sexta-feira, 9 de julho de 2021

O Elemento Surpresa *217


GNP

A surpresa sempre foi um elemento fundamental da guerra. Da destruição da armada persa em Salamina (480 ac) ao ataque alemão nas Ardenas em 1940, são numerosos os exemplos de campanhas militares decididas por lances inesperados. No mundo contemporâneo, a surpresa desempenha papel ainda mais central, sobretudo porque o alto poder destrutivo das armas modernas significa que a capacidade de retaliação de um inimigo pode ser desmantelada de um só golpe. A solução para isso tem sido o desenvolvimento de formas cada vez mais sofisticadas de vigilância.

Em alguns exemplos a surpresa pode resultar de falha flagrante da vigilância e dos serviços de informação. Antes do ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, a coordenação do serviço secreto americano era feita de maneira inadequada, o que não lhe permitia interpretar com precisão as intenções japonesas. Do mesmo modo a surpresa da NATO com a invasão da Tchecoslováquia pelos soviéticos em agosto de 1968, deve ser atribuída, em boa parte, ao colapso dos sistemas de comunicação em todos os níveis. O presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson, foi informado da ação soviética não pelos seus próprios serviços de informação, mas pelo embaixador soviético, enquanto comandantes da NATO souberam do fato pelos jornais e televisão.

Informações sobre o que pretende um adversário são recebidas com regularidade, mas não avaliadas de forma devida. Assim durante os preparativos dos árabes para atacar Israel na guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973, muitos indicadores das intenções árabes foram mal interpretados pelo serviço secreto israelense. Atribuíram-se as concentrações de tropas sírias a planos defensivos e os movimentos egípcios a manobras de rotina – e nenhuma correlação se fez entre os 2. Tampouco se deu importância a retirada das famílias de técnicos soviéticos do Egito 2 dias antes do ataque. Alguns oficiais do serviço secreto levantaram a questão, mas não convenceram seus superiores.

À falha dos serviços secretos israelenses, que não previram o ataque, juntou-se um erro dos americanos. Quando, nos EUA, um grupo de acompanhamento de crise foi montado no primeiro dia da guerra, vários membros, entre os quais o secretário da Defesa, o presidente da Junta de Chefes do Estado Maior e o diretor da Agência Central de Informações (CIA), ficaram sabendo que Israel é que atacara os árabes.

No entanto, a falha provém com mais frequência da capacidade que militares e líderes políticos tem de auto-iludir-se. Na Guerra da Coréia, em outubro de 1950, as diversas advertências dos chineses sobre uma intervenção iminente foram interpretadas como blefe. Quando se detectaram provas de uma gradual concentração militar chinesa na Coréia do Norte, imaginou-se que os chineses tinham objetivos limitados e esses não se estenderiam a uma ofensiva contra forças da ONU. Em 1973, os israelenses estavam convencidos de que os egípcios não se arriscariam em outra guerra até pelo menos 1975.

Logicamente, o esquema de contra-informação empregado pelo inimigo também pode contribuir para a surpresa decorrente de erros de informação ou avaliação. No nível estratégico, a preparação norte-coreana para a invasão da Coréia do Sul em junho de 1950 não foi detectada em parte porque haviam ocorrido constantes violações de fronteira no passado. Em outubro de 1956, os israelenses levaram os egípcios a sentir-se seguros, fingindo dirigir ações conta a Jordânia e não contra o Sinai. E em junho de 1967, pouco antes do ataque israelense, Moshe Dayan afirmou que era tarde demais para Israel reagir militarmente ao fechamento do estreito de Tiran, recomendando uma ação diplomática.

Por sua vez, os egípcios confundiram os israelenses, fingindo-se mobilizar-se total ou parcialmente em cerca de 20 ocasiões diferentes, entre dezembro de 1972 e outubro do ano seguinte. Uma grande mobilização egípcia em maio de 1973, custou aos israelenses cerca de 6 milhões de dólares para também se mobilizarem, mesmo contra a opinião do chefe do serviço de informações, general Eliahu Zeira. Diante de idêntica situação em outubro, Zeira declarou: “Da outra vez eu lhes disse que nada aconteceria, mas vocês não acreditaram. Digo-lhes de novo: nada acontecerá”. Em defesa de Zeira, deve-se lembrar que crises são mais comuns que guerras e que os erros de interpretação constituem um risco funcional dos serviços secretos. A invasão da Tchecoslováquia pelos soviéticos, em agosto de 1968, também foi marcada por tentativas de simular intenções não militares. Na época da invasão, a URSS havia encerrado uma série de manobras ná fronteira tcheca e a tropas aparentemente começando a dispersar-se, enquanto o presidente Johnson se recolhia a sua fazenda para férias de verão.

A surpresa também pode ser preparada em nível tático-operacional. Em 1956, o ataque inicial dos paraquedistas de Israel no desfiladeiro de Mitla foi anunciado como uma “represália”, a fim de levar os egípcios a acreditar que se tratava de ato isolado. Em 5 de junho de 1967, ao procurar destruir a Força Aérea Egípcia de um só golpe, os israelenses tiveram o cuidado de não atacar ao amanhecer nem no pôr-do-sol, quando uma investida deste tipo é esperada; marcaram o ataque para as 0845, hora egípcia, quando os egípcios já haviam relaxado o alerta matinal.


Os israelenses viram-se igualmente surpreendidos em outubro de 1973, com o emprego pelos egípcios de mangueiras de água de alta pressão para romper as linhas inimigas nas margens de Suez; e também pelo uso intensivo, por parte dos árabes, de mísseis anticarro e antiaéreos. Em agosto de 1968, os artifícios táticos dos soviéticos incluíram o lançamento em Praga de paraquedistas por aeronaves civis.

A surpresa associa-se sobretudo ao início das guerras, quando é possível obter importantes vantagens nas primeiras e vitais horas do conflito. Na verdade, a surpresa não precisa ser total, para resultar em sucesso espetacular. Os israelenses compreenderam tardiamente, em 1973, que um ataque era iminente e ordenaram a mobilização total às 1000 de 06 de outubro. Mas 4 horas foram um tempo curto para reagir com eficácia a ameaça árabe. No decorrer da guerra é mais difícil surpreender, mas mesmo assim isso tem sido possível em diversas ocasiões. Na Segunda Guerra Mundial, os Aliados ocidentais conseguiram desinformar os alemães na invasão da Normandia, em junho de 1944, mesmo com estes cientes de que uma invasão estava próxima. Tantos os desembarques em Incheon (Operação Chromite), feito pelas forças da ONU em 16 de setembro de 1950, na Guerra da Coréia, quanto a ofensiva norte-vietnamita do Tet, em janeiro de 1968, valeram-se da surpresa. O sucesso dos israelenses em junho de 1967 é o caso mais impressionante, porque ambos os lados já estavam mobilizados havia 4 dias.

A possibilidade de jogar com o inesperado na guerra moderna tinha particular significado para a NATO e também para o bloco soviético. Supunha-se que a NATO receberia informações com no mínimo 3 semanas de antecedência sobre qualquer ofensiva na Europa Central, mas o aumento do poderio do Pacto de Varsóvia permitia que os soviéticos lançassem um ataque a partir de uma “largada estática”, sem mobilização prévia. Um intervalo suficiente para pôr-se em alerta era considerado fundamental pela NATO, como forma de ganhar tempo nos preparativos de defesa.

A NATO dispunha (e ainda dispõem) de uma vasta gama de sistemas de alta tecnologia para sondar as intenções do antigo Pacto de Varsóvia. Embora o constante número de dados coletados por satélites para centros de informações pudessem (e ainda podem), revelar movimentos estranhos, confiava-se mais na interceptação de comunicações do bloco soviético, tarefa que se tornou difícil nos dias atuais devidos aos sistemas digitais de criptografia e salto de frequência, o que era frequente para o então sofisticado equipamento instalado na Europa ocidental nos centros como Cheltenham, na Inglaterra. Este trabalho envolvia 2 tipos de atividade: identificação e classificação de transmissores e outros aparelhos militares, e interceptação e decodificação de mensagens. Estas práticas ainda são úteis, mas a tecnologia digital dificultou sobremaneira o trabalho destes operadores. Embora o inimigo, cuidadoso, em geral não ponha em risco seus segredos, transmitindo eletronicamente informações que podem ser captadas pelo outro lado (principalmente com equipamentos analógicos), era muito difícil de contornar a necessidade de enviar informações importantes dentro de um mesmo organismo militar ou entre organismos diferentes.

Mas, qualquer que seja a sofisticação da tecnologia ótica ou eletrônica usada para observar o adversário, a possibilidade de surpresa e dissimulação permanece. Alguém sempre terá que tomar a crucial decisão: é uma operação real ou uma farsa, uma mobilização ou uma simples manobra. A sorte e o discernimento de líderes políticos e comandantes militares definirão, em última instância, as possibilidades de um engajamento surpresa bem sucedido.

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