar a RAF.



As perdas

Quando a perspectiva de guerra tornou-se mais forte, a RAF voltou-se para a 1ª Guerra Mundial buscando alguns indicadores de como se preparar para ela. Enquanto reconheceu que a tecnologia tinha avançado muito desde 1918, analisou que os problemas básicos que enfrentaria, mesmo numa guerra moderna, seriam familiar, embora mais profundos. Em documento enviado pela RAF ao Royal United Services Institute em 1934, as dificuldades tecnológicas a serem enfrentadas num planejamento para uma futura guerra eram exploradas em detalhes, e em particular a questão de como conviver com as perdas. 

O coordenador do encontro foi Sir Robert Brooke-Pophan, que havia sido o responsável pelo desenvolvimento de um sistema altamente eficiente de logística empregado pelo Royal Flying Corps e pela RAF no front oeste. Uma das premissas básicas do documento enviado, dizia que a vida média de uma aeronave numa guerra era de dois meses, posição esta também sustentada por Sir Robert, quando referiu-se a taxa mensal de atrito de 45% sofrida pela RAF entre os meses de março e outubro de 1918.  As perdas só podiam ser sustentadas por três fatores: produção, reserva e manutenção. Avaliou-se então que, a indústria e as reservas poderiam suportar essa situação. 

Desse modo, para que a RAF pudesse entrar numa nova guerra seria necessário uma reestruturação e expansão da força, o aumento da produção industrial,  grandes depósitos de material bélico, aumento de pessoal técnico qualificado, ênfase na quantidade e não na qualidade (na realidade um equilíbrio entre produção e progresso contínuo), capacidade de sustentar uma guerra por longo período e um planejamento cuidadoso.

Essas informações públicas foram utilizadas pelo Estado Maior da RAF em seu Memorandun Nº 50, publicado em 1933, que forneceriam dados para cálculo do consumo e das perdas numa guerra. As perdas mensais para as aeronaves de caça engajados na defesa do território inglês foram estimadas em 100% e as perdas dos pilotos em 30%. Isso significava que para uma força de 50 esquadrões, as perdas mensais em aviões seria de mil aeroplanos, quando engajados em operações de defesa do território britânico. 

Assumindo que os depósitos de material bélico poderiam repor 50% dessas máquinas, a indústria teria que produzir um outro tanto, apenas para manter a RAF no mesmo nível operacional.  De modo a conviver com picos de perdas e inevitáveis atrasos na produção, as reservas deveriam durar pelo menos seis semanas (cerca de 1500 aeronaves). Finalmente, cerca de 300 novos pilotos por mês seriam necessários para repor as perdas humanas. Interessante notar que, antes da guerra, os planejadores da RAF só se preocupavam com o bombardeio estratégico e agora diziam que a defesa da pátria mãe era a principal missão da RAF e que ela teria que estar preparada pra tal.

O mais importante, ao reconhecer as perdas naturais que ocorreriam numa guerra futura, o Estado Maior da RAF promoveu fundamentos de um plano de expansão que, permitiria a RAF derrotar a Luftwaffe tanto em termos de disponibilidade como em sustentabilidade de aeronaves. Não é preciso dizer que a Luftwaffe falhou em reconhecer a importância das perdas, embora em seus planos de 1938 estivesse previsto uma taxa mensal de atrito de 50% em bombardeiros e caças, mas nada foi realizado até o início da guerra, no sentido de reposição das mesmas.




O rearmamento


Entre 1934 e 1938, oito programas foram implementados, no sentido de diminuir a distância entre a RAF e a Luftwaffe. Embora muitos desses programas falhassem, conseguiram equipar a Grã-Bretanha com uma força aérea de tamanho adequado para entrar na guerra em 1939, e suficiente para obter uma vitória importante em 1940. De um modo geral, esses programa forneceram a RAF equipamentos modernos, com suficiente reserva e com uma indústria capaz de sustentar as operações. Para o Comando de Caças, a intenção era a formação de 50 esquadrões de Spitfires e Hurricanes, até março de 1942, número este estimado o suficiente para defender a Inglaterra de um possível ataque alemão com dois mil bombardeiros. Na realidade, esse número foi alcançado em julho de 1940. 

Infelizmente, nenhum desses programas previa a questão de reparos e manutenções. Na realidade, o Estado Maior da RAF estava preocupado com a montagem de uma organização de alta capacidade de manutenção e reparos de guerra. Pouco era planejando em investimentos, enquanto Sir Edward Ellington permanecesse com Chefe do Estado Maior da RAF. Para ele não existiam reparos numa guerra. Quando Sir Cyril Newal tornou-se Chefe do Estado Maior, em setembro de 1937, chegou-se a conclusão que a RAF não possuía reservas nem uma organização por trás das unidades de primeira linha que pudesse suportá-la.

De modo a suprir esta necessidade, concordou-se em construir três grandes oficinas/depósitos administrados pela RAF (Sealand, St. Athan e Henlow) e três administrados por civis, com supervisão da RAF (Stoke, Abbotsinch e Burtonwood), com os três primeiros responsáveis por 25% dos serviços. Previa-se uma expansão das facilidades de reparos, suprimentos e armazenamento, conforme a guerra progredisse, chegando-se a um total de 300 unidades de manutenção, tanto na Inglaterra como no exterior, mas o início das hostilidades chegou antes.




A produção


A expansão da indústria aeronáutica britânica, em apoio ao rearmamento, foi uma imensa realização, na qual grandes obstáculos tiveram de ser superados. Talvez o desenvolvimento mais importante no planejamento de pré-guerra foi a introdução em 1938 do Programa Potencial de Guerra, cujo objetivo era instalar na Grã Bretanha uma capacidade de produção de duas mil aeronaves por mês, ao final do ano de 1941. 

Embora, este nível de produção só tenha sido atingido no final de 1942, a produção real sempre excedeu as metas. Vamos então comparar esses dados com a produção alemã no mesmo período. 

Enquanto os britânicos produziram 4.283 caças, entre Hurricanes e Spitfires, no ano de 1940, para uma previsão de 3.602, a Alemanha produziu 1.870 Bf 109 contra uma previsão de 2.412. Incrivelmente, a Alemanha não mobilizou sua indústria no início da guerra nem aumentou a capacidade da Luftwaffe de reparo e manutenção, para suprir esta deficiência. 

Em setembro de 1940, quando a taxa de atrito era muito elevada, a Grã-Bretanha produziu 467 Hurricanes e Spitfires, enquanto que a Alemanha produziu apenas 218 Bf 109. Como vemos na tabela abaixo, o desempenho relativo das indústrias aeronáuticas  britânicas e germânicas foi crítico tanto ao nível de produção como de sustentabilidade das unidades de combate.

Produção de Caças Monoplaces
Ano
Alemanha
Grã Bretanha
1939
1.541
1.324
1940
1.870
4.283
1941
2.852
7.064
1942
4.542
9.849
1943
9.626
10.727


A Batalha da França

O problema de perda operacional foi muito bem demonstrado durante a Batalha da França. De um total de 452 Hurricanes enviados (equivalente a dois meses de produção), apenas 66 retornaram à Inglaterra. Não menos do que 178 foram perdidos por abandonos ou falta de peças de reposição. Apenas uma pequena quantidade foi perdida em combates aéreos.

Essas perdas poderiam ter sido suportáveis e de algum modo, evitadas. As unidades de manutenção da RAF enviadas para a França não eram adequadas em muitos aspectos. Em 1934, fora decidido pelo Chefe do Estado Maior da RAF, tornar as unidades desdobradas auto-suficientes no caso de guerra, em vez de se ter uma central de manutenção móvel e de depósitos, como ocorrera na 1ª Guerra Mundial. 

O curso da guerra mostraria a solidez dessa decisão, que formaria na realidade, a base de um elevado sistema de auto-manutenção da Força Aérea Tática, por ocasião do Desembarque da Normandia. Mas naqueles tempos, os esquadrões enviados para a França ficaram desesperadamente com falta de recursos, veículos, peças de reposição e capacidade de reparar as aeronaves. 

A taxa de perda de equipamentos foi muito elevada para aquela que eles estavam preparados. Como resultado, inicialmente só puderam reparar dois Hurricanes por semana. Mais tarde, em junho, após muitos esforços, chegaram a oito caças por semana. Praticamente nenhum motor conseguiu ser reparado por falta principalmente de peças.

Tal experiência não foi única na RAF. A Luftwaffe também sofria com sua elevada taxa de atrito. Eric Bartel, que serviu como mecânico da JG 77 durante a guerra diz que após apenas 17 dias de combates, sua Staffel de 12 caças Bf 109, fora reduzida a, no máximo 6 máquinas, incluído as aeronaves de reserva, sendo que as perdas eram devidas a problemas mecânicos e desgaste normal, e não a ação inimiga.



A organização de manutenção da RAF

Com a expansão da RAF a partir de 1936, foi necessário uma mudança na política de manutenção das aeronaves. Antes desta época, cada esquadrilha de cada esquadrão possuía seu grupo de reparo e manutenção próprio. Esse sistema foi depois alterado e centralizado, onde cada duas esquadrilhas faziam a manutenção preventiva, enquanto que uma terceira fazia as inspeções e reparos maiores, de cada vez. Este sistema permaneceu sendo utilizado até o primeiro ano da guerra, mas a experiência durante a batalha da Inglaterra mostrou suas falhas.

Conforme as operações aéreas eram realizadas, os esquadrões iam sendo deslocados para diversas bases, e o resultado era que muitas vezes o mesmo esquadrão operava de três ou mais bases diferentes, dificultando a manutenção. Em dezembro de 1940, foi decidido transferir todo o pessoal de apoio e de manutenção para uma única unidade de manutenção, aumentando a mobilidade dos esquadrões do Comando de Caça. Esse esquema, com alguns refinamentos, permaneceu sendo utilizado até o fim da guerra.

Os reparos eram algo mais difícil de ser resolvido, e mesmo antes do início das hostilidades, ficou claro que a RAF não teria capacidade de gerenciar as demandas crescentes desse tipo de serviço. Como resultado, acordou-se a criação de uma Organização de Reparos (CRO), com pessoal civil, mas com supervisão da RAF. A CRO começou a funcionar em janeiro de 1940, e até o final daquele ano um total de 4.955 aeronaves haviam sido reparadas. No ano seguinte, os números foram um pouco maiores. Outras organizações semelhantes foram criadas para reparos nos motores e nas hélices.

Antes da expansão, as aeronaves de reserva, eram armazenadas nas próprias bases, onde deveriam ser utilizadas, mas o significante aumento do tamanho dessas reservas demandou também um aumento do tamanho dos depósitos. Planejou-se a construção de 24 Depósitos Centrais de Aeronaves (ASU), cada um com capacidade de 400 aeronaves e localizados, o mais próximos possíveis dos aeródromos, mas ao mesmo tempo, o mais afastado possível do continente europeu. 

Quando do início da 2ª Guerra Mundial, a RAF possuía cerca de 2.200 aeronaves espalhadas por 12 ASU. Em 1940 decidiu-se que grandes hangares armazenando considerável número de aeronaves apresentavam alto risco, e por isso as aeronaves foram dispersas o mais possível, ao mesmo tempo em que se reduzia o número de aeronaves em cada ASU para, no máximo 200. As ASU não só geriam a reserva estratégica de aeronaves, como também trabalhava diretamente com os fabricantes no sentido de levar até esses sugestões e modificações oriundas das unidades operacionais, e também implantar modificações necessárias. Por exemplo, em agosto de 1940, a Unidade de Manutenção Nº 19 localizada em St. Athan entregou 58 Hurricanes e recebeu 55, ficando com um total de 23 em estoque, de um total de 237 aeronaves armazenadas (19 tipos diferentes !!!). Do quarto trimestre de 1939 até o final de 1940, o total de aeronaves armazenadas em todas as ASU pulou de 3.600 para mais de 5 mil.



O sistema de manutenção e reparos da Luftwaffe

A Luftwaffe utilizou os meses de junho e julho de 1940 para repor as significantes perdas ocorridas, e em particular, para organizar seu sistema de logística de modo a suportar as operações dos novos aeródromos que ela utilizaria no norte da França. O sistema de manutenção era mais difícil de se improvisar. A manutenção do dia a dia era de responsabilidade dos mecânicos lotados em cada Staffel. Em operação, quando necessário, os reparos e substituições de maior monta (como por exemplo a substituição do motor Daimler-Benz 601 do Bf 109, após apenas 100 horas de uso), eram realizados pela seção de manutenção do Grupo. Trabalhos que durassem mais do que dois dias eram transferidos, quando possível, para Centrais regionais de Manutenção, baseadas em aeródromos maiores.

Neste estágio da guerra, essas centrais eram todas localizadas na própria Alemanha, e por isso muitas das aeronaves danificadas eram obrigadas a serem transportadas por consideráveis distâncias por rodovia ou ferrovia, para serem reparadas. A Luftwaffe não possuía nada equivalente as CRO inglesas, por isso muita discussão ocorreu no início do ano de 1938 entre Udet (Chefe do Suprimento e de Pesquisa da Luftwaffe) e Milch (Sub-chefe de Göering e Secretário da Força Aérea) sobre como aumentar a capacidade de manutenção da Luftwaffe de modo a apoiar as operações. O ponto de vista deste último era de que as campanhas seriam de curta duração e por isso as aeronaves danificadas poderiam ser reparadas na própria Alemanha, quando a vitória fosse alcançada, posição esta que acabou prevalecendo sobre o ponto de vista de Udet, que apoiava significativos investimentos em peças de reposição, ferramentas e facilidades. É uma temeridade a tentativa de comparação entre as decisões tomadas pela Luftwaffe e pela RAF, praticamente na mesma época, e dos resultados alcançados.

Em termos de qualidade e de qualificação profissional, a Luftwaffe era, com toda certeza, tão boa quanto a RAF. Entretanto, não estava organizada para o desgaste de uma guerra, nem possuía um sistema de manutenção preventiva adequado. Por exemplo, conforme a guerra foi progredindo, tornou-se evidente que para o pessoal de manutenção era difícil manter-se dentro de sua unidade original, como descobriu o Comando de Caças da RAF em 1940. Somente no final de 1944, é que a Luftwaffe introduziu as Companias Independentes de Manutenção, subordinadas ao aeródromo, e não mais a um particular Grupo, na tentativa de resolver este problema específico.



A Batalha

Durante os meses de junho e julho de 1940,  ficou óbvio para a Grã-Bretanha que o processo de paz estava distante, ao mesmo tempo em que os alemães reconheceram que a destruição da Royal Air Force era essencial, para que alcançassem seus objetivos estratégicos.  No dia 1º de agosto de 1940, Hitler emitiu a Diretiva Fundamental Nº 17 denominada Condução da Guerra Aérea e Marítima contra a Inglaterra. 

A Luftwaffe deveria empreender todos os seus esforços para derrotar a Royal Air Force no menor tempo possível. Os ataques deveriam ser direcionados principalmente contra as unidades aéreas, suas instalações e facilidades de apoio, bem como contra a indústria aeronáutica de modo a “estabelecer as condições necessárias para a conquista final da Inglaterra”. Para alcançar esses objetivos, a Luftwaffe contaria com 3.358 aeronaves, conforme tabela abaixo:

Ordem de Batalha da Luftwaffe – 10 de Agosto de 1940


Previstos
Existentes
Disponíveis
Bombardeiros
1.569
1.481
998
Bombardeiros de Mergulho
348
327
261
Caças Monomotores
1.011
934
805
Caças Bimotores
301
289
224
Reconhecimento
246
195
151
Ataque
40
39
31
Patrulha
94
93
80
Total
3.609
3.358
2.550

Dos caças monomotores existentes na Luftwaffe, todos menos 150, seriam utilizados contra a Grã-Bretanha, com os demais permanecendo em outros teatros de operação, em especial na própria Alemanha, para defender o espaço aéreo alemão contra possíveis incursões do Comando de Bombardeiro da RAF.  Por seu turno, a RAF dispunha de 52 esquadrões de caças, entre Hurricanes e Spitfires, num total de 1.095 aeronaves. Assim, em termos de caças monomotores, as forças inimigas se equivaliam, embora o Comando de Caças da RAF estivesse em desvantagem, na razão de 1:3, em números globais.


Ordem de Batalha do Comando de Caças da RAF – 10 de Agosto de 1940


Previstos
Existentes
Disponíveis
Hurricanes
723
721
656
Spitfires
366
374
334
Total
1.089
1.095
990

Esses números representam apenas, os valores que cada lado começou a batalha, sendo que, como esperado, o quantitativo de aeronaves realmente existentes variou ao longo daquele verão e outono, conforme as perdas ocorriam. Fica evidente que o Comando de Caças da RAF conseguiu manter seu poderio numérico, enquanto que a Luftwffe foi perdendo poder.

O que é mais interessante, é que as perdas operacionais do Comando de Caça foram significantemente maiores do que as sofridas pela Luftwaffe.  Assim, durante quatro meses, de julho a outubro, o Comando de Caças perdeu mais de 900 Hurricanes e Spitfires em operação, quando comparado com os 600 Bf 109 da Luftwaffe.

Claro, que perdas operacionais não mostram tudo o que aconteceu, já que excluem os acidentes e as demais perdas. Mas a determinação da verdadeira taxa de atrito (aeronaves destruídas mais as danificadas), dos caças monomotores durante a Batalha da Inglaterra não é de fácil obtenção. O conceito varia de força aérea para força aérea, e por isso alguma interpretação se faz necessário.

No auge da Batalha da Inglaterra, a perda em Hurricanes e Spitfires do Comando de Caças era maior do que 180% do total de perdas operacionais, comparada com 140% dos Bf 109 da Luftwaffe. Esses números mostram que o Comando de Caças da RAF sofreu perdas muito maiores do que as esperadas, enquanto que a Luftwaffe sofre perdas menores do que as esperadas, mesmo que saibamos que para os Bf 109, era muito mais difícil retornar ao seu aeródromo de origem. Quando comparamos as perdas operacionais, como uma proporção das perdas totais, esta disparidade torna-se ainda mais clara. Enquanto que a distância de suas bases e a travessia do Canal da Mancha pode justificar parte desta diferença, parece-nos que o atrito sofrido pela Luftwaffe foi muito maior (cerca de 20 a 25% a mais), do que os registros indicam.

Um outro indicador a ser utilizado é o que denomina-se disponibilidade. Os dados do Comando de caças da RAF foram obtidos de documentos de pós-guerra, produzidos em 1945. Os valores parecem ser mais elevados do que o obtido de outras fontes. Outros documentos informam que a disponibilidade no início da guerra era de 70%, crescendo até 80% em novembro de 1939, caindo para 76% em julho de 1940 e subindo novamente para 80% em setembro, e permanecendo neste nível até o final do ano. A conclusão a que chegamos é que a disponibilidade do Comando de Caças da RAF, durante a batalha da Inglaterra, oscilou entre 80 e 90%.

Os dados da Luftwaffe, obtidos de seus registros, indicam que a disponibilidade de caças monoplaces, no início da Batalha da Inglaterra, começou um pouco maior do que 80%, caindo para cerca de 70% naquele outono. Esses números também são mais elevados do que os obtidos de outras fontes, sendo que algumas fontes indicam que a disponibilidade dos Bf 109 pode ter chegado até 40% em outubro de 1940. Se, como discutido anteriormente, as perdas totais foram mais elevadas do que os dados disponíveis, então a disponibilidade deve ter caído a esses níveis.

Não se tem dúvidas do seguinte: o Comando de Caças da RAF, diferentemente da Luftwaffe, teve maior disponibilidade de seus caças do que a Luftwaffe.



Implicações Operacionais

As implicações operacionais da permanente taxa de declínio da disponibilidade de caças Bf 109 foi significante, para não dizer, crucial. A experiência logo demonstrou que somente o Bf 109 poderia proporcionar proteção adequada aos bombardeiros, e que de um modo geral, para cada bombardeiro deveria haver de 2 a 3 caças na escolta. Com cerca de 600 a 700 caças disponíveis diariamente para operações ofensivas, a força de ataque de bombardeiros da Luftwaffe, estaria então, limitada a não mais do que 250 a 300 bombardeiros, para uma força total disponível de 1.800, ou seja, o número de caças Bf 109 disponíveis, determinava a capacidade ofensiva diária da Luftwaffe.

Embora grande ênfase tenha sido dada no passado à pouca disponibilidade de pilotos do Comando de Caças da RAF, a Luftwaffe sofreu muito mais com este problema. A perda de pilotos do Comando de Caças da RAF, atingiu níveis de 20% nos meses de Agosto e Setembro, mas com cerca de 260 pilotos inexperientes sendo entregues por mês pelas Unidades de Treinamento Operacionais, a situação não era tão desesperadora assim. 

De fato, o Comando de Caças da RAF começou a Batalha da Inglaterra com uma certa vantagem sobre a Luftwaffe, vantagem esta que foi se ampliando ao longo daqueles meses. A causa era a negligência sistemática da Luftwaffe no treinamento, uma fraqueza crônica que só foi piorando ao longo da guerra.

Em termos operacionais, o Comando de Caças da RAF superou, e muito, o desempenho da Luftwaffe. Uma comparação das missões de caça voadas em cada semana de guerra pelas duas forças (figura 9), mostra que em certas épocas a RAF foi capaz de realizar quatro vezes mais missões do que a Luftwaffe. Mesmo no auge da Batalha da Inglaterra, os caças Hurricanes e Spitfires voaram mil missões por semanas a mais do que os Bf 109 da Luftwaffe.

O Comando de Caças possuiu uma clara e crescente vantagem de caças monoplaces conforme a Batalha da Inglaterra progredia, mesmo considerando a elevada taxa de atrito de aeronaves e pilotos. Então, como isto foi obtido?



Balanço da Produção

A resposta mais óbvia para a pergunta anterior é que as perdas nunca foram maiores do que a produção. As entregas aos esquadrões operacionais sempre excederam às perdas durante a batalha. Isto disfarça, entretanto, o papel crucial exercido pelas CRO. Enquanto que os esforços da indústria aeronáutica foram vitais para a manutenção do poderio das unidades de combate, os reparos representaram 40% das aeronaves recebidas pelos esquadrões operacionais.

No pico da Batalha da Inglaterra, as CRO conseguiam realizar uma manutenção completa dos caças em menos de seis semanas, enquanto que a Luftwaffe não tinha a mesma capacidade. De fato, até o final de 1942, os reparos não eram maiores do que 25% da produção. A Alemanha havia entrado na guerra com 900 aeronaves em reserva, quantidade esta equivalente a 25% do total da força de primeira linha, comparada com as 2.200 aeronaves inglesas, correspondente  a 115% da força de primeira linha da RAF.

Deste modo, a relativa modesta reserva da Luftwaffe foi rapidamente consumida pelo atrito operacional. As reservas do Comando de Caças da RAF encolheram muito após julho de 1940, mas não desaparecerem, e ao final do ano já retornavam ao nível anterior.

Talvez o melhor indicador seja a comparação do balanço mensal entre perdas e produção (incluindo as aeronaves em reparos). Tanto o Comando de Caça da RAF como a Luftwaffe experimentaram balanço negativo de caças monoplaces durante o mês de agosto. Contra um total de 594 Hurricanes e Spitfires perdidos, a produção e a manutenção só repuseram 527 aeronaves, com a diferença sendo obtida das reservas imediatas.

Por seu lado, a Luftwaffe perdeu mais de 300 caças Bf 109, contra uma produção de apenas 173 aeronaves. A manutenção e as reservas supriram a diferença, mas essas fontes estavam próximas ao seu limite. E mais importante, enquanto o Comando de Caças da RAF rapidamente recuperava o balanço positivo em cerca de 50 aeronaves por mês, já em setembro, a Luftwaffe levou dois meses para alcançar essa situação.

Em outubro, após três meses de perdas constantes, o Comando de Caça da RAF conseguiu atingir 98% da dotação prevista, valor este um pouco maior do que quando do início da batalha da Inglaterra. Em comparação, a força de caças da Luftwaffe havia saído de 95% para 82% da dotação prevista (figura 14). Sem considerar as reservas, a principal explicação para tal fato era que a indústria aeronáutica britânica produzia duas vezes mais caças monoplaces que a indústria alemã. Se considerarmos as reservas, esse número pula para próximo a três.



Logística como objetivo

Se o Sistema de Logística da RAF foi fundamental para a manutenção de seu poderio operacional, surge a seguinte pergunta: Porque a Luftwaffe não atacou tão importante alvo com mais intensidade? A resposta tem duas partes. A primeira diz respeito à falha do Serviço de Informações Alemão que subestimou o poderio do Comando de Caças da RAF, e a segunda diz respeito a falha do pensamento logístico da Luftwaffe. Outro fator que colabora na resposta, foi a rápida destruição das forças aéreas polonesa, norueguesa, holandesa, belga e francesa, que forneceu um indicativo de que a RAF também seria destruída do mesmo modo.

Embora os ataques fossem realizados contra aeródromos do Comando de Caças e contra alguns depósitos e unidades de manutenção, nunca o foram com a freqüência, determinação e intensidade adequada. Os ataques realizados contra a fábrica de Spitfires em Southampton, embora eventualmente tenha paralisado a produção, não foi parte de um plano coordenado e não teve efeito algum na entrega de novas aeronaves, nem no reparo de outras. Na realidade, a dispersão das facilidades industriais inglesas tornava esse tipo de ataque inútil. 

Foi essa opinião, na cabeça de alguns dos oficiais graduados da Luftwaffe que fez com que esses ataques não continuassem a serem realizados. Não temos chance de destruir os caças ingleses no solo. Temos que forçar suas últimas reservas a nos combaterem no ar. Esse era o pensamento alemão. A falha em compreender a complexidade e o poderio do Sistema Logístico da RAF, e o otimismo nos números de aeronaves abatidas, fez com que a Luftwaffe tomasse uma decisão errada no início de setembro, qual seja, a suspensão dos ataques contra aos aeródromos do Comando de Caças da RAF e a concentração dos mesmos contra a capital inglesa - Londres – acreditando que restavam apenas alguns poucos caças na RAF para evitar a vitória final da Luftwaffe.



Conclusão

A Batalha da Inglaterra foi essencialmente um desafio de perdas materiais, que testou o sistema logístico das duas forças aéreas envolvidas, bem como os pilotos individualmente, as tecnologias e as táticas operacionais. Foi um teste de resistência, e um inexorável e desgastante conflito aeronáutico bem distante da imagem popular de uns poucos contra muitos. Produção, armazenamento, manutenção e perdas não são fatores glamurosos perante os olhos do público, como são os atos de heroísmo de pilotos, mas foram tão importantes quanto.

Embora o total de perdas de Hurricanes e Spitfires aproxime-se de 3 mil unidades, foram entregues aos esquadrões, neste mesmo período mais de 3.500 caças. O poderio do Comando de Caças foi capaz, entretanto, de crescer de 500 Hurricanes e Spitfires em janeiro de 1940 para mais de mil em agosto.

Mesmo assim, sem as unidades de manutenção e reparos, as perdas (que podiam chegar a mais de 50% por mês) teriam rapidamente enfraquecido os esquadrões operacionais. Se este declínio não aconteceu, foi graças ao Estado Maior da RAF, que antes da guerra, compreendeu o sentido do atrito natural do poder aéreo, mas também, que disponibilizou recursos e facilidades necessárias para que o Comando de Caça estivesse preparado para a mesma. A realização é ainda maior, pois determinou o fracasso desses princípios na Luftwaffe.

Durante o ano de 1940, embora a dotação de caças monomotores da Luftwaffe tenha diminuído pouco, a superioridade numérica sobre o Comando de Caças da RAF foi perdida. Com a produção, as perdas e a dotação balanceadas, fica claro que a Luftwaffe possuía pouca reserva e baixa capacidade de manutenção, sem habilidade de conviver com o atrito, e conseqüente e inevitável declínio da capacidade de operação de suas unidades.

Os ataques a meia força contra a indústria aeronáutica inglesa, contra os depósitos de aeronaves e contra os aeródromos do Comando de Caças da RAF refletem não apenas uma fraqueza da inteligência, mas também uma visão errada da logística numa guerra de atritos.

A Batalha da Inglaterra foi um desafio que a Luftwaffe não estava preparada nem do tipo de guerra que já havia enfrentado. Criada como um instrumento estratégico, a Luftwaffe havia se tornado uma excelente arma tática. Entretanto, a expectativa de uma guerra curta, significava que não haveria necessidade de recursos industriais nem de planejamento logístico para sustentar as operações. Essas falhas nunca foram reparadas, e juntamente com o enorme poderio de recursos aliados, em especial no que diz respeito a força aérea, levariam-na ao colapso.

Foi a criação de uma força estratégica de defesa, na forma do Comando de Caças, com equipamento necessário, organização e recursos, suportada por um sistema de logística efetivo, que derrotou a Luftwaffe. A vitória do Comando de Caças da RAF foi fundamentada na visão, determinação e muito trabalho de planejamento ocorrido antes da guerra.



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