sábado, 22 de setembro de 2012

Falklands/ Malvinas - O Desastre de Bluff Cove *044

Ilhas Falklands/Malvinas 1982

Robert S Bolia


Considerando-se a localização das Ilhas Malvinas, poderia supor-se que os planos de invadir ou defendê-las exigiriam operações combinadas. Esta expectativa foi certamente confirmada quando argentina invadiu as Ilhas em 1982 e, quando uma semana depois, o Reino Unido deslocou uma força-tarefa combinada para retomá-las.

A guerra em si constou de uma série de operações combinadas por parte da força-tarefa britânica, muitas das quais foram bem-sucedidas, incluindo desembarques anfíbios, fogo de apoio naval as operações de infantaria e a infiltração de Forças Especiais através de helicópteros e navios. O objetivo deste estudo é discutir uma das operações combinadas da guerra que teve menos êxito — o desembarque anfíbio dos Welsh Guards em 8 de junho de 1992 em Fitzroy — e avaliar até que ponto os fracassos nas “operações combinadas” por parte das forças britânicas, foi o motivo do desastre subseqüente.

As relações entre a Marinha Real e o Exército britânico — representadas pelos soldados da recém formada 5ª Brigada — eram tensas. Uma razão para isto era a percepção que o Exército havia se infiltrado na guerra somente para acumular mais glória, apesar de estar mal preparado para enfrentar o tempo de inverno do Atlântico Sul e a natureza das operações anfíbias. O Comodoro Michael Clapp, o qual tinha supervisionado os desembarques quase perfeitos executados pela 3ª Brigada de Comandos foi especialmente crítico: 

" O que não apreciei ... foi a falta de entendimento das operações combinadas por parte da Brigada do Exército nem as praticamente inexistentes comunicações que converter-se-iam em um constante problema para essa Brigada. O General Tony Wilson (Comandante da 5ª Bda) e seu estado-maior não deveriam ser os únicos culpados pela ineficiência. Em primeiro lugar, a demora no envio dos reforços, baseando-se na pressuposição que qualquer plano para voltar a capturar as Ilhas fracassaria, sugere que o EM do Exército não desejava ser parte desse suposto desastre. Em segundo lugar, quando a Brigada foi deslocada, 2 de suas 3 maiores unidades de manobra não a acompanharam; não tinha nenhum apoio logístico e muito pouco treinamento e, certamente, nenhum treinamento em operações combinadas Marinha/Exército ou anfíbias. O fato de que deviam combater sem estabelecer uma guarnição militar em uma das operações militares mais complicadas em um inverno subantártico deveria ter sido uma surpresa desagradável para o EM do Exército." 
     
É possível que o ponto de vista de Clapp tenha sido influenciado pelo comportamento dos soldados da 5ª Brigada a bordo dos transportes nas águas de San Carlos, onde adquiriram notoriedade devido à sua falta de ordem e disciplina, além de sua inclinação para roubar os pertences pessoais dos marinheiros.

Um oficial do Exército escreve: 

" A Marinha estava acostumada a ter a bordo os membros do Real Corpo de Fuzileiros Navais e outros boinas verdes integrantes das Forças de Comandos. Portanto, eles presumiram que os Welsh Guards seriam iguais — ou pelo menos similares. Logo ficou claro que, para os marinheiros com maior experiência, os Welsh Guards não estavam tão bem preparados como precisavam estar. Depois de confusões e dificuldades, os soldados no navio Intrepid desembarcaram, porém o navio teve de voltar pouco tempo depois para recolhê-los. Esta situação foi muito trabalhosa porque empregou embarcações de desembarque mecanizadas para transportar as tropas novamente a bordo, para um navio que era difícil de operar em condições normais. Os marinheiros ficaram assombrados com a condição dos Welsh Guards após somente uma noite no terreno. Eles estavam molhados, sujos, miseráveis e obviamente ineficazes. Os marinheiros compararam os Guards com o Real Corpo de Fuzileiros Navais, que mesmo depois de árduos exercícios regressam a bordo em ordem e em boas condições físicas, embora as marcas de suas botas deixem rastros de lama no navio limpo."


A falta de disciplina e de adestramento anfíbio da Brigada do Exército associada com a escassez de comunicações, causaram baixas devidas ao fogo amigo. O primeiro incidente dessa natureza ocorreu na noite de 5 de junho, quando o navio HMS Cardiff abateu, por engano, um dos helicópteros Gazelle da 5ª Bda. Pelo menos 4 fatores contribuíram para o acidente: 

  • a 5ª Bda não estava acostumada a operar com a Marinha Real, e não dispunha de um oficial de ligação naval; 
  • a 5ª Bda deixou de enviar informações sobre o vôo para o QG do General Moore para que a Marinha Real fosse informada; 
  • o Contra-almirante Woodward não informou nem as Forças Terrestres (Moore) nem ao Comandante da Força-Tarefa Anfíbia (Clapp) que o Cardiff  havia preparado uma emboscada para aeronaves de transporte argentino C-130 que haviam estado realizando vôos noturnos de ida e volta até o continente; e
  • o sistema de identificação amigo ou inimigo (IFF), do Gazelle estava desligado, porque estava interferindo nos outros instrumentos eletrônicos a bordo do mesmo. 


O Cardiff detectou a presença do Gazelle por meio do radar e baseado em sua velocidade e direção supôs que era um dos C-130. Como o comandante não esperava encontrar aeronaves amigas em sua área, abateu o helicóptero empregando o sistema de mísseis antiaéreo Sea Dart do Cardiff.



A falta de coordenação e cooperação apropriadas entre o Exército britânico e a Marinha Real também foi a responsável pelas baixas infringidas pelo inimigo que, de outra maneira, poderiam ter sido evitadas. Esse fato foi mais evidente nos eventos que resultaram no bombardeamento dos navios de desembarque logísticos Sir Galahad e Sir Tristam pelos argentinos. 

Os problemas começaram antes que a 5ª Bda chegasse às ilhas. Enquanto se encontravam em rota, a 3ª Brigada de Comandos havia desembarcado em San Carlos e consolidado ali suas posições. Uma semana depois o 3º Batalhão Paraquedista e a 45º Batalhão de Comandos começaram sua marcha em direção a Porto Argentino enquanto o 2º Batalhão Paraquedista marchou para o sul para assaltar as posições em Pradera del Ganso.

Ao aproximar-se o dia 31 de maio — um dia antes da 5ª Bda desembarcar em San Carlos — três batalhões da 3ª Bda de Comandos estavam em Monte Kent, uns 25 quilômetros da capital. Dos dois batalhões restantes o 2º Batalhão Paraquedista ainda se encontrava na Pradera del Ganso, executando operações de limpeza depois de derrotar e capturar a força argentina naquele local; o 40º Batalhão de Comandos estava entrincheirado em San Carlos, pronto para defender a cabeça de praia caso fosse necessário. 

Isso deixou o General Jeremy Moore, Comandante das Forças Terrestres nas Ilhas com uma decisão a tomar. Deveria trasladar as unidades restantes da 3ª Bda de Comandos para frente, deixando a 5ª Bda para proteger a cabeça de praia e atuar como reserva, ou deveria abrir o eixo de progressão ao longo da costa sul da Ilha de Soledad, enviando a 5ª Bda para assumir posições no flanco direito, antes de executar a impulsão final contra Porto Argentino? 




Existiam sólidas razões militares para justificar a primeira opção. A 3ª Bda de Comandos era uma unidade com muita experiência, tendo treinado em conjunto durante muitos anos. Os membros da unidade estavam melhor adaptados às condições climáticas locais devido tanto à sua estadia mais prolongada no teatro como também aos anos de adestramento na Noruega. 

Estavam, além disso, posicionados à frente e prontos para combater — na verdade, o 2º Batalhão Paraquedista já havia demonstrado sua capacidade de combate em Pradera del Ganso. Embora houvesse razões militares legítimas para abrir o eixo de progressão sul, a decisão de Moore parece ter sido, em grande parte, política. O  Brigadier Tony Wilson, comandante da 5ª Bda, havia pressionado Moore para que considerasse a passagem pelo sul. Segundo um oficial do EM do Real Corpo de Fuzileiros Navais, Wilson “estava obcecado com a idéia de que Julian Thompson (Comandante da 3ª Bda de Comandos) venceria a guerra antes que seus homens pudessem fazer alguma coisa”.

Enquanto qualquer comandante de brigada teria um desejo natural de demonstrar a eficácia de sua brigada em combate, o desejo de Wilson neste caso, se debruçava mais do que o necessário sobre Moore. Como General do Real Corpo de Fuzileiros Navais, Moore sentia profundamente que não deveria demonstrar um favoritismo indevido aos fuzileiros. Ao dar a Wilson seu eixo sul, Moore talvez tivesse a esperança de que estivesse dando ao Exército uma mesma oportunidade de glória.

Quando Moore aprovou o ataque pelo sul, ele esperava que a 5ª Bda desembarcasse em San Carlos, marchasse em direção sul até a Pradera del Ganso dali avançando rapidamente em um terreno acidentado através da costa sul da Ilha de Soledad, tomando sua posição de combate, sobre o flanco direito da 3ª Bda de Comandos nas colinas fora de Porto Argentino. Ao invés disso, o 2º Batalhão Paraquedista, novamente sob o controle operacional da 5ª Bda, se apoderou de um helicóptero Chinook deslocando-se para Fitzroy e Bluff Cove, sem antes notificar a Moore, mas com a aprovação do Brigadier Wilson, que apresentou a Moore o fato consumado.



Embora o avanço apressado do 2º Btl Paraquedista tivesse sido audaz e bem-sucedido, não foi sensato do ponto de vista militar. O batalhão havia avançado uns 55 km adiante da unidade mais próxima da 5ª Bda, sem artilharia ou apoio aéreo e também sem meios de reforço imediatos. Estavam isolados e qualquer tentativa argentina de se aproveitar desse isolamento poderia ter sido desastrosa para os paraquedistas. De fato, seu desembarque em Fitzroy quase causou um incidente entre forças amigas, ao serem descobertos por um posto de observação do Grupo de Guerra Ártica e de Montanha. Segundo o Cabo de 2ª Classe Steve Nicoll do 7º Esquadrão de Contra-Insurreição:

" Ao calcular as coordenadas para uma missão de fogo contra as tropas que estavam concentradas em campo aberto, abri as vias de comunicações empregando linguagem clara, procurando confirmação do movimento das forças amigas para evitar qualquer perda de tempo de informação. O QG da Unidade na Enseada Teal junto com o QG da 3ª Bda de Comandos confirmou que não deveria haver tropas amigas à nossa frente. Após várias perguntas e respostas para confirmar detalhes, a missão de fogo foi aceita... Estávamos esperando receber a ordem executiva consistente de ‘três tiros de eficácia’,...Precisamente nesse momento as nuvens se dissiparam possibilitando a visão de uma figura facilmente reconhecível de um helicóptero Scout com marcas britânicas. Tudo aconteceu em breves segundos, o rádio já estava preparado e o comando “check, check, check” confirmava a detecção de um helicóptero Scout”...Ainda não estava claro se toda a atividade podia ser atribuída aos britânicos, mas era evidente que havíamos estado muito perto de disparar contra nossas próprias forças." 

O deslocamento à frente pelo 2º Batalhão Paraquedista deixou Moore exasperado. Ele não podia chamar de volta o batalhão sem arriscar parecer, por um lado, estar favorecendo o Real Corpo de Fuzileiros Navais e por outro ser lento no processo de progressão. Ao mesmo tempo, não podia reforçar facilmente o batalhão paraquedista. Não havia suficientes helicópteros para aerotransportar o resto da brigada e seu equipamento e as unidades do Exército não estavam preparadas para se deslocar no terreno (os Welsh Guards haviam tentado se deslocar para a Pradera del Ganso, mas haviam sido trazidos de volta quando seu deslocamento foi frustrado pela lama e pela falta de transporte adequado). A única opção era de deslocá-los por mar.



O transporte marítimo era, provavelmente, a forma mais rápida de movimentar a Brigada de San Carlos para Fitzroy, porém devido à proximidade a Porto Argentino e a falta de uma defesa aérea apropriada, estava longe de ser o mais seguro. A maneira mais fácil de realizar tal movimento teria sido através do emprego de 2 navios de desembarque, o Fearless ou o Intrepid, mas o QG da Esquadra em Northwood, Reino Unido, havia proibido estritamente o emprego destes meios de grande valor para esse deslocamento. O movimento dos Scots Guards foi efetuado fazendo com que o Intrepid navegasse até o meio do caminho entre os 2 pontos e colocasse as tropas nas embarcações de desembarque para serem transportados o resto do caminho. Isso permitiu que o Intrepid regressasse sob a proteção da defesa aérea em San Carlos antes do amanhecer. 

Embora o movimento dos Scots Guards tivesse sido razoavelmente bom, ainda existiam problemas de comunicações entre a 5ª Bda e a Marinha Real, e entre a Força de Porta-aviões e a Força-Tarefa Anfíbia. Esta falha quase causou mais incidentes entre as próprias forças amigas. Um deles ocorreu quando uma das embarcações de desembarque quase foi atingida pelos navios da Armada Real, o  HMS Cardiff  e o HMS Yarmouth, os quais não tinham sido informados da presença de forças amigas na área. O outro incidente resultou do fato de o 2º Batalhão Paraquedista não ter sido informado que os Scots Guards estavam chegando. Quando apareceram em suas embarcações de desembarque no dia 6 de junho, os homens da 29ª Bateria pensavam que os referidos guardas fossem argentinos tentando uma operação anfíbia e apontaram suas armas contra eles, dispostos a abrir fogo.

O plano era empregar a mesma tática para deslocar os Welsh Guards para Bluff Cove empregando o Fearless no lugar do Intrepid. Desta vez, 2 das embarcações de desembarque do Fearless seriam carregadas, com antecipação, com o equipamento pesado pertencente aos Welsh Guards, assim estariam prontos para navegar quando atingissem a Ilha Elephant. Lá deveriam reunir-se com 2 das embarcações de desembarque pertencentes ao Intrepid, que haviam ficado em Bluff Cove depois de haverem deixado ali, na noite anterior, os Scots Guards. As duas companhias de fuzileiros dos Welsh Guards embarcariam nestas embarcações de desembarque e seguiriam os outros para Bluff Cove. Entretanto, quando o Fearless chegou ao ponto de reunião, não encontrou nenhuma das embarcações de desembarque.



Um helicóptero Lynx foi designado para procurá-las, mas sem nenhum sucesso. As comunicações entre o Fearless e a 5ª Bda eram tão deficientes que era impossível verificar o que havia acontecido com os referidos transportes — ocorreu que eles haviam sido tomados por um Major do 2º Batalhão de Paraquedistas e levados para Fitzroy— contudo era necessário tomar uma decisão sobre o que fazer com as tropas e o equipamento que estavam embarcados nas embarcações de desembarque do Fearless. Depois de uma discussão ficou decidido resgatar imediatamente essas embarcações e regressar à noite seguinte para desembarcar as 2 restantes companhias de fuzileiros.

O desembarque do equipamento pesado foi realizado sem incidentes, mas uma nova ordem proveniente do QG da Esquadra em Northwood proibiu o emprego das embarcações de desembarque sem uma grande escolta.

Era necessário um novo plano. Logo foi decidido que os Welsh Guards seriam levados a bordo do navio de desembarque logístico Sir Galahad, o qual deveria transportar para Fitzroy uma bateria de mísseis superfície-ar Rapier e um hospital de campanha, o que não deveria ser nenhum problema. Havia bastante espaço para os Welsh Guards e, se o Sir Galahad tivesse saído de San Carlos ao anoitecer, poderia ter descarregado os Rapiers  e o hospital de campanha em Fiztroy e os Welsh Guards em Bluff Cove, podendo ainda ter regressado para San Carlos antes do amanhecer. Infelizmente, devido à uma série de problemas de comunicações, o hospital de campanha levou 6 horas para ser embarcado e o navio de desembarque logístico não pôde zarpar até 5 horas após o anoitecer. O comandante solicitou permissão para adiar a viagem até a próxima noite, mas seus superiores ordenaram sua partida imediatamente. A única concessão feita foi que ele deveria ir somente até Fiztroy e não para Bluff Cove. Nenhuma informação foi recebida sobre o que fazer com os Welsh Guards e nem lhes foi avisado que o navio no qual haviam embarcado não iria a Bluff Cove.



A mudança de destino não foi notada até que o navio chegou a Fitzroy às 0650 da manhã seguinte e o Major Ewen Southby-Tailyour, do Real Corpo de Fuzileiros Navais anunciou: “Ninguém está indo para Bluff Cove a não ser que eles caminhem até lá”.

Os Welsh Guards desembarcaram em Fiztroy e marcharam 8 quilômetros até Bluff Cove. Os majores que comandavam as 2 companhias se recusaram. Southby-Tailyour, que era de maior hierarquia que ambos, ordenou que desembarcassem, e eles mais uma vez se recusaram. Outra solução viável era embarcar tantos guardas quanto possível na embarcação disponível e zarpar para Bluff Cove o quanto antes. A opção foi aceita, mas sua execução foi adiada porque a rampa de embarque havia sido avariada. Quando os Scots Guards estavam prontos para desembarcarem o Sir Galahad e outro navio de desembarque logístico, o Sir Tristan, haviam ancorado em Port Pleasant, fora de Fitzroy por 5 horas. Não é preciso dizer que os argentinos, nas colinas ao redor de Porto Argentino já haviam percebido a presença deles.

Isto não teria sido um grande problema no dia anterior; as ilhas tinham sido acossadas durante vários dias pelo mau tempo, impedindo a Força Aérea Argentina de voar. Entretanto, no oitavo dia o tempo começou a limpar e, embora houvesse previsão de algumas tormentas esparsas, ainda era possível arriscar uma incursão.



Assim que um posto de observação avançado informou a presença de navios britânicos em Port Pleasant, a Força Aérea Argentina emitiu ordens para atacá-los. O plano de ataque constava de três partes. 8 aviões  A-4B Skyhawks, 4 de cada esquadrão “Dogos” e “Mastines” — voariam de Rio Gallegos, portando 3 bombas de 250 kg. 6 caça-bombardeiros M-5 Daggers — 3 “Perros” e 3 “Gatos” — decolariam da base aérea de Rio Grande igualmente carregados, e liderados por 1 Learjet o qual forneceria informação precisa de navegação. As 14 aeronaves de ataque — número este que foi reduzido para 10 quando 3 Skyhawk e 1 Dagger apresentaram problemas mecânicos ou de reabastecimento — foram precedidas por 4 Mirages provenientes de Rio Gallegos a fim de atrair a patrulha aérea de combate dos aviões Harrier, permitindo aos Skyhawks e Daggers atacar os navios ancorados em Bahia Agradável até então imperturbados.

Para acompanhar o  Learjet mais lento, os 5 Daggers trocavam seus ângulos de direção ziguezagueando através do céu entre o Rio Grande e as ilhas. À medida que se aproximavam dos alvos, o grupo descendeu até um ponto exatamente acima do nível do mar, evitando assim a detecção pelo radar britânico, e o Learjet retornou à base. Cabia agora aos “Perros” e “Gatos” encontrar e atacar seus alvos. Os  Daggers nunca chegaram à Bahia Agradável. À medida que se aproximavam da baia detectaram e decidiram atacar a fragata  HMS Plymouth, a qual havia saído de San Carlos para bombardear as posições argentinas nas colinas nos arredores de Porto Argentino. 4 bombas atingiram a fragata, mas sendo lançadas à baixa altura não explodiram. Mesmo assim foi um ataque bem-sucedido — a fragata sofreu danos significativos e 4 tripulantes foram feridos — e todos os Daggers retornaram salvos à base.



Apesar dos britânicos indicarem que o Plymouth sobreviveu à guerra, pelo menos uma fonte argentina, escreveu muito tempo depois da guerra, que a fragata havia afundado. Ainda outro relatório argentino sugere que foi o HMS Yarmouth o que foi afundado pelos Dagger e que o Plymouth afundou no mesmo dia no Estreito de San Carlos por um ataque acidental de uma aeronave Harrier. Estes erros refletem não apenas a confusão da guerra, mas também a crença de que o governo britânico tentaria ocultar a perda de uma ou mais embarcações para evitar uma manifestação pública que poderia levar à finalização mais cedo da guerra.

Embora os Daggers nunca tivessem chegado à Bahia Agradável, os Skyhawks  o fizeram. Como 3 deles — incluindo os 2 líderes do vôo — não puderam se reabastecer e tiveram que retornar a Rio Gallegos, as restantes 5 aeronaves se agruparam num único esquadrão para o resto da missão. Voaram a baixa altura sobre a Ilha Soledad recebendo fogo das pequenas armas portadas pelos Scots Guards à medida que passaram por Fitzroy e Bluff Cove, retornando para atacar os navios de desembarque logísticos quando os mesmos se dirigiam para o mar. O Skyhawk líder lançou 2 bombas sobre o Sir Galahad e ambas explodiram. As bombas do segundo avião foram muito longe, mas a terceira acertou o alvo, lançando outra bomba de 250 kg sobre a embarcação. Os outros 2 aviões, vendo as explosões, lançaram suas bombas sobre o Sir Tristam que se encontrava nas proximidades. Os 5 Skyhawks puderam escapar e retornaram salvos. 

Onde se encontravam as defesas antiaéreas britânicas? Na realidade, não existiam. Enquanto as plataformas de desembarque Fearless e Intrepid — proibidas pelo QG da Esquadra em Northwood de participar da operação — portavam ambas 4 sistemas de mísseis superfície-ar Seacat além de 2 armas Bofors de 40 mm, os navios de desembarque logísticos estavam armados apenas com os Bofors. A patrulha aérea de combate dos Harriers, desviada pelos Mirages, não teve nenhuma oportunidade de interceptar ou perseguir os Skyhawks.



Além disso, a bateria do Rapier não estava funcionando adequadamente. O Rapier era um sistema de mísseis superfície-ar concebido para a defesa de ponto contra aeronaves voando a baixa altura e tinha sido eficaz contra os Skyhawks. Infelizmente, os lança-mísseis trazidos pelo Sir Galahad para Fitzroy, apesar de terem sido armados em tempo recorde, apresentavam defeitos e não puderam disparar. Antes de serem embarcados nos navios de desembarque já se sabia que 2 dos 3 lança-projéteis estavam apresentando problemas, mas não havia muitos Rapiers disponíveis e a defesa do ancoradouro de San Carlos foi considerada mais importante que a defesa de Fitzroy. Como disse um dos encarregados da defesa antiaérea: “eu apertei o botão de disparo e nada aconteceu. Tive que ficar sentado e ver o Sir Galahad explodir como se estivesse vendo um filme, só que era real. Foi o momento mais deprimente de minha jovem vida.”



O alerta vermelho de aviso de incursão aérea foi transmitido pelo  HMS Exeter uns minutos antes do ataque, porém o referido alerta não foi recebido por nenhum dos navios de desembarque logísticos.

O único alerta recebido pelos marinheiros e Welsh Guards foi quando os soldados e marinheiros viram as aeronaves se aproximando e gritaram “abaixem-se” para seus companheiros. Então já era muito tarde para que se pudesse fazer qualquer coisa a fim de evitar o massacre. As explosões que sacudiram o Sir Galahad incendiaram os depósitos de combustíveis e munições criando um inferno que causou a morte de 48 pessoas, feriu outras centenas, muitas das quais sofreram queimaduras muito severas. 




As baixas no Sir Tristam, que estava quase vazio, foram menos que no Sir Galahad. Ambas as embarcações foram imediatamente evacuadas com a heroica ajuda de 4 helicópteros Sea King e um Wessex, os quais com sua presença evitaram uma maior perda de vidas. Sem dúvida, esse dia foi o de maior custo em vidas para os britânicos.O pesadelo ainda não havia acabado. Dado ao êxito dos ataques contra os navios de desembarque logísticos e o Plymouth, os argentinos enviaram mais 2 surtidas com  4 Skyhawks cada uma. A primeira surtida não causou nenhuma baixa britânica, pois os 4 Skyhawks foram atingidos pelo fogo de pequenas armas tendo de regressar às suas bases. A segunda surtida teve mais êxito no seu ataque, mas não no seu retorno. As 2 primeiras aeronaves atacaram uma embarcação de desembarque que transportavam o equipamento de comunicações da 5ª Bda através do Estreito de Choiseul, afundando-o, matando 6 homens a bordo e destruindo os rádios da brigada. 2 aeronaves de combate Harrier detectaram as aeronaves argentinas abatendo 3 dos 4 Skyhawks com mísseis ar-ar Sidewinder.
     
Apesar da trágica perda de vidas, o desastre em Fitzroy foi mais uma advertência do que um obstáculo para as Forças britânicas. Quanto ao material, o incidente causou o naufrágio do Sir Galahad e a perda de uma embarcação de desembarque, bem como munições variadas e equipamento de comunicações. Também retardou uns 2 dias o ataque sobre o Porto Argentino, sobretudo para que os Welsh Guards pudessem ser reforçados por 2 companhias do 40º Batalhão de Comandos.



Tudo isso não afetou o resultado da guerra, na verdade o mais trágico aspecto deste evento poderia ter sido evitado. O clima foi um aspecto importante. Se as nuvens não tivessem se dispersado a Força Aérea Argentina nunca teria iniciado um ataque. Porém, esta é uma afirmação um tanto sem sentido. 

Afinal, nem o Exército Britânico nem a Marinha Real podiam controlar o clima. Além disso, a invenção e a aplicação das munições guiadas por radar e por sistemas de posicionamento global (Global Positioning Systems — GPS) nas 2 décadas depois da guerra do Atlântico Sul, fazem com que as condições meteorológicas sejam um assunto de menor importância. Por outro lado, o fato de Clapp não estar recebendo informações meteorológicas de Fitzroy foi, com certeza, importante — só um dos muitos problemas de comunicações realçados pelas operações de transporte. 

A falta de capacidade de alerta aéreo antecipado (airborne early warning — AEW) da Marinha Real era também um assunto principal. Aliás, a presença de aeronaves dotadas de sistemas de alerta antecipado no teatro talvez fosse suficiente para impedir que a Força Aérea Argentina atacasse em primeiro lugar. Certamente poderia ter mudado o resultado não apenas em relação ao Sir Galahad, mas também para o Sheffield, Coventry e o Atlantic Conveyor. As comunicações continuavam sendo um problema importante. A falta de notificação dos planos de vôos causou a derrubada acidental do helicóptero Gazelle e as reduzidas capacidades das comunicações foram as responsáveis pela inabilidade de receber o alarme de incursão aérea deixando aqueles que estavam a bordo do Fearless sem conhecimento da localização das embarcações de desembarque na noite de 6 para 7 de junho. 

Este último fato tinha mais a ver com a decisão da 5ª Brigada de avançar todas as suas tropas de combate antes das unidades logísticas. Isto contribuiu não apenas para o próprio desastre, mas também para a falta de conhecimento nos QG da brigada e divisão, sobre a situação a bordo do Fearless após o bombardeiro. A limitada visão das diversas forças singulares contribuiu muito para os eventos de 8 de junho. Se o General Moore tivesse ordenado ao 2º Batalhão Paraquedista retornar para a Pradera del Ganso em primeiro lugar, a 5ª Bda teria se deslocado através da Ilha Soledad, da mesma forma que fizeram os integrantes do Real Corpo de Fuzileiros Navais, e o ataque jamais teria acontecido. Ainda mais, se os oficiais dos Welsh Guards tivessem escutado o conselho da Marinha no Sir Galahad, teriam desembarcado imediatamente em Fitzroy ao invés de esperar para ser transportados até Bluff Cove, espera esta que custou muitas vidas. 


Outro problema foi a falta de um comandante da força combinada localizado no teatro de operações. A força-tarefa foi oficialmente comandada pelo Almirante Sir John Fieldhouse, sediado no QG combinado da Esquadra em Northwood na Grã-Bretanha. Fieldhouse exercia esse comando através do General Jeremy Moore, comandante das Forças Terrestres nas ilhas; do Contra-Almirante Sandy Woodward, Comandante da Força de Porta-Aviões e o Comodoro Michael Clapp, Comandante da Força-Tarefa Anfíbia. Entretanto, esta distribuição particular de comando conduziu a uma série de faltas de comunicações, desentendimentos e frustrações devidos, em parte, ao fato de que Clapp era um oficial-general de 1 estrela, enquanto Moore e Woodward eram oficiais generais de 2 estrelas, uma situação que às vezes levou Woodward a proceder como se considerasse Clapp seu subordinado. Ademais, a percepção no QG combinado da Esquadra em Northwood parecia estar sendo influenciada significativamente pela perspectiva de Woodward.

Outra das conseqüências da falta de um comandante da força combinada sediado no teatro de operações consistia na emissão de decisões dos comandos superiores — tal como a proibição do emprego dos navios de desembarque sem grandes escoltas — que talvez não tivesse existido se o comandante estivesse localizado na área e como tal podido discutir tais assuntos com o Comandante da Força-Tarefa Anfíbia. Realmente, A falta de alerta aéreo antecipado foi responsabilidade de um programa de emergência para modificar o helicóptero SH-3D Sea King para atender naquela capacidade. Já que os porta-aviões britânicos só puderam operar com helicópteros ou aviões de decolagem e pouso vertical, o Hawkeye  não era uma opção. A capacidade de alerta aérea antecipada do Reino Unido foi posteriormente aumentada com a aquisição pela Real Força Aérea de 7 Sistemas Aerotransportados de Detecção Longínqua E-3D (Airborne Warning and Control Systems — AWACS).

Tanto o Sea King como o AWACS têm servido muito bem o Reino Unido em numerosos conflitos desde a Guerra de 1982, inclusive nas operações Allied Force, Enduring Freedom e Iraqi Freedom. A integração combinada foi a mais difícil de solucionar, mas os britânicos responderam com a introdução de uma “Política de Defesa e um Estado-Maior Operacional totalmente unificados”.

Isto foi ampliado pela mudança da Revista de Defesa de 1981, a qual tinha sugerido que a Marinha Real não necessitava mais de porta-aviões, uma vez que a Real Força Aérea podia proporcionar a defesa da frota em qualquer lugar do mundo, e que os navios de desembarque como o Fearless e o Intrepid eram desnecessários, porque as forças do Reino Unido jamais teriam que enfrentar o inimigo durante um desembarque anfíbio.

A decisão de operações combinadas tem rendido muitos dividendos, inclusive uma melhor colaboração na Operação Desert Storm e nas subseqüentes operações combinadas e de coalizão.



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