quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Regras de Engajamento (ROE) *222


A guerra é uma empreitada difícil, dura, intransigente e implacável. Para os soldados, os rigores da batalha exigem resistência mental e física, além de trabalho de equipe e espírito de corpo. Entre uma batalha e outra, longas horas são empenhadas fazendo tarefas rotineiras e monótonas, porém necessárias, muitas vezes sob clima adverso, temperaturas nos extremos, tempo úmido, enfrentando  lama, mosquitos, pequenos ferimentos, movendo-se de posição em posição, muitas vezes sem refeições quentes, roupas limpas ou sono. O potencial de ruptura na disciplina está sempre presente.

As forças em campanha devem operam regras de engajamento (ROE), para conduzir a guerra em conformidade com as leis internacionais e dentro das condições especificadas pelos seus comandos. Deve ser aplicado o poder de combate necessário para assegurar a vitória por meio do uso apropriado e disciplinado da força. Evitar abusos como comportamentos inadequados e consequências nocivas a situação política vigente é o objetivo das ROE.

Responsabilidade do Comandante

Cabe aos comandantes o empenho para que a ROE sejam cumpridas. Os planos de operações devem garantir sua consecução, e devem estar claras para toda a força, em todos os níveis.

Finalidades do ROE

As ROE devem ser tornadas de conhecimento de todo o público interno (todos e militares e pessoal atuando em conjunto), baseadas em 3 conjuntos de considerações: políticas, legais e militares. 

As considerações políticas são aquelas de cunho ético e/ou prático e visam cumprir as intenções dos governos quanto a determinados temos sensíveis, como por exemplo exigir autorização superior para o emprego de armas nucleares devido a repercussão negativa que estas poderão desencadear, ou a proibição de uso de um determinado território que facilitaria o esforço de guerra, para não se indispor com uma outra nação. Na Guerra da Coalizão contra o Iraque, por ocasião da invasão do Kwait em 1990, o Iraque lançou derivados dos foguetes SCUD russos a fim de forçar Israel a entrar na guerra. Este fato colocaria em xeque toda a coalizão formada para libertar o Kwait. Os americanos direcionaram muitas missões de bombardeio aéreo a fim de destruir estes lançadores, objetivo irrelevante a guerra em si, em prejuízo do plano de emprego dos meios aéreos anteriormente traçado, adiando em alguns dias a conclusão da ofensiva aérea inicial. Outro exemplo é a proibição de destruir hospitais, igrejas, santuários, escolas, museus e quaisquer outros locais históricos ou culturais, exceto em autodefesa. 

As considerações legais levam em conta tratados e convenções internacionais e devem ser seguidas pelos países que ratificaram estes tratados. Uma consideração legal clássica é que não se pode iniciar um ato de beligerância sem um declaração formal de guerra, norma comumente desrespeitada. 

No campo militar temos as regras que visam principalmente a segurança das forças em campo e a administração das forças naquele teatro, como por exemplo, a proibição de socializar com nativos ou posicionar efetivos em determinados locais inadequados. ROE não são o mesmo que medidas de controle de fogo. Medidas de controle de fogo são implementadas por comandantes com base em considerações táticas. Um exemplo de uma medida de controle de fogo que serve para fins táticos é o requisito comum nas operações terrestres de que os tubos de artilharia orgânicos para uma unidade não sejam disparados além de uma linha de coordenação de apoio de fogo designada (LCAF); isso garante uma divisão eficiente do trabalho entre os fogos controlados localmente (pelo comando em questão) e aqueles controlados pelo escalão superior. Além disso, ajuda a prevenir o fratricídio por fogo indireto.

Os propósitos das ROE muitas vezes se sobrepõem; regras que implementam decisões de políticas estratégicas podem servir a uma meta militar operacional ou tática, ao mesmo tempo em que trazem as forças em operação à conformidade com a lei nacional ou internacional. Como resultado, as tropas em campo nem sempre podem apreciar as razões pelas quais uma regra específica foi adotada.
As ROE deve evoluir com os requisitos da missão e ser adaptadas às realidades encontradas. Devem ser um instrumento flexível concebido para melhor apoiar a missão através de várias fases operacionais e devem refletir as mudanças na ameaça.

Considerações de Redação

Requisitos operacionais, políticas e leis definem as ROE. Elas sempre devem reconhecer o direito de autodefesa do militar, o direito do comandante e sua obrigação de autodefesa, e o direito da corporação de se defender e de seus aliados e parceiros de coalizão contra qualquer agressão. Nas Regras Permanentes de Engajamento (SROE) , os Chefes de Estado-Maior Conjunto fornecem orientação básica e procedimentos para suplementar esta orientação para operações específicas. As ROE efetivas devem ser aplicáveis, compreensíveis, taticamente corretas e legalmente suficientes. Além disso, ROE eficazes respondem à missão e são consistentes com a iniciativa da unidade.

Em todas as operações, elas podem impor limitações políticas, operacionais e legais aos comandantes. Limitação de emprego de tipos particulares de armas ou a isenção do território de certas nações das operações, são exemplos de tais limitações. No nível tático, as ROE pode se estender aos critérios para iniciar engajamentos com certos sistemas de armas (por exemplo, fogos não observados) ou reagir ao ataque.

O ROE eficaz cumpre as leis nacionais e internacionais, incluindo o corpo de leis internacionais relativas a conflitos armados. Assim, o ROE nunca justifica ações ilegais. Em todas as situações, soldados e comandantes usam a força necessária e proporcional.
O ROE efetivo não atribui tarefas específicas nem direciona soluções táticas específicas; eles permitem que um comandante transmita rápida e claramente a unidades subordinadas uma postura desejada em relação ao uso da força. Ao passar ordens aos subordinados, um comandante deve agir dentro do ROE recebido. No entanto, o ROE nunca libera o comandante de sua responsabilidade de formular o estado final, objetivos, missão e outros elementos do projeto operacional. Os comandantes em todos os níveis revisam continuamente o ROE para garantir sua eficácia à luz das condições atuais e projetadas em sua área de operações.

Considerações da Situação

Um dado cenário operacional é descrito pelos fatores de missão, inimigo e ameaça, terreno e clima, tropas, tempo disponível e considerações civis. A situação é o contexto que domina todos os aspectos do planejamento, incluindo as ROE. Em toda a gama de operações militares em potencial, os comandantes podem encontrar situações de complexidade desconcertante. Essa complexidade é reduzida, nos níveis operacionais e táticos de conflito, pela aplicação do modelo conceituais
  • A missão estabelece o propósito da operação.
  • Os planejadores devem considerar as disposições, o equipamento, a doutrina, as capacidades e as prováveis intenções de um Inimigo - real e potencial. O atual ambiente de conflito é cada vez mais caracterizado por tons de cinza nos quais os inimigos são menos aparentes. Os comandantes também avaliam ameaças potenciais ao sucesso da missão, como doenças, instabilidade política e desinformação.
  • O terreno e o clima afetam a mobilidade, a ocultação, a observação, a cobertura, as vias de abordagem e a eficácia dos sistemas operacionais militares.
  • O comandante deve considerar a natureza das tropas - suas capacidades militares. Características de tropas, como números, mobilidade, proteção, treinamento e planos de influência moral para seu emprego.
  • O tempo disponível para preparação e execução da missão é crítico e pode influenciar drasticamente o escopo e a natureza do plano.
  • As considerações civis são um fator chave da situação em toda a gama de operações. Atitudes e atividades da população civil na área de operação influenciam o resultado das operações militares. Os refugiados e os requisitos de assistência humanitária são preocupações frequentes, não apenas em operações de estabilidade ou operações de apoio, mas também em combate convencional. As operações interinstitucionais empregam recursos civis, componentes governamentais não subordinados e organizações privadas, voluntárias e não-governamentais, multiplicando, assim, a eficácia das operações.

Definições e Conceitos Chave

As ROE são definidas em Publicações como "diretivas emitidas pela autoridade militar competente que delineiam as circunstâncias e limitações sob as quais as forças iniciarão e/ou continuarão o combate com outras forças encontradas". Alguns exemplos ilustram a ampla gama de regras que se enquadram nessa definição: exigir que uma equipe da ataque ao solo confirme que todos os sistemas de aquisição de alvos estão operando para bombardear um quartel adjacente a um centro populacional civil; proibir a entrada de navios da marinha de guerra em mares territoriais ou águas internas de uma nação neutra; ou autorizar um soldado de infantaria em um posto de guarda a usar força letal contra sabotadores de equipamentos essenciais à missão.

ROE de Tempos de Guerra x ROE Permanente

Em geral, as ROE diferem em tempos de guerra para refletir a crescente justificativa para o uso da força. As ROE em tempo de guerra permite que as forças abram fogo contra todos os alvos inimigos identificados, independentemente de esses alvos representarem ameaças reais e imediatas. Em contraste, o SROE, que serão discutidas mais adiante, apenas permite o engajamento na autodefesa individual, unitária ou nacional. A maioria dos fundamentos legais para o uso internacional da força durante o tempo de paz é rastreável à autodefesa. 

As ROE de tempos de guerra são familiares às unidades e soldados, porque o treinamento é focado na batalha e concentra-se em tarefas de guerra. Todos os militares em todas as especialidades ocupacionais recebem instrução e passam por avaliações das regras básicas de guerra, como "atacar apenas alvos de combate" e "não destruir a propriedade, a menos que isso seja exigido pelas necessidades da guerra". Na guerra, os comandantes procurarão tornar as ROE não mais restritivas que o direito internacional.

Os princípios da necessidade e da proporcionalidade ajudam a definir a justificativa em tempo de paz para usar a força em autodefesa e são, portanto, fundamentais para entender as ROE nestes cenários. O princípio da necessidade permite que forças amigas envolvam apenas aquelas forças que cometem atos hostis ou que demonstram claramente intenção hostil. Essa formulação - uma regra bastante restritiva para o uso da força - captura a essência da necessidade de tempo de paz sob o direito internacional. A regra da necessidade se aplica a indivíduos, bem como a unidades militares ou estados soberanos. Definições de "ato hostil" e "intenção hostil" completam o significado de "necessidade". Um ato hostil é um ataque ou outro uso de força. Intenção hostil "é a ameaça do uso iminente da força". O conteúdo preciso dessas definições torna-se sensível quando as ROE descrevem comportamentos específicos como atos hostis ou equaciona características objetivas específicas com intenção hostil. Por exemplo, as ROE podem definir um soldado estrangeiro uniformizado apontando uma metralhadora por detrás de uma posição de tiro preparada como uma clara demonstração de intenção hostil, independentemente de o soldado realmente ter a intenção de atirar.

O princípio da proporcionalidade exige que a força usada seja razoável em intensidade, duração e magnitude, com base em todos os fatos conhecidos pelo comandante na época, para combater decisivamente o ato hostil ou intenção hostil e para garantir a segurança contínua das forças. Como com a necessidade, o princípio da proporcionalidade reflete uma antiga norma jurídica internacional.

Tipos de ROE

A mera reafirmação dos princípios legais básicos de proporcionalidade e necessidade não indica especificamente as circunstâncias sob as quais os soldados podem disparar armas em legítima defesa corporativa ou individual. Esses princípios também não articulam a miríade de restrições que um comandante pode impor a uma força para servir aos propósitos não-legais mencionados acima. Os comandos podem inserir numerosos tipos de regras específicas nos anexos das ROE para elaborar mais as regras de necessidade e proporcionalidade e para ditar termos precisos de restrições que não são derivadas da lei. 

As seguintes descrições de tipos de regras permitem que se falem com precisão sobre as ROE.

Critérios de Hostilidade. Proporcionar aos que tomam decisões se autorizam disparos com um conjunto de fatores objetivos para ajudar a determinar se um possível agressor exibe intenção hostil e, assim, esclarecer se pode-se fazer fogo antes de ser feito fogo pelo elemento hostil.

Escalada de Conflito. Especifica-se uma demonstração de força graduada que as tropas terrestres devem usar em situações ambíguas, antes de recorrer à força letal. Inclui-se medidas como dar uma advertência verbal, usar um distintivo, ou talvez disparar um tiro de advertência. Pode-se colocar limites na perseguição de um atacante.

Proteção de Propriedade e Estrangeiros. Detalha-se o que e quem pode ser defendido com força, além da vida dos soldados e cidadãos nacionais. Inclua medidas a serem tomadas para prevenir crimes em andamento ou a fuga de criminosos.

Status de Controle de Armas/Condições de Alerta. Anunciar, para unidades de defesa aérea, uma postura para resolver dúvidas sobre se envolver ou não. Anuncia-se para as unidades que observam as condições de alerta uma série de medidas destinadas a ajustar a prontidão da unidade para o ataque ao nível de ameaça percebida. As medidas podem incluir alguns ou todos os outros tipos funcionais de regras.

Porte de Armas. Determinar quais soldados na força poderão portar quais tipos de armas e com quais munições e em que momentos, além de seu armamento individual.

Aprovação de Uso de Sistemas de Armas. Designa-se qual comandante de nível específico deve aprovar o uso de sistemas de armas específicos.

Olhos no alvo. Exigir que um alvo seja observado por um ou mais meios humanos ou eletrônicos.

Restrições Territoriais ou Geográficas. Criação de zonas geográficas ou áreas nas quais as forças não podem disparar. Designar uma fronteira territorial, talvez política, para além da qual as forças não podem disparar nem entrar, exceto talvez em perseguição de uma força atacante. Incluir medidas de controle tático que coordenam o fogo e manobram por meio de ilustrações gráficas em sobreposições de mapas de operações.

Restrições à Mão de Obra. Prescrever números e tipos de soldados a serem comprometidos com um teatro ou área de operações. Talvez proibir o uso de mão-de-obra nacional em tarefas de pessoal politicamente ou diplomaticamente sensíveis que requeiram pessoal aliado.

Restrições em Alvos de Ponto e Meios de Guerra. Proibir a segmentação de determinados indivíduos ou instalações. Pode-se reafirmar as regras básicas do direito da guerra para situações em que uma força hostil é identificada e um conflito armado prolongado se inicia.

Regras Permanentes de Engajamento (SROE)

É o documento mestre na área das ROE. Ele fornece orientação de implementação sobre o direito inerente de defesa pessoal e a aplicação da força para a realização da missão. O SROE aplica-se a todas as forças - com exceções limitadas para Operações de Força Multinacional (MNF), Distúrbios Civis e Assistência em Desastres - e é projetado para fornecer um modelo comum para o desenvolvimento e implementação das ROE em toda a gama de operações militares. O SROE é dividido em 3 partes principais:

Normas Gerais:

Este documento detalha o propósito geral, a intenção e o escopo das SROE, enfatizando o direito do comandante - e a obrigação de usar a força em autodefesa. Princípios críticos - como autodefesa unitária, nacional e coletiva, atos e intenções hostis e a determinação de declarar forças hostis - são tratados como elementos fundamentais de todo o ROE. Os apêndices podem fornecer orientação específica com relação ao escopo da autoridade para usar a força, delegação de autoridade para declarar forças hostis e exercer o direito de autodefesa nacional, e aplicação do princípio da proporcionalidade, e abordam considerações especiais associadas à manutenção da paz, comando , controle e guerra de informação (C2I), operações de evacuação de combate e não-combatentes.Além disso, apêndices específicos de força (por exemplo, marítimos, terrestres e aéreos) detalham indicadores de intenção hostil, limitações geográficas de autoridade e outras preocupações específicas das operações dentro da estrutura de força definida.

Medidas Suplementares:

Medidas Suplementares são listas de menu de medidas das ROE que podem ser adotadas, solicitadas, concedidas ou não utilizadas. As medidas suplementares encontradas neste tópico permitem que o comandante obtenha ou conceda aquelas autorizações adicionais necessárias para realizar uma missão atribuída. As tabelas de medidas suplementares são divididas entre as ações que exigem a aprovação, e aquelas que podem ser delegadas aos comandantes subordinados. É importante lembrar que as SROE são fundamentalmente permissivas por natureza, permitindo que um comandante use qualquer arma ou tática disponível e empregue uma força razoável para cumprir sua missão. Estas medidas suplementares são destinadas a servir como uma ferramenta de planejamento. A inclusão na lista suplementar do SROE não sugere que o comandante precise buscar autoridade para usar qualquer um dos itens listados - isso ocorre apenas quando incorporado às ROE emitidas para uma operação específica. As ROE suplementares se referem à realização da missão, não à autodefesa, e nunca limita o direito inerente do comandante e a obrigação de autodefesa.

Compêndio Especial:
 
Esta parte contém uma lista de diretrizes efetivas das ROE, com regras específicas de comprometimento da Área de Responsabilidade apresentadas pelos Comandantes Combatentes. Essas ROEs especiais tratam de sensibilidades estratégicas e políticas específicas e devem ser aprovadas pelo escalão superior. Elas estão incluídos nas SROE como um meio de auxiliar os comandantes e unidades que participam de operações fora do sua área designadoa

O SROE também pode conter definições técnicas de defesa pessoal :

Autodefesa:

As SROE não limita a autoridade inerente de um comandante e a obrigação de usar todos os meios necessários disponíveis e de tomar todas as medidas apropriadas em defesa própria da unidade do comandante e de outras forças aliadas nas proximidades.

Autodefesa de Unidade: O ato de defender elementos ou pessoal de uma unidade definida - bem como as forças aliadas nas proximidades - contra um ato ou intenção hostil. Conforme aplicada ao soldado no solo, a autodefesa da unidade inclui o conceito de autodefesa individual.

Defesa Nacional: o ato de defender os solo nacional e sua forças e, em certas circunstâncias, cidadãos e suas propriedades, ativos comerciais, outras forças designadas fora do território nacional, estrangeiros e suas propriedades, de um ato hostil ou intenção hostil. 

As SROE distingue entre o direito e a obrigação de autodefesa - que não é limitada - e o uso de força para o cumprimento de uma missão designada. A autoridade para usar a força na realização da missão pode ser limitada à luz de preocupações políticas, militares ou legais, mas tais limitações não têm impacto sobre o direito do comandante e a obrigação de autodefesa.

Uma vez que uma ameaça tenha sido declarada uma força hostil, as unidades e soldados individuais podem se envolver sem observar um ato hostil ou uma demonstração de intenção hostil. A base para o engajamento se torna status e não conduta. A autoridade para declarar uma força hostil é dada apenas a indivíduos específicos em circunstâncias especiais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário