segunda-feira, 18 de setembro de 2017

CAS: Qual a Aeronave Certa ? *138



ADRIAN BONENBERGER, DAMIEN SPLEETERS E JOHN ISMAY


A relutância do Pentagono em adotar uma aeronave simples e eficaz em detrimento de aeronaves "high tech" e alto custo, com desempenho questionável.

Na manhã de 5 de dezembro de 2001, um caça americano B-52 que voava a milhares de pés acima do solo lançou, sem querer, uma bomba de 900 quilos guiada por satélite sobre uma equipe das Forças Armadas Especiais, no Afeganistão. A tripulação havia recebido as coordenadas erradas, mas o avião estava tão baixo e devagar que qualquer um a bordo poderia ter percebido o erro. Bastava olhar para o chão.

O fato desse erro ter acontecido ilustra quão fraca é a campanha aérea dos Estados Unidos na guerra mais longa que o país já travou e, mais do que isso, como os esforços para melhorar as coisas com soluções de ponta nem sempre valem a pena.

O caça em questão estava no meio de uma viagem completa, ida e volta, de 30 horas de duração, à ilha remota de Diego Garcia, a 1.400 quilômetros do sul da Índia. O avião que esses Boinas Verdes precisavam, um A-10 Warthog, de vôo baixo e vagaroso, ainda não estava disponível no Afeganistão. Famoso por sua resistência e pelo seu poder letal, o Warthog foi a primeira aeronave movida a jato a pousar na decrépita Base Aérea de Bagram, no centro da nação afegã. Assim que repararam a pista de pouso, dezenas de caças de combate a jato F-15, F-16 e F/A-18 — criaturas completamente diferentes — desceram no embalo.

Segundo o ex-oficial do Departamento de Defesa Pierre Sprey, a Força Aérea dos EUA poderia ter deixado esses outros aviões de fora, mas, em vez disso, enviou três esquadrões completos de caças A-10 — 72 aviões, no total — para o Afeganistão. Segundo ele, a Força Aérea "nunca teve mais do que 12 Warthogs no país, em momento algum, durante toda a guerra".




"O A-10 é o melhor caça de 'ataque a curta distância já fabricado, sem discussão", Sprey me contou. "Mas a Força Aérea detesta. Eles fariam de tudo para acabar com o avião." Ele diz que aposentar o icônico A-10, um caça a jato bimotor com canhões de 30 mm, cujos tiros têm 14 vezes mais energia cinéticado que os canhões de 20 mm instalados na frota americana atual de caças supersônicos, virou credo entre os oficiais superiores da Força Aérea, que há gerações são treinados para acreditar no poder redentor da inovação tecnológica.

Essa mentalidade impulsionou a produção do F-35 Joint Strike Fighter (JSF, caça de combate multifunções), o primeiro sistema de armamento avaliado em 1 trilhão de dólares no mundo. O desenvolvimento do caça F-35 estava em curso nos bastidores, ao longo da guerra no Afeganistão, apesar de montanhas de evidências demonstrarem que o avião jamais serviria para atacar alvos terrestres tão bem quanto um A-10. Longe da batalha, os generais de Washington, DC, apoiavam o F-35 porque acreditavam que, "quanto mais tecnologia, melhor".




A mesma mentalidade impulsionou o envio de drones armados ao Afeganistão. Todavia, aviões de ataque pilotados à distância, como o Predator e o Reaper, provavelmente são ainda piores em auxiliar tropas terrestres do que os caças a jato de alta tecnologia, tripulados.

O que fazer, então, se jamais haveria uma quantidade suficiente de modelos A-10 no Afeganistão? Apenas uma corporação tinha autonomia o bastante frente à Força Aérea e apresentava uma quantia suficiente de capital independente para considerar uma alternativa viável, isto é, comprar um avião de ataque barato e leve por conta própria: os SEALs, a principal força de operações especiais da Marinha americana. Em 2006, representantes do grupo se encontraram com o Secretário da Marinha para discutir com ele os problemas que enfrentavam ao tentar obter um bom suporte aéreo.

Assim como outras tropas americanas de combate presentes no Afeganistão, os SEALs acreditavam que nem sempre dava para confiar na alta tecnologia para obter sucesso e que soluções mais baratas, de tecnologia inferior, funcionariam melhor. Foi assim que o exército americano quase adotou o A-29 Super Tucano, um avião de turboélice de 4 milhões de dólares, fruto dos designs da época da Segunda Guerra, que as tropas pediram e os comandantes alegaram ser "necessidade urgente", mas que o Congresso se recusou a comprar.

A ASCENSÃO DO SUPER TUCANO

O A-29 Super Tucano representou um retorno ao passado do combate aéreo — uma época em que pilotos enxergavam através do borrão da hélice propulsora e apontavam o nariz do veículo para o inimigo antes de puxar o gatilho, muito antes de piloto automático, dos mísseis guiados e dos dispositivos infravermelhos. O A-29 era rápido o bastante para entrar em combate em um piscar de olhos e leve o bastante para manter uma órbita baixa e vagarosa sobre o campo de batalha.




Em termos filosóficos e bélicos, o Super Tucano ocupa uma espécie de meio-termo entre os principais bombardeiros americanos. Com o A-29, seria possível atingir altitudes mais elevadas sobre a cordilheira Indocuche do que com o helicóptero AH-64 Apache; e seria possível se manter horas no ar antes de reabastecer o tanque, como no caso dos lendários bombardeiros AC-130 Spectre.

O Spectre, porém, só voa à noite. De dia, o raio estreito de manobra e a velocidade de perda do Super Tucano permitiriam aos pilotos contato visual constante com as forças terrestres, além de vigilância e reconhecimento para ataque. No escuro, um A-29 ofereceria visão noturna e sensores térmicos tão sofisticados quanto os de um caça a jato.

"É um avião excelente", comentou o tenente-coronel recém-aposentado da Força Aérea Shamsher Mann, piloto de caças F-16 que já conduziu A-29. "Os pilotos adoram. É uma delícia de manusear, bebe pouca gasolina e chega a qualquer lugar. Se você pretende entrar na briga e se misturar com os caras da terra, o Super T é uma ótima plataforma."

Outro piloto de combate aposentado me disse que o Super Tucano representa uma opção "econômica" de ataque aéreo sobre o solo, atributo que os Estados Unidos nunca tiveram no Afeganistão — atributo que o F-35 do Pentágono nunca sonhou em replicar.

Logo após o 11 de setembro, segundo esse piloto, as Forças Armadas Especiais ficaram famosas por cavalgar rumo a cordilheira Indocuche munidas de laptops e equipamentos sofisticados de busca e comunicação. "O Super Tucano é quase um espelho disso nos céus", disse ele. "A engenhosidade do passado misturada com a alta tecnologia."

Agora, cinco anos depois do Congresso acabar com o programa A-29, ao passo que a Força Aérea dos EUA considera um substituto de baixa tecnologia para o Warthog, a triste história do Super Tucano parece mais relevante do que nunca.
Quando o ex-Secretário de Defesa Donald Rumsfeld ficou famoso por dizer, a respeito da guerra do Iraque, que "o país vai para a guerra com o exército que tem", ele também descreveu como os Estados Unidos começaram a batalha no Afeganistão.

Caças supersônicos, bombardeiros estratégicos e helicópteros de ataque em peso projetados para combater os soviéticos conseguiram deslocar os talibãs e derrubar Saddam Hussein, mas se provaram dispendiosos nas insurgências que se seguiram. Em vez de dar um passo para trás e avaliar o que seria melhor para a guerra no Iraque e no Afeganistão, o Pentágono dobrou a aposta sobre as aquisições de valor alto, mais adequadas para grandes guerras convencionais do que insurgências conflituosas.

Nas guerras americanas pós-11 de setembro, contudo, o principal papel de combate de aeronaves táticas era um estratagema chamado "suporte aéreo próximo", em que aviões e helicópteros eram convocados para eliminar tropas inimigas atirando com tudo em forças terrestres americanas. O inimigo não tinha tanques, aviões ou helicópteros. Às vezes, ele aparecia de motocicletas e caminhonetes. Mas, em geral, surgia a pé, escondido em casas, cavernas, atrás de pedras ou árvores.

No Afeganistão, as tropas americanas não precisavam de aviões capazes de burlar radares inimigos; precisavam de aviões que voassem baixo o bastante para que os pilotos pudessem enxergar os inimigos cara a cara. Precisavam da capacidade de lançar bombas perto o bastante para feri-los e atirar do céu a um alcance que os atingisse de fato. Eles precisavam dos talibãs mortos.

Quando as tropas americanas estavam sob ataque, precisavam de aeronaves que pudessem permanecer em combate, precisas e letais. Muitas vezes, as tropas convocavam artilharia "de risco a curta distância" — geralmente, a 500 metros da própria localização. Seria melhor deixar um piloto próximo ao solo encarregado desses tiros do que arriscar a vida com uma bomba errante, lançada por algum jato de alta tecnologia a 30 mil pés de altura, de onde um piloto não consegue enxergar os alvos.

No entanto, durante décadas, a flecha do progresso ficou apontada para a construção e aquisição de aviões de ponta. Essa mentalidade seria ideal no caso de uma batalha ascendente, o pior dos cenários, e não no conflito insurgente em que os americanos se encontram agora, de fato.

A Força Aérea insistiu que precisava aposentar a frota de Warthogs para conseguir pagar o avião mais caro do mundo, o F-35. Uma aeronave que não é capaz de voar ou participar de combates muito bem, a ponto da Força Aérea diluir o programa do caça a jato para resguardar a reputação. Recentemente, o Chefe de Gabinete da Força Aérea tachou a comparação entre o F-35 e o A-10 de "exercício bobo", provavelmente porque ele sabe que o JSF não se daria bem em um embate de frente.

Conflitos políticos do gênero resultaram em um suporte aéreo fraco no Afeganistão. Em 2006, um grupo de SEALs situado no país ficou de saco cheio e pediu ajuda ao Secretário da Marinha, em pessoa, para obter um avião melhor.
Pouco tempo depois da solicitação dos SEALs, o Secretário agrupou uma pequena equipe e incumbiu a ela a tarefa de encontrar uma aeronave melhor para esse tipo de guerra. O grupo chegou a um consenso acerca de um avião leve de turboélice. Testaram caças antigos, da época do Vietnã, os OV-10 Broncos, que haviam vivenciado um combate pela última vez na Tempestade do Deserto. Mas eles queriam algo de maior impacto. Mais letal. Logo, descobriram um avião construído exatamente para esse propósito.

O projeto secreto Fúria Iminente ganhou vida.

Em resposta à solicitação dos SEALs, a Marinha cometeu uma heresia, do ponto de vista do Pentágono: retroceder em tecnologia. Em vez de motores a jato, eles descobriram que aviões movidos a hélices funcionariam melhor.

Anos antes, a empresa brasileira Embraer construíra um avião projetado para o combate aéreo próximo ao solo que as insurgências sul-americanas e africanas demandavam. A Marinha americana imediatamente alugou um modelo para testes. (Um estágio mais adiante aumentou o número de veículos para quatro.) Foi assim que o EMB-314 Tucano, da Embraer, renasceu como A-29B Super Tucano.

O avião foi remodelado na instalação de testes da Marinha dos EUA, em Patuxent River, Maryland, e voou até uma base aérea em Nevada, para uma exibição.

Na mesma época, alguém decidiu pintar um logo icônico no caça: a silhueta negra, sólida, de um cavalo. Foi uma homenagem de respeito a uma unidade de combate lendária na história naval. No Vietnã, o esquadrão VAL-4 da Marinha, conhecida como"Pôneis Negros", enfrentou combates densos em caças OV-10 Bronco. Os pilotos do Super Tucano entenderam que seu papel seria enfrentar o inimigo a curta distância. E embora fosse uma designação não-oficial para os novos aviões A-29, os Pôneis Negros renasceram.

Os pilotos da Marinha e da Força Aérea se voluntariaram sem pensar duas vezes, empolgados. Com o poder de escolha em mãos, eles simplesmente desapareceram de suas unidades habituais. Eles começaram a trabalhar com SEALs treinados para convocar ataques aéreos. Era uma missão de operações especiais, com um avião de operações especiais. No papel, passaram a trabalhar para o Gabinete de Guerras Não Convencionais da Marinha, no projeto Fúria Iminente.




Em Nevada, testaram metralhadoras de calibre 50, instaladas nas asas do A-29. Jogaram pequenas bombas guiadas por laser e GPS. Lançaram milhares de mísseis de 2,75 polegadas, alguns deles com atualizações de orientação a laser. Esses, sim, seriam tipos de armas adequados para a guerra no Afeganistão. Em termos de autodefesa, o A-29 seria capaz até de lançar o mesmo míssil Sidewinder que os pilotos costumavam usar em seus empregos anteriores, como pilotos de aviões a jato.

Diversos pilotos de teste do projeto Fúria Iminente, incluindo o tente-coronel Mann, comentaram que o avião era perfeito para o combate em guerrilhas no Afeganistão. O general Stanley McChrystal, comandante situado no Oriente Médio, queria colocar quatro caças A-29 nos céus imediatamente. Mas será que o Pentágono lutaria por esse avião? Um aeronave cuja tecnologia corria na direção oposta do furtivo F-35?

BEM PERTO

De certa forma, a briga pelo Super Tucano espelhou um período pouco conhecido da guerra do Vietnã. Na época, o Pentágono estava ocupado expurgando os últimos aviões da época da guerra na Coreia de sua frota e investia pesado em caças de combate, de velocidade Mach 2, como o F-4 Phantom II, que a organização julgou necessário na guerra contra a União Soviética.

Em 1971, enquanto o Pentágono hesitava frente à futura possibilidade de guerra contra os soviéticos, jovens pilotos da Força Aérea, como Byron "Hook" Hukee, se encontravam ocupados com uma guerra baixa e suja no Sudeste Asiático. Para Hukee, o "suporte aéreo próximo" em guerra é um estratagema simples.
"Quando falo em proximidade, falo de 100 metros, não mil", disse ele.

Hukee pilotou o A-1 Skyraider, avião da época da guerra na Coreia — ele dava cobertura para os helicópteros que tentavam resgatar os pilotos feridos ao norte do Vietnã. Ele contou que, sem dúvidas, os bombardeiros atuais são grandes demais para oferecer apoio às tropas terrestres.

Volta e meia, ele lançava bombas Mark 81, de 115 quilos — apelidadas de "Senhora Dedo" por conta de seu formato delgado e tamanho pequeno —, a 100 metros de americanos feridos, para afastar agressores vietnamitas. Contudo, no Afeganistão, a menor bomba a disposição era a Mark 82, de 230 quilos, impossível de ser aplicada com segurança a 600 metros de tropas terrestres aliadas.

Hukee elogiou armas ainda menores, como a bomba de fósforo branco M47, de 45 quilos, do período da Segunda Guerra, e contou que também podia jogar pequenos conjuntos de meia dúzia de bombas de fragmentação no inimigo. Hoje, as menores bombas de fragmentação usadas no Afeganistão pesam cerca de 450 quilos e são armadas com mais de 200 pequenas bombas.

Em alguns casos, Hukee tinha que lançar mísseis ou atirar com seus canhões de 20 mm em um alvo e, por conta da velocidade baixa do avião A-1, ele conseguia ajustar a mira e abrir fogo antes de atravessar o campo de batalha e dar a meia-volta.

Isso é impensável em uma aeronave a jato. Hukee contou que o lema dos pilotos de caças a jato F-4 no Vietnã era "acabar com tudo numa tacada só", pois geralmente lançavam bombas de 230 quilos, ou maiores, de uma vez só e davam no pé. Já os Skyraiders voavam baixinho, devagar, e pisoteavam o alvo — às vezes, davam mais de dez voltas no campo de batalha antes de acabar o combustível.

Mais de quatro décadas depois, os testes na Estação Aérea Naval de Fallon, no oeste de Nevada, mostraram que o Super T era a solução mais semelhante às capacidades do Skyraider. Com um A-29, seria possível voar e entrar em combate a menos de mil pés acima do solo. Um Tucano armado pode ficar até quatro horas no ar, muito melhor do que os caças de combate a jato beberrões, que não permanecem mais do que 20 minutos suspensos até acabar o combustível.




Típicos caças de combate só podem voar a um raio de três ou quatro da batalha, enquanto o Super T poderia permanecer a apenas 500 metros da zona do alvo, perfeito para ataques aéreos ágeis.

Além disso, havia outra batalha tecnológica, tão fundamental quanto a controvérsia hélice-versus-jato: a polêmica acerca dos "casulos".

O termo é uma abreviação de "casulos de designação de alvos" — são dispositivos eletro-ópticos acoplados à face inferior dos aviões e contêm câmeras e lasers para ajudar em ataques aéreos. Ao estudar um avião como o F-16, é fácil confundir um casulo com mais uma bomba. Os casulos permitem com que os pilotos joguem bombas de altitudes elevadas com maior precisão, mas o panorama do solo em zoom que o piloto observa pode ser comparado à vista do horizonte através de um canudinho.

A verdade é que os pilotos de A-10 não dependem de casulos no Afeganistão durante o dia. Eles voam baixo o bastante para verificar as localizações dos aliados e dos inimigos; basta olhar pelo canopy — ato que alguns pilotos ainda descrevem, em tom de piada, como "usar o bom e velho globo ocular".

O A-29 expandiria o papel diurno em baixa altitude do A-10 e ainda ofereceria um casulo de designação de alvos para uso noturno. Esse casulo ofereceria aos pilotos em confronto com tiroteios terrestres a possibilidade de agir a uma distância maior, caso fosse necessário.

Mas, sempre que possível, o A-29, assassino aéreo que é, voaria baixo e devagar — apto para assistir os soldados no solo, bem como oferecer o tipo de verificações de segurança que poderiam prevenir acidentes entre aliados. Esse atributo é um tapa na cara da lógica da Força Aérea por trás do uso de caças a jato velozes, como o F-16, ou o F/A-18, da Marinha, que dependem de uma premissa conhecida como "a regra de 8 minutos".

Com base na perspectiva da Força Aérea e da Marinha dos EUA, um piloto não deveria levar mais do que oito minutos para chegar à batalha entre as tropas terrestres e os combatentes inimigos. Foi uma política bem intencionada, mas partiu de uma série de pressuposições, como a crença de que responder ataques inimigos o mais rápido possível seria a melhor maneira de auxiliar as tropas. O Talibã logo aprendeu que o poder aéreo americano conseguia chegar a uma batalha rapidinho, mas que a velocidade acabava por limitar o tempo de voo dos caças.

Os caças a jato poderiam apostar corrida no modo pós-combustão, mas chegariam à batalha de tanque vazio e seriam obrigados a apelar para o reabastecimento aéreo.

"Quando os caças surgiam, os talibãs se agachavam por meia hora ou uma hora, e assim que os aviões partiam, retomavam suas posições e voltavam a atirar", contou o ex-capitão da infantaria do exército americano Justin Quisenberry.

Quisenberry passou mais de 30 meses no Afeganistão; ele participou de três missões e conduziu soldados em diversos tiroteios. Para ele, o poder aéreo foi um componente indispensável no controle americano sobre os tiroteios com o os talibãs, e o tempo suspenso no ar foi o fator decisivo, não a velocidade da reação.

O motor turboélice do Super Tucano permite com que o caça permaneça no ar durante um período 12 vezes mais longo do que os aviões a jato, como o F-16; isto é, o A-29 poderia ter oferecido uma cobertura aérea ininterrupta a Quisenberry na hora das patrulhas dele. Em 2006, o poder aéreo que Quisenberry convocava vinha basicamente de três bases aéreas — Kandahar, Bagram e Camp Bastion —, cada uma com pistas de mais 3 quilômetros de comprimento.

Diferentemente dos caças velozes das grandes bases, os aviões A-29 exigiriam menos de 1,5 quilômetro de pista, que poderia ser feita de terra, cascalho ou grama batida. Isso significa que os caças Super T poderiam ser armazenado com segurança em dezenas de aeródromos pré-existentes ao redor do Afeganistão — compensando, assim, a velocidade máxima relativamente mais baixa com uma proximidade maior das localizações onde as tropas precisavam dos aviões por longos períodos.

Teria sido uma mudança revolucionária, sobretudo se considerarmos como a guerra aérea se deu no passado. Visto que o Congresso não teve pudores de investimento em defesa após o 11 de setembro, a Força Aérea e a Marinha nunca foram forçadas a considerar os gastos exorbitantes de seus planos de guerra.

Alocar caças B-52 e aviões de abastecimento aéreo para o Oriente Médio foi a única medida tomada para economizar tempo e dinheiro. Em vez de promover viagens completas de mais de 30 horas (de ida e volta, como fizeram depois do 11 de setembro) a partir de Diego Garcia, a Força Aérea economizou tempo ao decolar da base aérea Al Udeid, no Qatar.

No começo, a Força Aérea alternava os esquadrões de bombardeiros a jato entre ingressos e saídas do Afeganistão a cada 90 dias — isso às vezes incluía transportar todas as ferramentas e peças de reposição necessárias em aviões cargueiros. No fim das contas, essas distribuições se estenderam para quatro a até seis meses. O serviço de vôo nunca contou com um avião funcional de baixa manutenção como o Super Tucano, veículo que a Força Aérea poderia ter deixado no país até a guerra terminar.

Da mesma forma, a Marinha revezava porta-aviões da classe Nimitz no norte do mar Arábico, na costa do Paquistão, a cada seis meses, aproximadamente, embora pudesse ter esquadrões de F/A-18s baseados no solo afegão, como os fuzileiros navais tinham.

Os porta-aviões cruzavam mais de 100 milhas náuticas a partir da cidade portuária de Karachi, e habitualmente lançavam F/A-18 Hornets (o principal avião de combate da Marinha) em patrulhas de 7 horas no espaço aéreo paquistanês e afegão. Eis o procedimento padrão: entrar no espaço aéreo afegão; reabastecer; passar 20 minutos "a postos", disponível para caso as tropas terrestres precisassem; reabastecer pela segunda vez; passar mais 20 minutos a postos; reabastecer pela terceira vez antes de entrar no espaço aéreo paquistanês; e voar de volta ao território onde o porta-aviões se encontrava.

Alguns anos após o 11 de setembro, os caças F/A-18 passaram a entrar no Afeganistão munidos de apenas uma bomba guiada a laser, de 230 quilos, uma bomba guiada por GPS, de 230 quilos, e um míssil ar-ar AIM-9 para autodefesa. Um Super T é capaz de carregar tudo isso em missões de longa duração. A única diferença é o canhão interno do Hornet, de 20 mm, que é consideravelmente maior do que as metralhadoras de calibre 50 instaladas nas asas do Super T. Mas um canhão adicional de 20 mm pode ser instalado sob a fuselagem do A-29, o que o igualaria ao típico carregamento de armas e habilidades letais de um F/A-18.

Na maioria das vezes, os Hornets pousavam no porta-aviões com todas as bombas ainda a bordo e as metralhadoras com tambor cheinho. E sabe quanto custa a hora de vôo desse avião? De 25 a 30 mil dólares, segundo dados oficiais da Marinha. Estima-se que um F-35 custe entre 31.900 e 38.400 dólares por hora de vôo. E o Super T? Seiscentos dólares por hora, de acordo com a Sierra Nevada Corporation, fabricante do A-29.

Uma análise da atividade recente de um porta-aviões da Marinha oferece um vislumbre sobre o custo do negócio. Quando o navio americano Harry S. Truman retornou a seu porto de origem, em Norfolk, Virgínia, em 2014, a frota aérea da embarcação havia executado 2.902 excursões de combate, em um total de 16.450 horas de vôo sobre o Afeganistão. Arredondando o custo do vôo do Hornet para baixo, para 25.000 dólares por hora, dá mais ou menos 411 milhões de dólares de gasto público com operações aéreas.

Esse montante de dinheiro poderia ter comprado mais aviões Super T, de 4 milhões de dólares, do que o bastante para cobrir todas as necessidades de suporte aéreo ao redor do Afeganistão. Um piloto do projeto Fúria Iminente, que pediu para permanecer anônimo, acrescentou que isso teria aplacado o desgaste das aeronaves de ponta, como os caças F-16 e F/A-18, cujo tempo de serviço foi desperdiçado em "suporte aéreo próximo" no Afeganistão. E isso no caso de apenas uma missão de um porta-aviões. Desde o 11 de setembro, houve várias missões do tipo na costa paquistanesa.

Se perguntarem quanto dinheiro público gastam com combustível e manutenção para cada porta-avião em dez anos de guerra, nenhum representante do governo arriscará um palpite.




O QUE FAZER AO CHEGAR LÁ

Em depoimentos ao Congresso, almirantes e generais continuaram a salientar que a velocidade era o fator mais importante ao definir que aviões deveriam ser utilizados no Afeganistão. Mas o padrão da "regra de 8 minutos" cai por água abaixo quando pilotos e controladores de tráfego aéreo veteranos comentam o caso.

"Chegar à batalha em 8 minutos soa preciso, mas o que você faz em seguida é outra história", disse um controlador de tráfego em atividade, que também pediu para não ser nomeado. "Às vezes, levamos 10 minutos para contatar um caça de combate a jato", contou ao Motherboard o controlador, que já concluiu diversas missões, enquanto descrevia o tempo necessário para orientar um piloto de jato acerca da situação terrestre, quando este chega ao local de embate.

Ele disse que gerenciar sistemas aéreos como os celebrados drones Predator e Reaper é ainda pior, pois leva o dobro de tempo para guiá-los. O motivo é que pilotos de drones só enxergam através de sensores e casulos de designação de alvos.

"Eles não conseguem me ver pelo canopy, tampouco ver o inimigo", explicou o soldado. O casulo, segundo ele, "não mostra muito bem o solo, então o piloto pode demorar bastante para verificar onde ele mesmo está, onde se encontra o inimigo, e garantir que nós dois estamos de acordo. Não deixo o piloto abrir fogo até assegurar isso."

"Muita coisa depende da habilidade do controlador e da habilidade do piloto", acrescentou. "Não é uma questão de chegar lá rapidinho, é o que você faz quando chega lá que conta."

Infelizmente, dia 9 de junho de 2014, americanos morreram em um incidente entre aliados, que provavelmente não teria acontecido com um A-29 no ar. Uma bomba lançada por um bombardeiro supersônico B-1 Lancer (projetado para trespassar a defesa aérea soviética dos anos 80), de altitude elevada, matou cinco americanos e um afegão. Os soldados que convocaram o ataque aéreo pensavam que a tripulação aérea conseguia ver o estroboscópio infravermelho do território aliado, mas parece que esse tipo de luz não é detectado a altura e distância em que o B-1 se encontrava. A tripulação do B-1 não avistou a luz aliada, confundiu soldados americanos com combatentes talibãs e jogou uma bomba neles.

Ou seja, mais uma história de bombardeiro de vôos elevados que lançou munições "certeiras" em um alvo que mal conseguia enxergar. Doze anos e meio após o primeiro bombardeio acidental de grande visibilidade, as tropas americanas ainda morrem por falta de um melhor ataque aéreo.

Embora o Congresso não tenha sido capaz de perceber o valor de aviões A-29 no Afeganistão, o Pentágono começou a se dar conta de que devolver a guerra às forças governamentais afegãs talvez fosse uma ação-chave.

Enquanto unidades americanas combatiam o Talibã em 2010, os Estados Unidos deixavam o Iraque e buscavam oportunidades para ir embora do Afeganistão. Diferentes prioridades de aquisição e uma hostilidade retumbante por parte da Marinha e da Força Aérea deixaram o A-29 vulnerável a embates políticos. O projeto Fúria Iminente morreu nas mãos de uma comissão do Congresso, em 2010.




Além disso, um dos defensores mais ferrenhos do projeto Fúria Iminente, o general Stanley McChrystal, foi forçado a se aposentar por conta de seus comentários em uma entrevista com a revista Rolling Stone, cerca de uma semana depois que o Congresso acabou com o programa do A-29. Assim, silenciaram o único defensor do projeto com poder político o bastante para ressuscitá-lo. No meio da turbulência que sucedeu a demissão de McChrystal, o projeto Fúria Iminente passou despercebido e caiu em esquecimento.

Ninguém comprou a briga. Um antigo piloto do projeto Fúria Iminente conta, em tom jocoso, que a Força Aérea negou o Super T porque o avião "não carrega mísseis AMRAAM ou armas nucleares, e a Marinha não quis saber do avião porque não tem asas dobráveis nem gancho de parada".

Mesmo com a extinção do projeto Fúria Iminente, o Super T não deve ficar de castigo por muito tempo, pois os planejadores do Pentágono perceberam que pode ser o avião perfeito para os iraquianos e afegãos pilotarem por conta própria.

O Pentágono decidiu que a jovem Força Aérea do Afeganistão precisava de uma "aeronave leve de suporte" para prestar assistência às tropas terrestres do país depois que os americanos fossem embora. O Super Tucano voou em missões de combate contra as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia e provou seu valor em testes. No entanto, o Congresso não conseguiu escolher entre o A-29 ou uma aeronave concorrente, uma versão armada do avião de treinamento da Beechcraft Corporation, intituladoo AT-6B.

Embora a Força Aérea dos EUA não bote fé na ideia de americanos comprando e pilotando o A-29 no Afeganistão, na hora de prover o mesmo avião à Força Aérea afegã, a organização apresentou avaliações positivas do caça e chegou a descrevê-lo como "item indispensável para o sucesso operacional e estratégico" do Afeganistão.

"O 'custo' do atraso é maior do que um cálculo em dólares e centavos", lê-se numa nota da Força Aérea, de 2013. "Neste caso, o prolongamento do atraso em lacunas de capacidade pode significar a perda de vidas militares e civis."

Quando perguntaram a Pierre Sprey, ex-oficial do Departamento de Defesa, se o Super Tucano poderia ter ajudado as forças terrestres americanas ao preencher a lacuna deixada pela escassez de aviões A-10, ele respondeu: "Nossa, sem sombra de dúvida".

"Pelo menos, o A-29 pode chegar perto o bastante para ver onde estão os aliados, e não os bombardear. O suporte próximo demanda atenção a mudanças constantes, de minuto a minuto, no meio de tiroteios", disse ele. "E se você não estiver perto o bastante para ver onde estão as baforadas de fumaça das metralhadoras inimigas, vai acabar matando aliados."

O Super Tucano, de vôo baixo e vagaroso, fabricado no Brasil, com acabamento na Flórida, começou a chegar à base da Força Aérea dos EUA em setembro de 2014, para que pilotos americanos possam treinar afegãos a pilotá-los. Nos campos de batalha do país asiático, forças afegãs aliadas esperam pelo suporte aéreo prometido, prontas para começar a aprender a conduzir o avião por conta própria, na expectativa de impedir uma catástrofe militar como a que acometeu o Iraque.

A Sierra Nevada está se preparando para fornecer mais Super Tucanos. Os aviões não ajudarão soldados americanos, mas provavelmente desempenharão um papel de auxílio na batalha dos afegãos contra o Talibã. Enquanto isso, o AT-6B está em fase de produção também — para ajudar a Força Aérea do Iraque a lutar contra o Estado Islâmico.

Concluimos esta história com o auxílio de Centro de Jornalismo Investigativo Toni Stabile, da Faculuidade de Jornalismo da Universidade Columbia.

Tradução: Stephanie Fernandes



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