sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Os Níveis da Guerra *118



A guerra é o meio pelo qual a política impõem sua vontade em situações antagônicas e conflitantes, quando a diplomacia e a negociação se mostram impotentes.  Fazer a guerra significa impor a vontade pela força, assumindo riscos colaterais de pequena envergadura mas relativamente abundantes, como pequenas tragédias pessoais, por exemplo e outros de maior envergadura como ruína econômica e comprometimento de infraestrutura, muitas vezes em locais que não as tem de forma satisfatória. 

Sun Tzu disse que a guerra é o assunto mais importante do estado, e como tal deve ser tratada. Em outras palavras, evite-a ao máximo, mas se chegar a se envolver nela, faça de tudo para vencê-la no menor espaço de tempo possível e da forma menos nociva.

O mérito da guerra é imutável e traduz a natureza do ser humano, misturando em um único evento decisões racionais justificadas por motivos irracionais e questionáveis. Uma das facetas racionais deste evento nefasto aos seus envolvidos, é a forma como é conduzida, pois seus atores principais, os militares, se valem da organização e do planejamento minucioso para levar a cabo suas ações.

Diferentemente dos conflitos da antiguidade, a guerra moderna é um evento extremamente complexo e como tal deve ser tratado. Conduzir uma campanha nos tempos atuais significa administrar milhares de recursos de natureza diferente, no tempo e no espaço, de forma a cumprir objetivos tal qual faz uma empresa, com o diferencial que existem forças que usarão de violência extrema para que tais objetivos não se consolidem, com pouca ou nenhuma observância aos princípios que norteiam a convivência entre os homens, o que é compreensível neste contexto.

Para se administrar empreitadas tão complexas, os estrategistas se viram obrigados a dividi-las em níveis, de forma a gerenciar o emprego da força de forma ótima, ou seja procurando alcançar os objetivos com o menor custo pessoal e material, no menor tempo possível.





O Nível Político

A moderna doutrina prevê que a guerra se dá em 4 níveis distintos, hierarquicamente dependentes. O primeiro nível e que engloba todos os outros é o nível político-estratégico, estando fora da esfera militar e por vezes aranhado por ela. Ele é exercido pelos chefes de estado em nível de governo, e é o encarregado de traçar os objetivos político-estratégicos, alinhavar alianças convenientes e possíveis, estabelecer diretrizes estratégicas e observar considerações de direito internacional, além de impor limitações ao emprego de meios militares e de espaço geográfico.

"A guerra é a continuação da política por outro meios" - Clausewitz

O Nível Estratégico

Formuladas as diretrizes político-estratégicas e uma vez decidido o uso da força das armas, iniciam-se as operações militares propriamente ditas, que são conduzidas em 3 níveis distintos e intimamente relacionados de forma dinâmica, com seus limites nem sempre claros, um em relação ao outro. A relação de propósito, tempo e espaço é que determinará a divisão entre eles.

O estabelecimento de metas que visem alcançar os objetivos políticos e o planejamento para alcançá-las, são o cerne do nível estratégico-operacional da guerra. Neste nível se fixam os objetivos estratégicos militares, que são a adequação ao contexto militar dos objetivos políticos. Formula-se ainda a estratégia a ser adotada para atingi-los e se conduz as operações dos grandes escalões de emprego como àqueles encarregados das atividades da mobilização geral. Entre outras medidas, este nível trabalha com:
  • o estabelecimento da inter-relação dos objetivos políticos com os objetivos estratégicos,
  • as condicionantes políticas de planejamento e implicações legais do emprego das tropas,
  • a identificação dos centros de gravidade das situações a considerar,
  • os desembaraços financeiros do que será executado,
  • o momento (as condições) em que se atingirá o objetivo final,
  • os desdobramentos de meios a serem estabelecidos,
  • a definição das áreas de responsabilidade,
  • os comandos operacionais a serem acionados,
  • a viabilização de bases de operação
  • os meios físicos a serem disponibilizados,
  • a mobilização a ser desencadeada, seja operacional ou de base,
  • as principais ações estratégicas preliminares a serem iniciadas,
  • outras medidas de alto escalão que se façam necessárias.
Planos estratégicos, pré-planejados, de vários tipos são estabelecidos e sua realização desencadeada.





O Nível Operacional

Uma vez de posse dos objetivos estratégicos, cabe ao nível operacional delinear, planejar e executar as campanhas necessárias. Definem-se os objetivos operacionais e desencadeiam-se as operações táticas necessárias, ou seja faz-se a ligação entre a estratégia e a tática. Autoriza-se e faz-se acontecer as primeiras ações e se alocam os recursos necessários para sustentá-las. Dimensionam-se as ações no tempo, no espaço e na finalidade, e principalmente aciona-se a vital máquina logística da qual qualquer força em campanha é totalmente dependente.

Neste nível os comandantes militares aliados decidem que para derrotar os nazistas e conquistar o domínio da parte ocidental da Europa, por exemplo, é importante um desembarque de grandes proporções nas costas francesas do norte. Aliviar a pressão até então suportada pelos russos, com a abertura de uma segunda frente, foi decidida lá na esfera político-estratégica. Decide-se neste nível também que o desembarque será na Normandia e não em Pas de Calais, onde será empreendida uma operação de engodo e diversão, além de conceber que paraquedistas saltariam a frente das tropas de desembarque para protege-las.

O Nível Tático

Este é o nível onde se executam as ações de combate, logísticas e de apoio em geral, sem se preocupar com a relação entre elas. É o nível onde as coisas acontecem na prática. Cada grupo de forças desencadeia suas missões táticas ou administrativas e mantém seu foco nelas, não importando o que as outras estão fazendo, cabendo aos comandantes operacionais se preocupar com isto.

O planejamento neste nível é mais mecânico, rígido e objetivo do que criativo, mais atrelado aos manuais de campanha, embora sempre sejam necessárias as iniciativas pessoais destes comandantes e suas habilidades que fazem a diferença, uma vez que no nível tático as ações são um conjunto de técnicas de combate aplicadas em uma ordem pré-definida, e a técnica tende a variar muito pouco. A competência dos comandantes é fator preponderante, já que cabe a eles orientar suas tropas, motivá-las e coordenar as diversas ações a serem executadas, em um ambiente de alta pressão inimiga, bem como criar os planos destas ações.

No nível tático, por exemplo, os paraquedistas aliados saltam na Normandia e vão em busca de suas pontes, não se importando se a infantaria que desembarcará nas praias está desencadeando suas ações, enquanto que no nível operacional os paraquedistas estão lá para proteger o desembarque. Neste caso o nível estratégico preocupa-se na consolidação da cabeça de praia, sem se ater se haverá ou não paraquedistas.




A Relação entre os Níveis da Guerra

Ao se engajar em combate, uma força aplica todo o seu poderio para alcançar o sucesso desejado, seja no combate propriamente dito ou nas ações de apoio e administrativas. Porém se o sucesso obtido nesta ou naquela operação não contribuir para consecução do objetivo estratégico, de nada o esforço, por mais memorável que seja, terá sido útil. Um sucesso tático não terá valor se não for parte de um esforço maior para vencer a guerra. De nada adiantaria os paraquedistas na Normandia conquistarem uma ponte, se ela não servisse para as tropas de desembarque avançarem ou de bloqueio ao contra-ataque alemão, por mais bem executada que a ação fosse. 


Um sucesso tático, por si só, não resulta em um sucesso estratégico. No Vietnam os EUA venceram muitas batalhas, aplicaram seu poder de fogo esmagador e desdobraram seu aparato militar superior, e mesmo assim perderam a guerra. Todas as ações tem que convergir para um único caminho, como os afluentes de um rio que o tornam cada vez maior, não contribuindo aqueles que não desaguam ali.

O nível operacional situa-se justamente como uma ponte entre a estratégia as ações táticas. Ele escolhe quais batalhas serão empreendidas, cabendo aos comandantes táticos conceber a melhor forma de vencê-las. O comandante operacional é o comandante do teatro de operações, e sob suas ordens todas as esquadras navais, forças aéreas designadas e exércitos de campo deste teatro atuarão; onde, como e quando seu comando decidir, sob comando único, escolhendo em que condições oferecerão combate ou o recusarão.

A estratégia determinará quais ações de grande vulto, militares ou não, deverão ser postas em prática para a consecução dos objetivos políticos, porém ela deverá adaptar-se à realidade que moldarão as operações. Uma estratégia concebida à margem do contexto do possível se mostrará inútil e resultará em consequências nefastas, desperdiçará recursos e levará à ruína do todo.

A estratégia proverá os recursos e ativará o apoio político aos operadores militares, e o comandante operacional avaliará o que lhe foi disponibilizado, buscará mais se julgar insuficiente e proporá a adequação dos objetivos se concluir que são intangíveis. Cabe a estratégia ainda, baseada nas diretrizes políticas, impor as restrições que se façam necessárias aos seus operadores.

Enquanto os comandantes táticos lutam as batalhas, os operacionais olham além delas e preveem seu resultado, antecipando-os, baseados no seu desenrolar, e reconfiguram seus planos se as coisas não correrem como o planejado; exploram em proveito dos objetivos estratégicos, êxitos não previstos e os canalizam em favor daqueles, abreviando ações que não se façam mais necessárias e implementando outras, requeridas pela nova situação criada.

Embora exista uma hierarquia clara entre os citados níveis, não existe uma linha divisória bem definida entre eles. Ações táticas empregando técnicas de combate consagradas, porém não imutáveis, seguem um plano com vistas a cumprir o planejamento das campanhas, que por sua vez são o componente de um conjunto maior de ações que visam a cumprir objetivos estratégicos, que nada mais são que a expressão militar dos objetivos políticos.

Planos e ações elaborados e executados com desempenho acima do esperado por um determinado nível, poderão superar desempenhos medianos em outro, porém operadores incapazes ou incompetentes quase sempre pesarão negativamente sobre todo o esforço. Inabilidade tática não é corrigida por planos de ação bem concebidos, e ações operacionais de sucesso são inúteis se a estratégia for falha.




A Campanha

A campanha é a ferramenta pela qual o comandante operacional ou de teatro busca alcançar seus objetivos. Todas as campanhas e seus desdobramentos deverão ser coordenadas, convergentes aos objetivos e neles focalizadas, cabendo a elas pavimentar o caminho da vitória final. O desfecho de um embate só tem significado no contexto da campanha que o originou, e o sentido desta só pode ser visualizado no contexto maior dos objetivos estratégicos. Elas podem durar poucos dias ou até anos, englobar grandes contingentes ou apenas unidades restritas, mobilizar todo o alto escalão de comando chegando até os níveis políticos ou contar com apenas alguns comandantes de teatro. São empreendidas em sequência ou simultaneamente e buscam na maior parte das vezes um único objetivo.

Devido aos imponderáveis da guerra, o desenrolar de uma campanha é incerto, mutável e fluído, exigindo do comandante correções constantes de rumo. O primeiro princípio que se deve observar na condução de uma campanha depois de seu objetivo é o da economia. Qualquer ação que não contribua para o objetivo deve ser evitada. O objetivo operacional pode mudar durante a campanha, devido a insucessos, custos inaceitáveis, conquistas imprevistas, etc... porém o objetivo estratégico deve ser mantido em foco. Quanto mais limitado for o conflito, mais difícil será explicitar os objetivos a serem alcançados, e por consequência elencar as condições e serem transpostas para se atingi-lo.

Uma campanha deve ser planejada do fim para o início, partindo dos objetivos estratégicos, e daí definir as ações táticas necessárias. A melhor forma de derrotar o inimigo é neutralizando aquilo que de mais crítico ele possui para implementar sua reação, seu centro de gravidade operacional. Este fator pode não estar disponível para neutralização imediata, e as condições para tal deverão ser construídas. A partir daí se lista "o que", "como" e "quando", sempre procurando não explicitar a verdadeira intenção do que se pretende, de forma a não induzir o inimigo a reforçar suas defesas ao verdadeiro intento, desencadeando a ação no tempo adequado, da forma mais rápida e fluida possível. Quando se desembarcou na Normandia, se montou uma operação de grande vulto para que os alemães acreditassem que o desembarque se daria em Pas de Calais, isto evitou que tropas lá dispostas fossem deslocadas para o objetivo real.




2 comentários:

  1. Muito bom. Gostei muito de ler. Estava em duvido em relação ao Nível político, pois tenho um Manual americano MCDP1 que não apresenta o nível político.

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