domingo, 13 de maio de 2018

Apoio Aéreo Aproximado (Close Air Support - CAS) *147



Relativamente desconhecida do público em geral antes das guerras do Iraque e do Afeganistão, esta missão existe desde dos primórdios da aviação. Mas o que é o CAS? como é vista pelos pilotos e por aqueles que se beneficiam dela, as forças terrestres? Estas perguntas ajudam a entender o que realmente é esta missão e ajudam a dissipar alguns mitos que a cercam.


O apoio aéreo aproximado (close air support - CAS) é o nome dado à missão ar-terra executada por aeronaves que estão próximas à forças terrestres amigas, geralmente a pedido e em proveito destas, e com integração detalhada a cada movimento com o fogo e a manobras destas forças. Qualquer aeronave que possa empregar munições pode prover apoio a forças no solo, sejam balões de ar quente na Primeira Guerra Mundial aos atuais vetores estratégicos como os B-1Bs dos EUA, se puderem prover artilharia de qualquer tipo à tropa no solo esta missão caracteriza-se como CAS.


Esta afirmação se faz importante porque muitos pensam que somente aeronaves como os Thunderbold A-10 e seus semelhantes são capazes de executar este tipo de missão. Enquanto estas aeronaves tenham sido concebidas para esta missão e a desempenhem com proficiência, não são as únicas capazes de fazê-lo, e sua atuação representa um pequeno número nas missões desta natureza que acontecem nos dias de hoje.


O CAS é uma das poucas missões igualmente executadas por todas as forças. A instrução JP 3-09.3 é a bíblia do CAS paras as forças dos EUA. Apesar da US Navy e a USAF, de forma anacrônica, divergirem tanto na forma como veem a tática, provavelmente aquecidos numa fogueira de vaidades, quando se trata do CAS os pensamentos convergem para um mesmo objetivo comum. Os helicópteros do US Army não são considerados como atores de CAS, e sim com elementos de manobra, assim como um carro de combate ou uma peça de artilharia, embora em última análise o sejam, mas como são tripulados por integrantes da tropa apoiada e pensam como esta, não precisam de controladores qualificados para realizar seus fogos.

Existem três elementos chave em uma missão de CAS: o comandante da tropa em terra, o controlador aéreo avançado (FAC nos US Marines e JTAC nos US Army/ Navy/ Air Force) e os elementos aéreos de apoio (aeronaves). O comandante terrestre é o responsável pela manobra das forças no solo e determinante dos movimentos e objetivos desta, sendo a sua intenção o objetivo dos fogos de CAS, e estes executados a partir de sua determinação. O FAC é o representante deste comandante junto aos pilotos, aquele que entende as duas linguagens, e sua função é traduzir as intenções deste comandante terrestre nos procedimentos de fogo aéreo praticado pelas aeronaves de apoio.




Os FACs atuam integrados com as unidades terrestres, em terra ou em aeronaves de observação e fazem a ligação entre estes "dois mundos", transformando demandas táticas em fogos de apoio, tal qual um observador de artilharia de campanha, guardadas as proporções. Cabe aos FACs coordenar a chamada "pilha", quando várias aeronaves CAS estão presentes acima da área de operações em altitudes desconectadas, e em condições de executarem a mesma missão, através da marcação de alvos e autorizando aos elementos aéreos liberarem suas "warheads" e fogos de rajada, sempre em estreita sincronização com o comandante da manobra (comandante terrestre).


O CAS é uma missão dinâmica e de ocasião, geralmente desempenhado por aeronaves que estão sobrevoando a área de operações com esta finalidade, mas sem nada planejado especificamente. Não se sabe quais alvos aparecerão, nem se tem rotas específicas de entrada e saída, apenas aguardando-se o chamado do FAC. É a missão aérea mais fácil de se planejar, apenas sabendo qual os prováveis tipos de munição que se irá utilizar e as regras de engajamento do momento.


Esta missão se apresenta de duas formas básicas: Por demanda ou pré-planejada. Em uma missão pré-planejada a aeronave decola já sabendo quais serão seus alvos, como por exemplo um comboio a cavaleiro de uma via de importância tática e que tem relação com a manobra amiga. Nestas missões se está apoiando uma operação específica e não se decola com a garantia de que as armas serão usadas, apenas se está lá para ser usado conforme a conveniência desta missão. 

Nas missões por demanda as aeronaves aguardam em um aeródromo próximo ou sobrevoam a área de operações ou suas adjacências, nada específico existe e se faz parte da "pilha", atuando como uma força de reação rápida com seus fogos endereçados a alvos que forem convenientes ao comandante da manobra, que poderão ser alterados de forma dinâmica.




Por fazerem uso de armas genéricas, as missões de CAS demandam planejamento mínimo, são as missões aéreas mais fáceis de serem planejadas e podem ser executadas por qualquer aeronave, desdo os vetores mais especializados como o A-10 Thunderbolt II e o Su-25, até os bombardeiros estratégicos como os poderosos B-1B, dada a sofisticação de suas suítes eletrônicas. As armas mais usadas são as bombas guiadas por GPS ou laser, as de emprego geral e os mísseis ar-superfície, além dos canhões orgânicos. A seleção das armas a serem empregadas é resultado da experiência do FAC e a disponibilidades destas para serem empregadas nos cabides das aeronaves.

É comum  a ideia de que CAS é uma missão de cenários de baixa ameaça, como as campanhas na Síria, Iraque e Afeganistão; onde os meios aéreos circulam livremente sem se preocuparem com complexas malhas de SAMs de médio e longo alcance e baterias de alto desempenho, onde predominam os MANPADS e as armas leves. Porém nem sempre esta situação se materializa e as tropas estão operando em "zonas quentes", onde missões SEAD e táticas especiais se fazem necessárias.


CAS em áreas de alta ameaça é um negócio de risco, como em hipotéticos conflitos envolvendo a OTAN, o Japão, a China, as Coreias do Norte e do Sul e a Rússia, entre outras. Sejam quais forem as dificuldades ou o cenário, no entanto os atores tendem a se adaptar, e os vetores engajados nestas missões certamente não serão deixados em seus aeródromos, principalmente àqueles mais especializados.




Fazendo Fogo


Uma missão CAS começa no seu centro de operações de apoio aéreo, onde os pilotos tomam ciência sobre a missão ou prováveis missões, a situação e as unidades que apoiarão. Informações sobre o voo e outras aeronaves na área poderão ser passadas. A medidas que as aeronaves se aproximam do objetivo trocarão a frequência do controle de voo para a frequência dos FACs e passarão a fazer um "check-in" junto a estes. Os FACs estabelecerão as regras de engajamento e orientarão os pilotos a se integrarem a "pilha" de aeronaves que estão disponíveis na área, determinando uma altitude de espera se for o caso e um circuíto a cumprir, ou autorizarão que se entre em ação imediatamente.

Em cenários movimentados poderá haver uma grande quantidade de aeronaves na área de operações em condições de prestar apoio CAS, que podem ser desde RPVs, passando por aeronaves de ataque ao solo especializadas e de apoio aproximado, até bombardeiros estratégicos e aeronaves singulares como o AC-130.

O piloto ao aproximar-se da zona de combate passa ao FAC um "briefing" onde informa seu número de missão, número e tipo de aeronave, posição e altitude, munição e sensores disponíveis, tempo que pode permanecer a disposição e o indispensável código de aborto. Este código permite ao FAC interromper de forma rápida e eficaz um bombardeio iminente e autorizado quando se constata que não deve acontecer.

O FAC por sua vez passará aos pilotos sua informações como a situação geral, os alvos presentes e os objetivos pelos quais as forças em terra estão operando, os tipos de ameaças e seus locais prováveis ou conhecidos, como MANPADS, baterias de tubo e SAMs de maior porte e suas altitudes de segurança, as posições amigas e outras informações e restrições vigentes.

De todas elas a informação mais relevante são as posições das forças amigas, as quais as aeronaves devem apoiar, e garantir sua segurança é fundamental. Todo piloto de CAS deve, sempre que o tempo permitir, fazer um sobrevoo visual sobre elas para certificar-se que seus fogos serão endereçados para longe delas. A noite esta tarefa é ainda mais fácil para aqueles que dispões de NVGs, especialmente se as tropas estiverem empregando marcadores infravermelhos estroboscópicos para marcarem sua posição. Se esta checagem não for possível os pilotos irão proceder a marcação destas posições em seus mapas e tentar obter confirmação visual através dos sensores da aeronave.

Em cenários tanto de alta ameaça como de baixa, os pilotos irão obedecer pontos de retenção longe do alvo, sendo que na maioria das operações modernas as aeronaves orbitam sobre o alvo em altitudes de segurança. O tipo de órbita depende do tipo de aeronave: Os F-16 da USAF, por exemplo, orbitam a direita porque seus pods Litening estão montados no queixo direito desta aeronave, enquanto nos Hornet da US NAVY a órbita se dá no sentido inverso devido a disposição de seu sensor ATFLIR. As distâncias ainda são variáveis de acordo com a velocidade e as características da aeronave, com uma ou cinco milhas, por exemplo, e as altitudes dependem dos limites de segurança e da "pilha" existente.

Um grande mito das missões CAS é que suas aeronaves devem voar baixo e serem lentas para serem eficazes. Com os sensores modernos os pilotos podem estar muito longe e muito altos e mesmo assim serem eficazes. Pode-se lançar um bombardeio, mesmo estando acima de vetores mais lentos como UAVs e helicópteros, com eficácia e segurança. Acima dos três mil metros as aeronaves ficam foram da zona de engajamento da maioria dos MANPADS e das armas leves, além de chamar menos atenção em missões que envolvem o sigilo. Evidente que este perfil de missão só é possível a aeronaves e "warheads" de alta tecnologia, que sejam seguramente precisas e não coloquem em risco as tropas amigas.

Uma vez dentro do circuito, o líder e seu ala se separarão, com o líder concentrado na manutenção do circuito e o ala no objetivo de solo, geralmente em altitudes levemente diferentes, usando o rádio ou mais recentemente o datalink para desengajar. 


O FAC dispõem de 3 modos de controle, sendo que no primeiro ele vê tanto a aeronave quanto o alvo durante todo o ataque para assegurar-se que os fogos estão sendo endereçados ao objetivo correto; no segundo modo ele visualiza somente o alvo ou o piloto, e depois que o piloto transmitir seu "pronto", o FAC replicará com a indicação de que o alvo está frente e o fogo está liberado. No terceiro modo o FAC não visualiza nenhum deles e o usa para bombardeiros longe das forças amigas e transmite ao piloto que a área está livre para engajamento. 





O piloto por sua vez conta com 2 modos de ação indicados pelo FAC: no primeiro o FAC passa coordenadas precisas ao piloto, que as alimenta em seus sistema de fogo para liberar armas de precisão nestas coordenadas. No outro modo as coordenadas não são precisas e o piloto deve conferir visualmente ou por sensores onde soltará suas bombas.



Informações poderão ser trabalhadas de várias formas, conforme a doutrina de cada força. Um conjunto normalmente usado são o ponto inicial (PI) para a corrida, o indicativo do alvo, a distância de algum ponto de referência que pode ser a própria aeronave, a direção a ser tomada, as coordenadas na forma de latitude e longitude, a altitude do alvo, a posição do alvo plotada em um sistema de referência militar, a forma de marcação (fumaça por exemplo), a distância mínima a partir da tropa amiga, o ponto de regresso (onde deverá estar após o ataque) de onde retornará ao aeródromo ou ao circuíto de espera.

O FAC é a autoridade máxima durante o ataque e será responsabilidade dele a segurança da tropa amiga, cabendo-lhe estabelecer a linha de segurança a partir da qual o bombardeio poderá se dar, bem como as restrições que devem ser observadas, como armas autorizadas, tempo de ataque e horários-limite. O alvo também poderá ser usado como referência, como a pista de um aeródromo por exemplo, onde a cabeceira da pista serve de ponto de partida para cálculo do ponto de impacto. Se sistema inteligentes estiverem disponíveis a introdução das coordenadas do alvo no sistema, facilita em muito o trabalho dos bombardeiros. Sistemas com Datalink pode dar a visão do piloto ao FAC, e se este estiver usando designadores laser ou IR será como se fosse um tiro direto. Palavras chave como ""contato" ou "visual" também podem ser usadas, deixando claro o status da operação naquele momento, evitando confusão entre o que é alvo e o que é tropa amiga.


Uma vez o ataque definido caberá ao lider (piloto) determinar as regras entre as aeronaves da esquadrilha (ou com o ala). As comunicações passam a ser entre estes, o lider se assegura que seus parceiros estão em sintonia com a missão que foi definida, passando a regras do ataque. Os dois (ou mais) bombardearão ou um bombardeará e o outro proverá cobertura mantendo-se em órbita? que armas usarão e que métodos (provavelmente já definidos), bombardearão juntos ou em intervalo de quantos segundos? de que forma desengajarão para evitar colisão ou ameaças em terra?


Apesar de parecer um processo complicado, e é, tripulações treinadas executam rapidamente, sendo treinamento e prática constante essenciais, estando os pilotos especializados mais capacitados (como os de A-10 e AC-130) a este tipo de operação. Sistemas montados no capacete (HMD) são especialmente úteis neste tipo de missão.


Uma vez completa esta fase de designação o piloto iniciaria sua corrida, transmitindo ao FAC uma mensagem com seu codinome, a designação do alvo, o modo de ataque e se tem as tropa amigas no visual ou não, por exemplo. O FAC responderia para que ele se mantivesse na corrida (não liberado) ou que o "fogo está liberado", geralmente em jargão próprio, o que dá segurança às mensagens. As coisa então acontece rapidamente, e neste momento palavras-chave são "mágicas". Ao iniciar a recuperação, o FAC procurará observar se alguma ameaça tipo MANPADS não foi disparada, alertando o piloto. Informará também se necessário uma segunda passagem ou se pode retornar ao "circuíto" e próximo alvo. A sequencia se repete até que a aeronave fique sem munição ou combustível, ou ainda atinja um horário determinado. O fator psicológico é alto, pois o piloto pode ouvir pela fonia do FAC o fogo sendo trocado, e sente que seu apoio é importante, desejando fazer o que está ao seu alcance para aliviar a ameaça inimiga.


Finalizada a missão, o FAC transmite todos os detalhes possíveis (debriefing) para que os pilotos levem a informação de volta à base. Os pilotos, sabendo que as tropas vão continuar lá lutando, farão o máximo para voltarem o quanto antes para dar continuidade ao apoio. As missões de CAS são muito variadas e dinâmicas, nenhuma sendo igual a outra.





Missões Complementares

O CAS, no entanto, não é só bombardeio puro e simples, e pode envolver, por exemplo, voo de intimidação. As vezes o bombardeio não é alternativa como numa área povoada e a realização de voos rasantes podem fazer o inimigo a "sentir a morte" vinda de cima,  desistindo de lutar ali. Esta prática também pode servir para reforçar a moral das tropas amigas, potencializando sua vontade de lutar. Não requer interação com o FAC.


O passo seguinte é a demonstração de força, que deve ser coordenado entre o piloto e o FAC, e consiste no disparo de armas em alvos visíveis, no intuito de forçar a desistência inimiga. É usado em shows aéreos e pode funcionar como forte fator psicológico junto a insurgentes. Pode ser muito arriscado se houver a possibilidade da presença de MANPADS na área.


Outra missão que pode ser necessária é o CAS improvisado, onde alguém em terra solicitou apoio aéreo através de seu rádio sem ter as devidas qualificações para tal. É uma prática perigosa e a possibilidade de fratricídio está presente em alto nível, porém pode ser a única alternativa. Neste caso os pilotos procuram fazer acontecer de uma forma mais lenta, passo a passo, porém sem deixar o pessoal no terreno sem apoio, de forma a mitigar o risco de atingi-los involuntariamente.


Mais recentemente temos as missões CAS digitais onde todo o processo se dá via software e datalink, com coordenadas precisas e liberação de armas pelo sistema. Os FACs podem visualizar o que o piloto vê, armas podem ser lançadas de grande altitudes, com mau tempo em em terreno cobertos. O risco ainda existe, pois pode-se por exemplo inserir um coordenada imprecisa e chamar o fogo para cima de si, pois nenhum sistema é perfeito. Neste caso, como nos outros, o treinamento é chave do sucesso.


Qualquer aeronave pode fazer CAS, e a eficiência de cada uma estará diretamente relacionada a quem as opera. Aeronaves especializas em CAS são operadas por tripulações (pilotos e FACs) igualmente especializados, e estes farão a diferença. Então tanto faz seu temos um A-10 ou um F-35, as pessoas e seu treinamento ditarão a eficiência de cada missão. 



Veja também: CAS: Qual a aeronave certa?



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