sábado, 22 de setembro de 2012

Africa Korps - Logística no Deserto 043

Norte da Africa, 1942


Um deserto pedregoso, sem água, onde pequenas elevações de rocha nua alternavam com extensos areais, sob impiedoso sol africano - esse era o terreno da frente de Alamein em 1942.

Aí estavam, frente a frente, duas lendas: Rommel, "a Raposa do Deserto" e o Gen Sir Bernard Montgomery, talvez o general inglês de maior prestígio na II GM. A guerra no norte da África iniciou-se com a declaração de guerra da Itália fascista contra a Grã-Bretanha e França, em junho de 1940. A Itália declarou a guerra despreparada para a luta, tanto em termos de recursos para a guerra quanto em termos de vontade nacional. 

O governo fascista e as Forças Armadas estavam cientes disto, mas Mussolini acreditava que em poucos meses seu aliado, Hitler, teria facilmente derrotado a Inglaterra e a França, como tinha feito com a Polônia. Assim, aproveitou a oportunidade para juntar-se à guerra a tempo de obter para si o máximo de resultados com o mínimo de esforços. 

Ele não considerou a capacidade férrea de resistência de seus inimigos. O primeiro embate entre italianos e ingleses deu-se na fronteira entre a Líbia (então colônia italiana) e o Egito (sob protetorado inglês). O Exército italiano, liderado pelo Marechal Graziani, após uma invasão inicial bem sucedida do Egito, foi duramente batido pelos ingleses, que conquistaram a Cirenaica, impondo-lhe pesadas perdas. 



A situação italiana tornou-se crítica, fazendo com que a Alemanha enviasse uma Força Expedicionária, denominada por Hitler "Afrika Korps", equipada com o mais moderno armamento disponível, a fim de reforçar as forças italianas. O Afrika Korps chegou em fevereiro de 41, comandado pelo Gen Erwin Rommel, mais tarde chamado de "Raposa do Deserto" pelo seu extraordinário gênio tático. 

Em março, as forças do Eixo retomavam a ofensiva para a reconquista da Cirenaica. Bengazi foi capturada em abril e Tobruk, cercada em seguida. Os britânicos, sob o comando do Gen Auchinleck, retiraram-se me direção ao Egito, enquanto a guarnição de Tobruk resistia. Em novembro, a ofensiva trocou de lado, com Auchinleck forçando a retirada de Rommel e retomando a Cirenaica. 

A chegada de um grande comboio marítimo de suprimentos no início de 1942 mais uma vez mudou a maré da campanha, permitindo a Rommel que retomasse Bengazi e conquistasse Tobruk. Esta grande ofensiva tinha o propósito de retomar o território italiano e, mais importante do que isto, permitir às forças do Eixo a conquista de Cairo e a chegada ao Canal de Suez, dividindo o Império Britânico no Oriente Médio.


Se tivesse obtido êxito, talvez Hitler houvesse sido vitorioso. O avanço ítalo-germânico chegou a cerca de 100 km de Alexandria, em julho de 1942. Neste ponto há, até hoje, um marco que assinala o ponto extremo oriental do seu avanço; nele está inscrito: " Mancò la fortuna, non il valore." (Faltou-nos a sorte, não o valor) As extensas linhas de suprimento e a exaustão e desgaste impostos às tropas alemãs forçaram-lhes que parassem. A linha, então, estabilizou-se na região de El Alamein. Ambos os contendores estabeleceram posições defensivas frente a frente, desde o Mediterrâneo até a Depressão de Qatara, situada a cerca de 40 milhas para o interior, a única posição no deserto ocidental que não podia ser flanqueada. 

Neste ponto, Hitler e Mussolini cometeram um grande erro: decidiram avançar em direção leste, ao invés de tomarem a ilha de Malta. Assim, o Afrika Korps não podia ser convenientemente suprido em função dos ataques das aeronaves britânicas baseadas naquela ilha, cortando suas principais rotas navais da Itália para a África. Preparativos chegaram a ser feitos no sentido de tomar a ilha através de um assalto aeroterrestre, mas os dois ditadores preferiram adiar o ataque em função do prosseguimento da "corrida para as pirâmides". Em 25 de agosto, Rommel atacou o flanco sul das posições em Alam el Halfa com 10 divisões, das quais 4 blindadas (2 alemães e 2 italianas). Montgomery, substituto de Auchinleck, possuía, então, sete divisões, das quais duas eram blindadas. 

A luta foi intensa, mas os britânicos conseguiram manter suas posições. No entardecer de 2 de setembro, ante a deficiência de combustível para o prosseguimento, Rommel iniciou a retirada de suas forças, voltando à linha original, após sofrer pesadas baixas. Monty não o persegue, preferindo reorganizar suas forças e melhorar seus desempenhos através de treinamento tático. Foi a última vez que a Raposa do Deserto teve a iniciativa das ações.


Estes combates diminuíram seriamente o poder de combate dos alemães. Enquanto os britânicos recebiam constantes reforços, os ítalo-germânicos não conseguiam repor as pesadas perdas sofridas desde o avanço desde Trípoli até El Alamein. As forças do Eixo eram formadas de veteranos experientes, mas os rigores do deserto faziam-se sentir. Em 20 de outubro, tudo estava pronto para a batalha de El Alamein. Desta vez, Montgomery possuía o equivalente a 11 divisões (das quais, três blindadas). Rommel tinha 13 divisões (4 blindadas), das quais quatro eram alemães. Estes números podem confundir, no entanto: as divisões britânicas estavam completas (cerca de 16.000 homens), enquanto as de Rommel tinham em média somente 7.000 homens. Em 23 de outubro, a batalha começou. 

A SITUAÇÃO LOGÍSTICA

Enquanto estas ações se sucediam, o fluxo de suprimentos através do Mediterrâneo destinado aos ítalo-germânicos diminuía para um total de apenas 6.000 toneladas mensais, o que representava somente um quinto das necessidades normais. 

Três quartos dos navios carregados de suprimento eram afundados pela RAF ou pela Marinha Britânica. O Afrika Korps via-se na impossibilidade de estocar suprimentos para a futura batalha decisiva. A RAF tornara-se em muito mais poderosa do que a aviação alemã no Norte da África, ante a falta de recompletamentos. Hitler necessitava de todos os aviões de que podia dispor para enviar para a frente russa. Malta reconquistara sua importância como base da qual partiam os ataques contra os comboios entre a Itália e o Norte da África, pois a maioria dos comboios partia da Sicília rumo a Bengazi, principal porto de desembarque para as forças do Eixo.

Esta rota passava a distância muito favorável aos ataques aéreos partidos da ilha. Para agravar esta situação, os britânicos passaram a dispor do sistema Ultra, capaz de decriptografar as mensagens do Eixo, obtendo, assim, valiosos dados referentes aos seus comboios navais de suprimento.


Rommel não tinha pendores para a logística: esta não estava entre as suas primeiras preocupações. Em conseqüência, deixou de considerar importantes aspectos no seu planejamento, como a exiguidade das capacidades dos portos que lhes serviam e da rede de estradas para o front. O porto de Tobruk era muito reduzido. Disto resultavam os infindos comboios de viaturas de suprimento entre os portos e a posição de El Alamein, constantemente ameaçados pela RAF. 

Estes comboios rodoviários não só consumiam grande quantidade de combustível, como também requeriam excessivo número de viaturas. As distâncias por rodovia até a linha de frente eram de 330 milhas de Tobruk, 600 milhas de Benghasi e 1200 milhas de Trípoli. Em oposição, as linhas de suprimento dos britânicos não mediam mais de 55 milhas de Alexandria e pouco mais de 200 milhas de Suez. Qualquer apreciação estratégica sensata da situação em agosto de 1942 conduziria à compreensão de que não haveria melhora na frente africana enquanto a base aeronaval de Malta não fosse neutralizada. 

E Hitler opunha-se veementemente a qualquer operação contra a ilha, em especial por não confiar no apoio naval que receberia dos italianos. As tropas pára-quedistas previstas para a operação foram desviadas para serem empregadas como infantaria em El Alamein. 

Estas considerações faziam levantar a seguinte questão: a despeito do valor da posição de Alamein, com seus flancos perfeitamente seguros, não teria sido oportuna uma retirada, encurtando as linhas de suprimento de Rommel? Esta era a opinião do general, mas Hitler, de olhos fixos no Canal de Suez, opunha-se a qualquer idéia de retirada.

A crise logística era prevista por Rommel que, doente, passa temporariamente o comando de suas forças. A batalha pelos suprimentos já estava perdida. Os bombardeios da RAF hostilizavam dia e noite, as posições defensivas e vias de transporte alemães.


Por outro lado, os primeiros carros de combate Sherman, de procedência norte-americana começavam a chegar para equipar o VIII Exército Britânico, cuja maciça artilharia e inexaurível estoque de munições haviam aumentado em muito o poder de combate de Montgomery.

A LOGÍSTICA ALEMÃ

A introdução dos blindados no Exército alemão trouxera junto consigo o desenvolvimento de uma doutrina logística adaptada às novas forças. Entre estes novos princípios, destacam-se: 

  • o fato das divisões blindadas transportarem consigo combustível suficiente para 150-200 km de marcha, complementado, se necessário, pelo suprimento pelo ar para a vanguarda, feito por meio de camburões lançados de pára-quedas. 
  • o transporte de rações para três dias, respectivamente, nos carros de combate, nos trens de cozinha e no comboio de suprimento divisionário. 
  • oficinas móveis, que eram mantidas centralizadas à retaguarda das divisões. Isto representou um problema, já que impedia - ou, no mínimo, dificultava - 
  • o apoio cerrado, fazendo com que comandantes táticos muitas vezes tivessem de prosseguir em combate com uma redução de poder de combate em virtude os carros deixados para trás. 


Nenhum soldado alemão que tenha servido na África do Norte poderá jamais se esquecer da dieta padrão provida pelo exército - queijo em tubos, sardinhas enlatadas, salsichas, pão e legumes desidratados. Alimentos capturados constituíam-se em verdadeiro luxo. 

A água era purificada com o uso de tabletes químicos, que deixavam forte gosto. Era prática comum o fornecimento de vitaminas aos soldados, fato reforçado pela crença de Hitler no poder destas. 

Um dos mais sérios problemas sofrido pelos alemães foi a ação da poeira, bastante abrasiva, sobre o material bélico. Muitas vezes, era necessário limpar-se a munição antes de introduzi-la nos canhões.


Muitos motoristas dos caminhões de transporte de suprimentos dirigiram mais de 100.000 km durante a campanha. Sua tarefa principal era assegurar o transporte de munições, combustível e rações para linha de frente, trazendo de volta sobras não empregadas de munições. Estes motoristas sofreram pesadas baixas devido ao intenso bombardeio sofrido. Quase tudo tinha que ser transportado para a frente, incluindo água potável e lenha para as cozinhas móveis alemãs. O tráfego pesado ao longo de trilhas no deserto transformou-as em "rodovias de pó" de até 60 cm de profundidade. 

Cada divisão possuía sua coluna de transporte e suprimento, responsável pelo transporte desde os depósitos de retaguarda até a linha de frente. Unidades de suprimento de retaguarda ligavam os portos de desembarque a esses depósitos. 

As unidades médicas divisionárias desdobravam hospitais de campanha, postos de triagem, seções de ambulância e depósitos de medicamentos. Em um segundo nível estavam os hospitais de retaguarda. 

Quando a linha de frente estava em El Alamein, tornava-se ,às vezes, mais fácil evacuar os feridos mais graves diretamente para hospitais em Atenas, na Grécia ocupada. A evacuação aeromédica dos feridos de tórax, cabeça e abdômen era largamente utilizada, empregando-se aviões de transporte Ju52.  

Em El Alamein as condições de vida eram tão insalubres que a maioria dos evacuados nos meses que antecederam a batalha tratava-se de doentes e, não de feridos. 

A SUPERIORIDADE DO MATERIAL ALEMÃO

O fato de Rommel possuir material bélico muito mais avançado do que o do VIII Exército permitiu que a campanha durasse bem mais do que se poderia prever, pelo menos enquanto as quantidades eram equivalentes entre os contendores. 

Por exemplo, quando os britânicos lançaram a operação Crusader, em novembro de 1941, o VII exército era quantitativamente superior aos seus oponentes (118.000 contra 113.000 homens; 680 contra 390 tanques; 1000 contra 320 aeronaves). O que estes números não mostram é que um tanque britânico não equivalia a um Panzer, enquanto a aparente superioridade aérea era diminuída pela qualidade das tripulações britânicas. 

Somente por ocasião da Batalha de El Alamein os aliados possuíam material bélico em quantidade suficiente para equilibrar a vantagem técnica alemã. Duas armas em especial ocasionavam esta superioridade do Afrika Korps: os tanques panzer empregados nas 15ª e 21ª Divisão e os canhões anticarro.


Assim, no início da campanha, estas armas trouxeram um razoável aumento ao poder de combate alemão quando comparados aos britânicos, equipados com tanques Matilda e Grant. A inteligência britânica demorou a entender o peso desta diferença, até que os primeiros carros capturados foram enviados para testes na Inglaterra. 

Tornou-se, então, aparente que a blindagem frontal dos carros tornava-os quase invulneráveis aos tiros dos canhões anticarro ingleses. O canhão 88 antiaéreo alemão foi muitas vezes empregado como arma anticarro, com efeitos devastadores. 

A 2000 jardas, seus tiros penetravam a blindagem de qualquer carro britânico, o que os tornava uma arma extremamente letal. Rommel não recebeu um número suficiente destas armas a ponto de reverter o curso dos acontecimentos, mas seu emprego, com certeza prolongou a duração da campanha. Esta superioridade germânica ainda se fazia sentir no combate de Alam el Halfa. Em El Alamein, no entanto, o VIII Exército começava a receber os carros de combate Sherman, de tecnologia superior, além de maior quantidade de itens completos de todas as classes. 

A BATALHA SEM ESPERANÇA

Na noite de 23Out42, às 21:40 h, sob brilhante luar, a artilharia de Montgomery iniciou o bombardeio. O efeito foi devastador. A posição de Alamein tornou-se um inferno de arrebentamentos, fumaça e poeira. Às 22:00 h, as divisões de assalto do 13º e 30º Corpos iniciaram o ataque, abrindo corredores por onde a infantaria penetrava ao longo de toda a frente. 

Ferozes combates desenrolaram-se durante toda a noite. A falta de munição impediu que os alemães bombardeassem as posições de ataque britânicas no início do combate, poupando-lhes muitas baixas. A resistência ítalo-germânica foi tenaz, mas ao alvorecer as tropas de Montgomery haviam, na maioria dos casos, conquistado seus respectivos objetivos.

Dois corredores tinham sido abertos nos campos de minas e armamentos pesados britânicos estavam sendo carregados para a frente. As 1ª e 10ª divisões blindadas, com 700 carros, começaram a mover-se ao longo dos corredores. Logo em seguida, porém, foram detidas por eficientes fogos anticarro. Assim, o resultado inicial da operação foi que o VIII Exército havia conseguido romper a posição do Eixo, mantinha as brechas obtidas, porém os blindados não conseguiram aproveitar o êxito e atacar a retaguarda inimiga.



Durante o desenrolar da grande batalha, Hitler telefonou para o sanatório onde se encontrava Rommel, perguntando-lhe se tinha condições de reassumir o seu comando, no que foi prontamente atendido. A batalha foi encarniçada. Cada palmo do terreno era disputado. A falta de munições e combustível, contudo, impedia maiores êxitos de Rommel. 

A situação logística era desesperadora para os alemães em 26 de outubro. O único navio-tanque que poderia ter trazido algum alívio para os problemas de combustível foi bombardeado e afundado ao largo de Tobruk. Urgia que os blindados fossem concentrados, mas não havia combustível para tal. Assim, não lhes restava outra escolha senão o emprego parcelado dos carros contra as colunas britânicas. 

"Perderemos esta batalha, a não ser que a nossa situação logística seja imediatamente remediada", informou Rommel ao Quartel-General do Supremo Comando da Wehrmacht nessa noite. Os alemães esboçaram alguns contra-ataques com blindados, mas a falta de combustível limitava em muito seus movimentos. As forças blindadas estavam ficando imobilizadas no campo de batalha, o que permitiu a Montgomery batê-las parceladamente. 

Em 28 de outubro, todos os cruzadores e contratorpedeiros foram mobilizados para transportarem combustível para a África. No entanto, este suprimento foi desembarcado no porto de Bengazi, a vários dias de distância da frente. Em 29, Rommel, ante a total superioridade britânica, decide solicitar a Hitler permissão para retrair para uma posição mais à retaguarda, no Passo de Fuka, evacuando todas as forças que conseguisse. Para tal, determina que sejam reconhecidas as novas posições mais à retaguarda. 

Montgomery alternava seus esforços com objetivo de romper o dispositivo inimigo ora para o Norte, ora para o Sul. Rommel contra-atacava com os meios que possuía, cada vez mais debilitados. Travava-se uma batalha de blindados das mais violentas da história. Em 03 de novembro, finalmente, Hitler responde a Rommel, determinando que permanecesse na posição aguardando reforços e suprimentos a serem entregues pelos italianos. "Não podereis indicar às vossas tropas outro caminho senão o de vencer ou morrer." Neste dia, lê-se no diário de Rommel: "O que necessitávamos eram caminhões, gasolina, aviões; o que não precisávamos eram ordens para defendermo-nos a todo custo" As ordens para o retraimento que já estavam em execução foram canceladas.



Era o que faltava para a destruição final do "Afrika Korps". Em 05 de novembro, Rommel, decidindo desobedecer às ordens de Hitler, decide retrair com o que fosse possível. Mas estas horas de retardo custaram-lhe toda a sua infantaria, bem como grande quantidade de blindados e caminhões. Esta perda representaram a incapacidade de deter o avanço de Montgomery para a Cirenaica, província que havia mudado de mãos quatro vezes em dois anos. 

Em 08 de novembro, a Força Expedicionária Norte-Americana, sob o comando do Gen Eisenhower, desembarcava no Marrocos e na Argélia, tendo como objetivo a Tunísia. A Operação Torch colocava, então, Rommel entre dois fogos. Era o chegado o fim do "Afrika Korps". 

Nenhum comentário:

Postar um comentário