ADRIAN BONENBERGER, DAMIEN SPLEETERS E JOHN ISMAY
A relutância do Pentagono em adotar uma aeronave simples e eficaz em detrimento de aeronaves "high tech" e alto custo, com desempenho questionável.
Na manhã de 5 de dezembro de 2001, um caça americano B-52 que voava a milhares de pés acima do solo lançou, sem querer, uma bomba de 900 quilos guiada por satélite sobre uma equipe das Forças Armadas Especiais, no Afeganistão. A tripulação havia recebido as coordenadas erradas, mas o avião estava tão baixo e devagar que qualquer um a bordo poderia ter percebido o erro. Bastava olhar para o chão.
O fato desse erro ter acontecido ilustra quão fraca é a
campanha aérea dos Estados Unidos na guerra mais longa que o país já travou e,
mais do que isso, como os esforços para melhorar as coisas com soluções de
ponta nem sempre valem a pena.
O caça em questão estava no meio de uma viagem completa,
ida e volta, de 30 horas de duração, à ilha remota de Diego Garcia, a 1.400
quilômetros do sul da Índia. O avião que esses Boinas Verdes precisavam, um
A-10 Warthog, de vôo baixo e vagaroso, ainda não estava disponível no
Afeganistão. Famoso por sua resistência e pelo seu poder letal, o Warthog foi a
primeira aeronave movida a jato a pousar na decrépita Base Aérea de Bagram, no
centro da nação afegã. Assim que repararam a pista de pouso, dezenas de caças
de combate a jato F-15, F-16 e F/A-18 — criaturas completamente diferentes —
desceram no embalo.
Segundo o ex-oficial do Departamento de Defesa Pierre
Sprey, a Força Aérea dos EUA poderia ter deixado esses outros aviões de fora,
mas, em vez disso, enviou três esquadrões completos de caças A-10 — 72 aviões,
no total — para o Afeganistão. Segundo ele, a Força Aérea "nunca teve mais
do que 12 Warthogs no país, em momento algum, durante toda a guerra".
"O A-10 é o melhor caça de 'ataque a curta distância
já fabricado, sem discussão", Sprey me contou. "Mas a Força Aérea
detesta. Eles fariam de tudo para acabar com o avião." Ele diz que
aposentar o icônico A-10, um caça a jato bimotor com canhões de 30 mm, cujos
tiros têm 14 vezes mais energia cinéticado que os canhões de 20 mm
instalados na frota americana atual de caças supersônicos, virou credo entre os
oficiais superiores da Força Aérea, que há gerações são treinados para
acreditar no poder redentor da inovação tecnológica.
Essa mentalidade impulsionou a produção do F-35 Joint
Strike Fighter (JSF, caça de combate multifunções), o primeiro sistema de
armamento avaliado em 1 trilhão de dólares no mundo. O desenvolvimento do caça
F-35 estava em curso nos bastidores, ao longo da guerra no Afeganistão, apesar
de montanhas de evidências demonstrarem que o avião jamais serviria para atacar
alvos terrestres tão bem quanto um A-10. Longe da batalha, os generais de
Washington, DC, apoiavam o F-35 porque acreditavam que, "quanto mais
tecnologia, melhor".
A mesma mentalidade impulsionou o envio de drones armados
ao Afeganistão. Todavia, aviões de ataque pilotados à distância, como o Predator
e o Reaper, provavelmente são ainda piores em auxiliar tropas terrestres do que
os caças a jato de alta tecnologia, tripulados.
O que fazer, então, se jamais haveria uma quantidade
suficiente de modelos A-10 no Afeganistão? Apenas uma corporação tinha autonomia
o bastante frente à Força Aérea e apresentava uma quantia suficiente de capital
independente para considerar uma alternativa viável, isto é, comprar um avião
de ataque barato e leve por conta própria: os SEALs, a principal força de
operações especiais da Marinha americana. Em 2006, representantes do grupo se
encontraram com o Secretário da Marinha para discutir com ele os problemas que
enfrentavam ao tentar obter um bom suporte aéreo.
Assim como outras tropas americanas de combate presentes
no Afeganistão, os SEALs acreditavam que nem sempre dava para confiar na alta
tecnologia para obter sucesso e que soluções mais baratas, de tecnologia
inferior, funcionariam melhor. Foi assim que o exército americano quase adotou
o A-29 Super Tucano, um avião de turboélice de 4 milhões de dólares, fruto
dos designs da época da Segunda Guerra, que as tropas pediram e os comandantes
alegaram ser "necessidade urgente", mas que o Congresso se recusou a
comprar.
A ASCENSÃO DO SUPER TUCANO
O A-29 Super Tucano representou um retorno ao passado do
combate aéreo — uma época em que pilotos enxergavam através do borrão da hélice
propulsora e apontavam o nariz do veículo para o inimigo antes de puxar o
gatilho, muito antes de piloto automático, dos mísseis guiados e dos dispositivos
infravermelhos. O A-29 era rápido o bastante para entrar em combate em um
piscar de olhos e leve o bastante para manter uma órbita baixa e vagarosa sobre
o campo de batalha.
Em termos filosóficos e bélicos, o Super Tucano ocupa uma
espécie de meio-termo entre os principais bombardeiros americanos. Com o A-29,
seria possível atingir altitudes mais elevadas sobre a cordilheira Indocuche do
que com o helicóptero AH-64 Apache; e seria possível se manter horas no ar
antes de reabastecer o tanque, como no caso dos lendários bombardeiros AC-130
Spectre.
O Spectre, porém, só voa à noite. De dia, o raio estreito
de manobra e a velocidade de perda do Super Tucano permitiriam aos pilotos
contato visual constante com as forças terrestres, além de vigilância e
reconhecimento para ataque. No escuro, um A-29 ofereceria visão noturna e
sensores térmicos tão sofisticados quanto os de um caça a jato.
"É um avião excelente", comentou o
tenente-coronel recém-aposentado da Força Aérea Shamsher Mann, piloto de caças
F-16 que já conduziu A-29. "Os pilotos adoram. É uma delícia de manusear,
bebe pouca gasolina e chega a qualquer lugar. Se você pretende entrar na briga
e se misturar com os caras da terra, o Super T é uma ótima plataforma."
Outro piloto de combate aposentado me disse que o Super
Tucano representa uma opção "econômica" de ataque aéreo sobre o solo,
atributo que os Estados Unidos nunca tiveram no Afeganistão — atributo que o
F-35 do Pentágono nunca sonhou em replicar.
Logo após o 11 de setembro, segundo esse piloto, as
Forças Armadas Especiais ficaram famosas por cavalgar rumo a cordilheira
Indocuche munidas de laptops e equipamentos sofisticados de busca e
comunicação. "O Super Tucano é quase um espelho disso nos céus",
disse ele. "A engenhosidade do passado misturada com a alta
tecnologia."
Agora, cinco anos depois do Congresso acabar com o
programa A-29, ao passo que a Força Aérea dos EUA considera um
substituto de baixa tecnologia para o Warthog, a triste história do Super
Tucano parece mais relevante do que nunca.
Quando o ex-Secretário de Defesa Donald
Rumsfeld ficou famoso por dizer, a respeito da guerra do Iraque, que
"o país vai para a guerra com o exército que tem", ele também
descreveu como os Estados Unidos começaram a batalha no Afeganistão.
Caças supersônicos, bombardeiros estratégicos e
helicópteros de ataque em peso projetados para combater os soviéticos
conseguiram deslocar os talibãs e derrubar Saddam Hussein, mas se provaram
dispendiosos nas insurgências que se seguiram. Em vez de dar um passo para trás
e avaliar o que seria melhor para a guerra no Iraque e no Afeganistão, o
Pentágono dobrou a aposta sobre as aquisições de valor alto, mais adequadas
para grandes guerras convencionais do que insurgências conflituosas.
Nas guerras americanas pós-11 de setembro, contudo, o
principal papel de combate de aeronaves táticas era um estratagema chamado
"suporte aéreo próximo", em que aviões e helicópteros eram convocados
para eliminar tropas inimigas atirando com tudo em forças terrestres americanas.
O inimigo não tinha tanques, aviões ou helicópteros. Às vezes, ele aparecia de
motocicletas e caminhonetes. Mas, em geral, surgia a pé, escondido em casas,
cavernas, atrás de pedras ou árvores.
No Afeganistão, as tropas americanas não precisavam de
aviões capazes de burlar radares inimigos; precisavam de aviões que voassem
baixo o bastante para que os pilotos pudessem enxergar os inimigos cara a cara.
Precisavam da capacidade de lançar bombas perto o bastante para feri-los e
atirar do céu a um alcance que os atingisse de fato. Eles precisavam dos
talibãs mortos.
Quando as tropas americanas estavam sob ataque,
precisavam de aeronaves que pudessem permanecer em combate, precisas e letais.
Muitas vezes, as tropas convocavam artilharia "de risco a curta distância"
— geralmente, a 500 metros da própria localização. Seria melhor deixar um
piloto próximo ao solo encarregado desses tiros do que arriscar a vida com uma
bomba errante, lançada por algum jato de alta tecnologia a 30 mil pés de
altura, de onde um piloto não consegue enxergar os alvos.
No entanto, durante décadas, a flecha do progresso ficou
apontada para a construção e aquisição de aviões de ponta. Essa mentalidade
seria ideal no caso de uma batalha ascendente, o pior dos cenários, e não no
conflito insurgente em que os americanos se encontram agora, de fato.
A Força Aérea insistiu que precisava aposentar a frota de
Warthogs para conseguir pagar o avião mais caro do mundo, o F-35. Uma aeronave
que não é capaz de voar ou participar de combates muito bem, a ponto da Força
Aérea diluir o programa do caça a jato para resguardar a reputação.
Recentemente, o Chefe de Gabinete da Força Aérea tachou a
comparação entre o F-35 e o A-10 de "exercício bobo",
provavelmente porque ele sabe que o JSF não se daria bem em um embate de
frente.
Conflitos políticos do gênero resultaram em um suporte
aéreo fraco no Afeganistão. Em 2006, um grupo de SEALs situado no país ficou de
saco cheio e pediu ajuda ao Secretário da Marinha, em pessoa, para obter um
avião melhor.
Pouco tempo depois da solicitação dos SEALs, o Secretário
agrupou uma pequena equipe e incumbiu a ela a tarefa de encontrar uma aeronave
melhor para esse tipo de guerra. O grupo chegou a um consenso acerca de um
avião leve de turboélice. Testaram caças antigos, da época do Vietnã, os OV-10
Broncos, que haviam vivenciado um combate pela última vez na Tempestade do
Deserto. Mas eles queriam algo de maior impacto. Mais letal. Logo, descobriram
um avião construído exatamente para esse propósito.
O projeto secreto Fúria Iminente ganhou vida.
Em resposta à solicitação dos SEALs, a Marinha cometeu
uma heresia, do ponto de vista do Pentágono: retroceder em
tecnologia. Em vez de motores a jato, eles descobriram que aviões movidos a
hélices funcionariam melhor.
Anos antes, a empresa brasileira Embraer construíra um
avião projetado para o combate aéreo próximo ao solo que as insurgências
sul-americanas e africanas demandavam. A Marinha americana imediatamente alugou
um modelo para testes. (Um estágio mais adiante aumentou o número de veículos
para quatro.) Foi assim que o EMB-314 Tucano, da Embraer, renasceu como A-29B
Super Tucano.
O avião foi remodelado na instalação de testes da Marinha
dos EUA, em Patuxent River, Maryland, e voou até uma base aérea em Nevada, para
uma exibição.
Na mesma época, alguém decidiu pintar um logo icônico no
caça: a silhueta negra, sólida, de um cavalo. Foi uma homenagem de respeito a
uma unidade de combate lendária na história naval. No Vietnã, o
esquadrão VAL-4 da Marinha, conhecida como"Pôneis Negros", enfrentou
combates densos em caças OV-10 Bronco. Os pilotos do Super Tucano entenderam
que seu papel seria enfrentar o inimigo a curta distância. E embora fosse uma
designação não-oficial para os novos aviões A-29, os Pôneis Negros renasceram.
Os pilotos da Marinha e da Força Aérea se voluntariaram
sem pensar duas vezes, empolgados. Com o poder de escolha em mãos, eles
simplesmente desapareceram de suas unidades habituais. Eles começaram a
trabalhar com SEALs treinados para convocar ataques aéreos. Era uma missão de
operações especiais, com um avião de operações especiais. No papel, passaram a
trabalhar para o Gabinete de Guerras Não Convencionais da Marinha, no projeto
Fúria Iminente.
Em Nevada, testaram metralhadoras de calibre 50, instaladas
nas asas do A-29. Jogaram pequenas bombas guiadas por laser e GPS. Lançaram
milhares de mísseis de 2,75 polegadas, alguns deles com atualizações de
orientação a laser. Esses, sim, seriam tipos de armas adequados para a guerra
no Afeganistão. Em termos de autodefesa, o A-29 seria capaz até de lançar o
mesmo míssil Sidewinder que os pilotos costumavam usar em seus empregos
anteriores, como pilotos de aviões a jato.
Diversos pilotos de teste do projeto Fúria Iminente,
incluindo o tente-coronel Mann, comentaram que o avião era perfeito para o
combate em guerrilhas no Afeganistão. O general Stanley McChrystal, comandante
situado no Oriente Médio, queria colocar quatro caças A-29 nos céus
imediatamente. Mas será que o Pentágono lutaria por esse avião? Um aeronave
cuja tecnologia corria na direção oposta do furtivo F-35?
BEM PERTO
De certa forma, a briga pelo Super Tucano espelhou um
período pouco conhecido da guerra do Vietnã. Na época, o Pentágono estava
ocupado expurgando os últimos aviões da época da guerra na Coreia de sua frota
e investia pesado em caças de combate, de velocidade Mach 2, como o F-4 Phantom
II, que a organização julgou necessário na guerra contra a União Soviética.
Em 1971, enquanto o Pentágono hesitava frente à futura
possibilidade de guerra contra os soviéticos, jovens pilotos da Força Aérea,
como Byron "Hook" Hukee, se encontravam ocupados com uma guerra baixa
e suja no Sudeste Asiático. Para Hukee, o "suporte aéreo próximo" em
guerra é um estratagema simples.
"Quando falo em proximidade, falo de 100 metros, não
mil", disse ele.
Hukee pilotou o A-1 Skyraider, avião da época da guerra
na Coreia — ele dava cobertura para os helicópteros que tentavam resgatar os
pilotos feridos ao norte do Vietnã. Ele contou que, sem dúvidas, os bombardeiros
atuais são grandes demais para oferecer apoio às tropas terrestres.
Volta e meia, ele lançava bombas Mark 81, de 115 quilos —
apelidadas de "Senhora Dedo" por conta de seu formato delgado e
tamanho pequeno —, a 100 metros de americanos feridos, para afastar agressores
vietnamitas. Contudo, no Afeganistão, a menor bomba a disposição era a Mark 82,
de 230 quilos, impossível de ser aplicada com segurança a 600 metros de tropas
terrestres aliadas.
Hukee elogiou armas ainda menores, como a bomba de fósforo
branco M47, de 45 quilos, do período da Segunda Guerra, e contou que também
podia jogar pequenos conjuntos de meia dúzia de bombas de fragmentação no
inimigo. Hoje, as menores bombas de fragmentação usadas no Afeganistão pesam
cerca de 450 quilos e são armadas com mais de 200 pequenas bombas.
Em alguns casos, Hukee tinha que lançar mísseis ou atirar
com seus canhões de 20 mm em um alvo e, por conta da velocidade baixa do avião
A-1, ele conseguia ajustar a mira e abrir fogo antes de atravessar o campo de
batalha e dar a meia-volta.
Isso é impensável em uma aeronave a jato. Hukee contou
que o lema dos pilotos de caças a jato F-4 no Vietnã era "acabar com tudo
numa tacada só", pois geralmente lançavam bombas de 230 quilos, ou
maiores, de uma vez só e davam no pé. Já os Skyraiders voavam baixinho,
devagar, e pisoteavam o alvo — às vezes, davam mais de dez voltas no campo de
batalha antes de acabar o combustível.
Mais de quatro décadas depois, os testes na Estação Aérea
Naval de Fallon, no oeste de Nevada, mostraram que o Super T era a solução mais
semelhante às capacidades do Skyraider. Com um A-29, seria possível voar e
entrar em combate a menos de mil pés acima do solo. Um Tucano armado pode ficar
até quatro horas no ar, muito melhor do que os caças de combate a jato
beberrões, que não permanecem mais do que 20 minutos suspensos até acabar o
combustível.
Típicos caças de combate só podem voar a um raio de três
ou quatro da batalha, enquanto o Super T poderia permanecer a apenas 500 metros
da zona do alvo, perfeito para ataques aéreos ágeis.
Além disso, havia outra batalha tecnológica, tão
fundamental quanto a controvérsia hélice-versus-jato: a polêmica acerca dos
"casulos".
O termo é uma abreviação de "casulos de designação
de alvos" — são dispositivos eletro-ópticos acoplados à face inferior dos
aviões e contêm câmeras e lasers para ajudar em ataques aéreos. Ao estudar um
avião como o F-16, é fácil confundir um casulo com mais uma bomba. Os casulos
permitem com que os pilotos joguem bombas de altitudes elevadas com maior
precisão, mas o panorama do solo em zoom que o piloto observa pode ser
comparado à vista do horizonte através de um canudinho.
A verdade é que os pilotos de A-10 não dependem de
casulos no Afeganistão durante o dia. Eles voam baixo o bastante para verificar
as localizações dos aliados e dos inimigos; basta olhar pelo canopy — ato que
alguns pilotos ainda descrevem, em tom de piada, como "usar o bom e velho
globo ocular".
O A-29 expandiria o papel diurno em baixa altitude do
A-10 e ainda ofereceria um casulo de designação de alvos para uso noturno. Esse
casulo ofereceria aos pilotos em confronto com tiroteios terrestres a
possibilidade de agir a uma distância maior, caso fosse necessário.
Mas, sempre que possível, o A-29, assassino aéreo que é,
voaria baixo e devagar — apto para assistir os soldados no solo, bem como
oferecer o tipo de verificações de segurança que poderiam prevenir acidentes
entre aliados. Esse atributo é um tapa na cara da lógica da Força Aérea por
trás do uso de caças a jato velozes, como o F-16, ou o F/A-18, da Marinha, que
dependem de uma premissa conhecida como "a regra de 8 minutos".
Com base na perspectiva da Força Aérea e da Marinha dos
EUA, um piloto não deveria levar mais do que oito minutos para chegar à batalha
entre as tropas terrestres e os combatentes inimigos. Foi uma política bem
intencionada, mas partiu de uma série de pressuposições, como a crença de que
responder ataques inimigos o mais rápido possível seria a melhor maneira de
auxiliar as tropas. O Talibã logo aprendeu que o poder aéreo americano
conseguia chegar a uma batalha rapidinho, mas que a velocidade acabava por
limitar o tempo de voo dos caças.
Os caças a jato poderiam apostar corrida no modo
pós-combustão, mas chegariam à batalha de tanque vazio e seriam obrigados a
apelar para o reabastecimento aéreo.
"Quando os caças surgiam, os talibãs se agachavam
por meia hora ou uma hora, e assim que os aviões partiam, retomavam suas
posições e voltavam a atirar", contou o ex-capitão da infantaria do
exército americano Justin Quisenberry.
Quisenberry passou mais de 30 meses no Afeganistão; ele
participou de três missões e conduziu soldados em diversos tiroteios. Para ele,
o poder aéreo foi um componente indispensável no controle americano sobre os
tiroteios com o os talibãs, e o tempo suspenso no ar foi o fator decisivo, não
a velocidade da reação.
O motor turboélice do Super Tucano permite com que o caça
permaneça no ar durante um período 12 vezes mais longo do que os aviões a jato,
como o F-16; isto é, o A-29 poderia ter oferecido uma cobertura aérea
ininterrupta a Quisenberry na hora das patrulhas dele. Em 2006, o poder aéreo
que Quisenberry convocava vinha basicamente de três bases aéreas — Kandahar,
Bagram e Camp Bastion —, cada uma com pistas de mais 3 quilômetros de
comprimento.
Diferentemente dos caças velozes das grandes bases, os
aviões A-29 exigiriam menos de 1,5 quilômetro de pista, que poderia ser feita
de terra, cascalho ou grama batida. Isso significa que os caças Super T
poderiam ser armazenado com segurança em dezenas de aeródromos pré-existentes
ao redor do Afeganistão — compensando, assim, a velocidade máxima relativamente
mais baixa com uma proximidade maior das localizações onde as tropas precisavam
dos aviões por longos períodos.
Teria sido uma mudança revolucionária, sobretudo se
considerarmos como a guerra aérea se deu no passado. Visto que o Congresso não
teve pudores de investimento em defesa após o 11 de setembro, a Força Aérea e a
Marinha nunca foram forçadas a considerar os gastos exorbitantes de seus planos
de guerra.
Alocar caças B-52 e aviões de abastecimento aéreo para o
Oriente Médio foi a única medida tomada para economizar tempo e dinheiro. Em
vez de promover viagens completas de mais de 30 horas (de ida e volta, como
fizeram depois do 11 de setembro) a partir de Diego Garcia, a Força Aérea
economizou tempo ao decolar da base aérea Al Udeid, no Qatar.
No começo, a Força Aérea alternava os esquadrões de
bombardeiros a jato entre ingressos e saídas do Afeganistão a cada 90 dias —
isso às vezes incluía transportar todas as ferramentas e peças de reposição
necessárias em aviões cargueiros. No fim das contas, essas distribuições se
estenderam para quatro a até seis meses. O serviço de vôo nunca contou com um
avião funcional de baixa manutenção como o Super Tucano, veículo que a Força
Aérea poderia ter deixado no país até a guerra terminar.
Da mesma forma, a Marinha revezava porta-aviões da classe
Nimitz no norte do mar Arábico, na costa do Paquistão, a cada seis meses,
aproximadamente, embora pudesse ter esquadrões de F/A-18s baseados no solo
afegão, como os fuzileiros navais tinham.
Os porta-aviões cruzavam mais de 100 milhas náuticas a
partir da cidade portuária de Karachi, e habitualmente lançavam F/A-18 Hornets
(o principal avião de combate da Marinha) em patrulhas de 7 horas no espaço
aéreo paquistanês e afegão. Eis o procedimento padrão: entrar no espaço aéreo
afegão; reabastecer; passar 20 minutos "a postos", disponível para
caso as tropas terrestres precisassem; reabastecer pela segunda vez; passar
mais 20 minutos a postos; reabastecer pela terceira vez antes de entrar no
espaço aéreo paquistanês; e voar de volta ao território onde o porta-aviões se
encontrava.
Alguns anos após o 11 de setembro, os caças F/A-18
passaram a entrar no Afeganistão munidos de apenas uma bomba guiada a laser, de
230 quilos, uma bomba guiada por GPS, de 230 quilos, e um míssil ar-ar AIM-9 para
autodefesa. Um Super T é capaz de carregar tudo isso em missões de longa
duração. A única diferença é o canhão interno do Hornet, de 20 mm, que é
consideravelmente maior do que as metralhadoras de calibre 50 instaladas nas
asas do Super T. Mas um canhão adicional de 20 mm pode ser instalado sob a
fuselagem do A-29, o que o igualaria ao típico carregamento de armas e
habilidades letais de um F/A-18.
Na maioria das vezes, os Hornets pousavam no porta-aviões
com todas as bombas ainda a bordo e as metralhadoras com tambor cheinho. E sabe
quanto custa a hora de vôo desse avião? De 25 a 30 mil dólares, segundo dados
oficiais da Marinha. Estima-se que um F-35 custe
entre 31.900 e 38.400 dólares por hora de vôo. E o Super T?
Seiscentos dólares por hora, de acordo com a Sierra Nevada Corporation,
fabricante do A-29.
Uma análise da atividade recente de um porta-aviões da
Marinha oferece um vislumbre sobre o custo do negócio. Quando o navio americano
Harry S. Truman retornou a seu porto de origem, em Norfolk, Virgínia, em
2014, a frota aérea da embarcação havia executado 2.902 excursões de
combate, em um total de 16.450 horas de vôo sobre o Afeganistão. Arredondando o
custo do vôo do Hornet para baixo, para 25.000 dólares por hora, dá mais ou
menos 411 milhões de dólares de gasto público com operações aéreas.
Esse montante de dinheiro poderia ter comprado mais
aviões Super T, de 4 milhões de dólares, do que o bastante para cobrir todas as
necessidades de suporte aéreo ao redor do Afeganistão. Um piloto do projeto
Fúria Iminente, que pediu para permanecer anônimo, acrescentou que isso teria
aplacado o desgaste das aeronaves de ponta, como os caças F-16 e F/A-18, cujo
tempo de serviço foi desperdiçado em "suporte aéreo próximo" no
Afeganistão. E isso no caso de apenas uma missão de um porta-aviões.
Desde o 11 de setembro, houve várias missões do tipo na costa paquistanesa.
Se perguntarem quanto dinheiro público gastam com
combustível e manutenção para cada porta-avião em dez anos de guerra, nenhum
representante do governo arriscará um palpite.
O QUE FAZER AO CHEGAR LÁ
Em depoimentos ao Congresso, almirantes e generais
continuaram a salientar que a velocidade era o fator mais importante ao definir
que aviões deveriam ser utilizados no Afeganistão. Mas o padrão da "regra
de 8 minutos" cai por água abaixo quando pilotos e controladores de
tráfego aéreo veteranos comentam o caso.
"Chegar à batalha em 8 minutos soa preciso, mas o
que você faz em seguida é outra história", disse um controlador de tráfego
em atividade, que também pediu para não ser nomeado. "Às vezes, levamos 10
minutos para contatar um caça de combate a jato", contou ao Motherboard o
controlador, que já concluiu diversas missões, enquanto descrevia o tempo
necessário para orientar um piloto de jato acerca da situação terrestre, quando
este chega ao local de embate.
Ele disse que gerenciar sistemas aéreos como os
celebrados drones Predator e Reaper é ainda pior, pois leva o dobro de tempo
para guiá-los. O motivo é que pilotos de drones só enxergam através de sensores
e casulos de designação de alvos.
"Eles não conseguem me ver pelo canopy, tampouco ver
o inimigo", explicou o soldado. O casulo, segundo ele, "não mostra
muito bem o solo, então o piloto pode demorar bastante para verificar onde ele
mesmo está, onde se encontra o inimigo, e garantir que nós dois estamos de
acordo. Não deixo o piloto abrir fogo até assegurar isso."
"Muita coisa depende da habilidade do controlador e
da habilidade do piloto", acrescentou. "Não é uma questão de chegar
lá rapidinho, é o que você faz quando chega lá que conta."
Infelizmente, dia 9 de junho de 2014, americanos morreram
em um incidente entre aliados, que provavelmente não teria acontecido com um
A-29 no ar. Uma bomba lançada por um bombardeiro supersônico B-1 Lancer
(projetado para trespassar a defesa aérea soviética dos anos 80), de altitude
elevada, matou cinco americanos e um afegão. Os soldados que convocaram o
ataque aéreo pensavam que a tripulação aérea conseguia ver o
estroboscópio infravermelho do território aliado, mas parece que esse tipo de
luz não é detectado a altura e distância em que o B-1 se encontrava. A
tripulação do B-1 não avistou a luz aliada, confundiu soldados americanos com
combatentes talibãs e jogou uma bomba neles.
Ou seja, mais uma história de bombardeiro de vôos
elevados que lançou munições "certeiras" em um alvo que mal conseguia
enxergar. Doze anos e meio após o primeiro bombardeio acidental de grande
visibilidade, as tropas americanas ainda morrem por falta de um melhor ataque
aéreo.
Embora o Congresso não tenha sido capaz de perceber o
valor de aviões A-29 no Afeganistão, o Pentágono começou a se dar conta de que
devolver a guerra às forças governamentais afegãs talvez fosse uma ação-chave.
Enquanto unidades americanas combatiam o Talibã em 2010,
os Estados Unidos deixavam o Iraque e buscavam oportunidades para ir embora do
Afeganistão. Diferentes prioridades de aquisição e uma hostilidade retumbante
por parte da Marinha e da Força Aérea deixaram o A-29 vulnerável a embates
políticos. O projeto Fúria Iminente morreu nas mãos de uma comissão do
Congresso, em 2010.
Além disso, um dos defensores mais ferrenhos do projeto
Fúria Iminente, o general Stanley McChrystal, foi forçado a se aposentar por
conta de seus comentários em uma entrevista com a revista Rolling Stone,
cerca de uma semana depois que o Congresso acabou com o programa do A-29.
Assim, silenciaram o único defensor do projeto com poder político o bastante
para ressuscitá-lo. No meio da turbulência que sucedeu a demissão de
McChrystal, o projeto Fúria Iminente passou despercebido e caiu em
esquecimento.
Ninguém comprou a briga. Um antigo piloto do projeto
Fúria Iminente conta, em tom jocoso, que a Força Aérea negou o Super T porque o
avião "não carrega mísseis AMRAAM ou armas nucleares, e a Marinha não quis
saber do avião porque não tem asas dobráveis nem gancho de parada".
Mesmo com a extinção do projeto Fúria Iminente, o Super T
não deve ficar de castigo por muito tempo, pois os planejadores do Pentágono
perceberam que pode ser o avião perfeito para os iraquianos e afegãos pilotarem
por conta própria.
O Pentágono decidiu que a jovem Força Aérea do
Afeganistão precisava de uma "aeronave leve de suporte" para prestar
assistência às tropas terrestres do país depois que os americanos fossem
embora. O Super Tucano voou em missões de combate contra as Forças Armadas
Revolucionárias da Colômbia e provou seu valor em testes. No entanto, o
Congresso não conseguiu escolher entre o A-29 ou uma aeronave concorrente, uma
versão armada do avião de treinamento da Beechcraft Corporation, intituladoo
AT-6B.
Embora a Força Aérea dos EUA não bote fé na ideia de
americanos comprando e pilotando o A-29 no Afeganistão, na hora de prover o
mesmo avião à Força Aérea afegã, a organização apresentou avaliações positivas
do caça e chegou a descrevê-lo como "item indispensável para o sucesso
operacional e estratégico" do Afeganistão.
"O 'custo' do atraso é maior do que um cálculo em
dólares e centavos", lê-se numa nota da Força Aérea, de 2013.
"Neste caso, o prolongamento do atraso em lacunas de capacidade pode
significar a perda de vidas militares e civis."
Quando perguntaram a Pierre Sprey, ex-oficial do
Departamento de Defesa, se o Super Tucano poderia ter ajudado as forças
terrestres americanas ao preencher a lacuna deixada pela escassez de aviões
A-10, ele respondeu: "Nossa, sem sombra de dúvida".
"Pelo menos, o A-29 pode chegar perto o bastante
para ver onde estão os aliados, e não os bombardear. O suporte próximo demanda
atenção a mudanças constantes, de minuto a minuto, no meio de tiroteios",
disse ele. "E se você não estiver perto o bastante para ver onde estão as
baforadas de fumaça das metralhadoras inimigas, vai acabar matando
aliados."
O Super Tucano, de vôo baixo e vagaroso, fabricado no
Brasil, com acabamento na Flórida, começou a chegar à base da Força Aérea dos
EUA em setembro de 2014, para que pilotos americanos possam treinar afegãos a
pilotá-los. Nos campos de batalha do país asiático, forças afegãs aliadas
esperam pelo suporte aéreo prometido, prontas para começar a aprender a
conduzir o avião por conta própria, na expectativa de impedir uma catástrofe
militar como a que acometeu o Iraque.
A Sierra Nevada está se preparando para fornecer mais
Super Tucanos. Os aviões não ajudarão soldados americanos, mas provavelmente
desempenharão um papel de auxílio na batalha dos afegãos contra o Talibã.
Enquanto isso, o AT-6B está em fase de produção também — para ajudar a Força
Aérea do Iraque a lutar contra o Estado Islâmico.
Concluimos esta história com o auxílio de Centro de
Jornalismo Investigativo Toni Stabile, da Faculuidade de Jornalismo da Universidade
Columbia.