Combate SAR*
Coronel RR Darrel Whitcomb, USAF
Como bem demonstrado pelos últimos acontecimentos na Sérvia, as missões de Combate-SAR (CSAR)* continuam a ocorrer. O êxito alcançado nos resgates de dois pilotos que tiveram seus aviões atingidos em território inimigo, o primeiro voando um F-117 (código de chamada, Vega-31) e o outro um F-16 (Hammer-34), poderia ter-se tornado tema de uma história empolgante.
Contudo, pouco foi publicado sobre essas duas operações. Não há dúvida de que, nestes casos, a discrição tornava-se prudente, considerando-se que as operações estavam em andamento naquele Teatro de Operações. Entretanto, quando, ao final, essas histórias forem narradas, os leitores nelas encontrarão muitos aspectos em comum com as missões realizadas pelo SAR e pelo CSAR em conflitos anteriores. Esses relatos acharão lugar na rica saga de operações de resgate, que remonta ao início dos primeiros vôos tripulados e dignificam os homens que se expõem ao perigo “para que outros possam viver”.
*CSAR (Combate-SAR) significa a busca, o resgate e o salvamento de equipagens de aeronaves abatidas, ou de militares combatentes, que se encontrem isolados em território inimigo.
Do ponto de vista histórico, essas ações de resgate parecem enquadrar-se em padrões de longo prazo, dos quais podemos extrair importantes lições para emprego em futuras operações. Winston Churchill, um dedicado estudioso da história, disse uma vez: “Quanto mais distante pudermos olhar o passado, mais distante poderemos antever o futuro”.
A história da aviação é plena de relatos sobre as experiências de busca e salvamento. É provável que parte dessa história contribua para estimular discussões e debates que nos ajudem a levar a efeito uma análise mais demorada sobre este assunto. A razão para isso parece bem óbvia. Afinal, existe unanimidade no propósito de se resgatar nossos combatentes quando abatidos. Entretanto, como veremos, este assunto poderá ser bem mais complexo do que possa parecer à primeira vista.
Em qualquer operação militar precisamos estar preparados para realizar missões CSAR para resgatar equipagens de vôo, grupos militares ou mesmo equipes de forças de superfície que se encontrem isolados à retaguarda das linhas inimigas, podendo, por exemplo, vir a ser um piloto de caça, uma equipagem completa de uma aeronave AWACS (Airborne Warning and Control System), ou mesmo uma equipe de Forças Especiais, além de outras mais. (Os três soldados americanos que não puderam ser resgatados na Sérvia, durante os recentes conflitos nos Bálcãs, encontravam-se em uma patrulha terrestre de rotina).
O principal ponto a se considerar é o de que as missões CSAR são em si, pura e simplesmente, operações de guerra, constituindo-se apenas em uma outra forma de batalha, na qual princípios de guerra, como os princípios de massa, economia de meios e surpresa, através de operações diversionárias (dependendo da situação) são empregados.
Outros mais assumem singular importância como a unidade de comando, tornando-se essencial na concentração de esforços. O princípio da segurança torna-se crítico, negando ao inimigo informações que possam denunciar as diversas ações que devem ser realizadas, a tempo certo, concorrendo para a consecução do mesmo objetivo.
Em um Teatro de Operações, no qual muitas ações, batalhas e campanhas acontecem, as operações CSAR somam-se à neblina e ao caos da guerra. Entretanto, ao contrário de outros tipos de operações, cujos propósitos não são bem definidos ou naturalmente compreendidos, o objetivo do CSAR é sempre claro, bem entendido por todos e facilmente mensurável. Além do mais, o CSAR nos toca no nível fundamentalmente humano – uma característica que talvez seja perigosa porque nos pode desviar de outros esforços. Ou seja, torna-se fácil desviar meios destinados a outras operações para serem empregados em operações CSAR. Estamos dispostos a resgatar alguém independentemente dos custos? Aparentemente, a fórmula mágica de hoje diz que “a guerra deverá parar para que as operações CSAR sejam realizadas”. Será que isso é prudente?
Não é necessário dizer que as operações CSAR exigem precisão absoluta. Em um grande teatro de operações, onde muitas ações ocorrem ao mesmo tempo, temos de literalmente penetrar no domínio do caos organizado com o claro propósito de retirar uma ou mais pessoas específicas.
A experiência mostra que o tempo corre contra nós a partir do momento em que uma tripulação é abatida. Os inimigos sabem que faremos todo o esforço possível para resgatar o nosso pessoal. É preciso, portanto, supor que eles estão cientes dos nossos esforços e que provavelmente possuem, ainda, um certo conhecimento sobre nossas técnicas de resgate. Em teste recente realizado na Base Aérea Nellis, no estado de Nevada, constatou-se que após decorridas as duas primeiras horas a partir de uma ejeção sobre território inimigo, a probabilidade de um resgate bem-sucedido começa a diminuir.
A atividade CSAR parece incluir duas linhas de entendimento: por falta de melhores termos, as palavras logos ou lógica e pathos ou emoção serão suficientes. Ambas possuem o seu particular papel neste processo.
Logos
Analisando tudo isso do ponto de vista histórico, conclui-se que a adequada administração de 5 fatores principais contribui de forma decisiva para o êxito de um resgate. Naturalmente, ninguém pode assegurar o êxito da missão, considerando-se que, afinal, as operações ocorrem no domínio do conflito e da sorte.
Onde está o sobrevivente a ser resgatado?
O primeiro denomina-se posição — é preciso encontrar o(s) sobrevivente(s). Isso parece excessivamente elementar, mas é disso que se trata. É absolutamente fundamental para todo o processo. Conforme afirmou um recente relatório CSAR, “[C]oordenadas precisas são essenciais” para o resgate. (Note-se que o “S” de CSAR significa search [busca]).
Na época da Campanha no Sudeste Asiático [Guerra do Vietnã], costumávamos enviar uma patrulha de aeronaves A-1 para sobrevoar e “varrer” a área, em busca de sobreviventes. Hoje, com o advento de radares, armamentos antiaéreos de cano e mísseis superfície-ar sofisticados, essa prática está se tornando mais difícil de ser realizada. Devemos estar preparados para empregar todos os meios disponíveis, quer localizados no teatro de operações, quer no próprio país, para localizar o(s) sobrevivente(s).
Este aspecto torna-se crítico porque não podemos começar a reunir nossas forças para um resgate sem que tenhamos conhecimento de sua localização. Colocamos ênfase, também, na importância de se evitar que o inimigo descubra a localização do(s) sobrevivente(s).
O fator posição parece ser valioso no que se refere a quatro aspectos:
- Aspecto Estratégico. A localização do sobrevivente em relação às fronteiras de cada país pode causar um impacto substancial no relacionamento das nações, nas regras de engajamento, bem como em vários outros assuntos como, por exemplo, os acordos de autorização para sobrevôo de territórios. No Sudeste Asiático, tínhamos diferentes regras de operação para cada país: Vietnã do Sul, Vietnã do Norte, Laos e Camboja. Não realizamos nenhuma operação para resgate de tripulações perdidas sobre o território chinês.
- Aspecto Operacional. É preciso que determinemos se o local onde se encontra(m) o(s) sobrevivente(s) irá interferir em outras operações em curso no conflito mais amplo. Será que uma operação CSAR, em um determinado horário e lugar, irá interferir em alguma outra operação? Ou será que poderemos possivelmente tirar proveito de algum aspecto de outra operação em curso, para auxiliar o esforço de resgate?
- Aspecto Tático - O que precisamos fazer para chegar, de imediato, à área e local para realizar o resgate? Isso dependerá de uma clássica avaliação do setor de inteligência, sobre as forças adversárias, para que possamos decidir que ações tomar a fim de nos contrapormos ao esforço do inimigo em obstruir a nossa operação CSAR.
- Aspecto da Precisão - O que teremos de fazer para tornar o mais seguro e preciso possível o embarque (ou içamento) do(s) sobrevivente(s) no veículo de resgate — o evento mais crítico de toda a operação? Uma vez em ação, o veículo de resgate precisa manobrar rapidamente para recolher o(s) sobrevivente(s) e abandonar a área.
Estabelecendo contato
O segundo fator são as comunicações. É preciso estabelecermos comunicações com o(s) sobrevivente(s) e com os órgãos necessários para planejar, coordenar, comandar e executar o resgate.
A Guerra da Coréia nos mostrou que era preciso prover as nossas equipagens com rádios de sobrevivência. O planejamento realizado com antecedência pode-se mostrar bastante eficaz ao determinar como diferentes unidades e elementos trabalharão em conjunto para executar uma operação CSAR de caráter imediato.
A Ordem de Operações e demais instruções especiais, bem como termos comuns e bem entendidos por todos os envolvidos, muito contribuem, também, para este fim. De forma oposta, palavras codificadas, entendidas por apenas uma parte dos participantes da operação CSAR, podem gerar confusão em momentos críticos. Todos nós concordamos com o significado da palavra bingo? Quantos pilotos de caça conhecem o significado da expressão spider route? Quantos pilotos de helicóptero sabem o que significa a palavra magnum? Além do mais, no transcurso de uma intensa operação CSAR, precisamos excluir aqueles que não possam contribuir para a consecução do objetivo da missão. Informação inútil ou “conversa fiada” nada mais é do que ruído e interferência nas comunicações.
Quais meios empregar
O terceiro fator são os veículos de resgate. Precisamos sempre contar com um veículo de resgate. Ele simplesmente não aparecerá por acaso. Sempre pensamos nos helicópteros de grande porte – como os que nós denominamos Jolly Greens – como sendo os veículos, mas devemos pensar muito além disto. Veículos navais, veículos terrestres, ou mesmo, talvez, uma equipe de resgate de solo pode bem executar a tarefa. Não importa que insígnia o veículo venha a usar. Ele será, afinal, apenas um meio. O resgate, sim, será sempre o objetivo fim de toda a operação.
Sobreviventes devem estar preparados para ser resgatados
O quarto fator são a habilidade e a astúcia dos sobreviventes. Conforme enunciado em um recente relatório CSAR, “as ações praticadas pelo(s) sobrevivente(s) constituem parte integrante do êxito ou fracasso de qualquer operação de resgate”.A história dos resgates está repleta dessa temática.
É preciso ter superioridade circunstancial
O quinto fator é a superioridade circunstancial na área do resgate. Temos de ser capazes de manter, na área e no espaço circunvizinhos ao local em que se encontra(m) o(s) sobrevivente(s), uma superioridade circunstancial, em grau suficiente e por tempo adequado, para permitir que tenhamos o controle e a liberdade de execução das ações de resgate. Uma das lições que tiramos da Guerra da Coréia foi que a superioridade aérea é um fator essencial para o êxito das operações de uma Força-Tarefa de Resgate.
A necessidade de superioridade circunstancial, contudo, é tri-dimensional, considerando-se que algumas das mais sérias ameaças encontram-se, hoje em dia, baseadas no solo. Isso aplica-se exclusivamente às operações CSAR, diferenciando-as das operações SAR. Já os quatro primeiros fatores apresentados aplicam-se a praticamente qualquer tipo de Operação de Busca e Salvamento.
Renovamos a afirmação de que em combate o inimigo fará oposição às nossas ações. Precisamos, portanto, impor a nossa vontade, mantendo controle sobre as ações em curso por tempo suficiente de modo a permitir que o veículo de resgate apanhe o(s) sobrevivente(s) e abandone a área. Estas ações são desenroladas em território inimigo, sob a oposição de suas forças, constituindo-se, portanto, em situações de combate e em operações de guerra. Vamos rever alguns exemplos históricos dos quais poderemos extrair determinadas lições.
Segunda Guerra Mundial
Em fevereiro de 1944, uma Força-Tarefa de Navios-aeródromos da Marinha Americana atacou as Forças Japonesas no Atol de Truk. Durante a batalha, um avião Grumman F-6F do USS Essex foi atingido. O piloto conseguiu fazer uma amerissagem forçada em uma das lagoas formadas por corais que envolviam as ilhas. O líder da esquadrilha viu quando o seu ala tocou a água, constatando que ele sobrevivera e que conseguira subir em seu bote.
Chamou em seguida o Essex e, informando a posição do sobrevivente, pediu uma missão de resgate aeronaval. O Essex acionou outro navio da Força-Tarefa, o USS Baltimore, que lançou um avião anfíbio OS2U-3 Kingfisher para resgatar o piloto abatido. Entretanto, antes que a aeronave de salvamento chegasse, o líder da esquadrilha notou que um destróier japonês entrava na lagoa para, aparentemente, capturar o piloto americano. A seguir, o ás e suas aeronaves remanescentes na esquadrilha, passaram a atacar repetidas vezes o destróier, desviando-o de seu curso e provendo suficiente superioridade circunstancial para proteger e facilitar o resgate em curso.
Procedimento similar, com pequena diferença, repetiu-se dois meses depois. À medida que a Força-Tarefa continuava a atacar os japoneses no Atol de Truk, mais aviões da Marinha foram abatidos. Em um incidente, outro Kingfisher, desta vez do navio North Carolina, amerrissou e recolheu dez tripulantes em uma lagoa de corais. Porém, como estivesse muito pesado para decolar, com os sobreviventes literalmente acampados sobre suas asas, “taxiou” para o mar aberto, enquanto os caças executavam uma cobertura para protegê-lo, até que os sobreviventes fossem transferidos, em mar aberto, para o submarino USS Tang, que os aguardava.
Guerra da Coréia
Em junho de 1951, um piloto pousou forçado o seu Mustang, atingido pela antiaérea, nas águas do Rio Taedong, 50 milhas a nordeste de Pyongyang. Seus companheiros de esquadrilha o viram nadando e pediram um avião de resgate. Um SA-16 Albatroz, pilotado pelo Primeiro-Tenente John Najarian voou para o local.
Outros Mustangs se juntaram à primeira esquadrilha e suprimiram as metralhadoras inimigas em ambas as margens, enquanto o SA-16 pousava nas águas frias do rio e resgatava o piloto do Mustang. Naquele momento, o sol já havia se posto e a correnteza havia levado o avião em direção a uma rede elétrica de alta tensão, que cruzava o rio. Para ajudar o Ten Najarian a ver os cabos, os Mustangs sobrevoavam a rede, com seus faróis de pouso acesos, permitindo que ele decolasse, em segurança, executando uma trajetória que passava por baixo dos cabos da rede.
Guerra do Vietnã
Um bom número de histórias sobre o Sudeste Asiático merecem ser contadas. Uma delas refere-se ao Oyester 01Bravo. Em maio de 1972, um F-4 Phantom foi abatido a noroeste de Hanói. O Primeiro-Tenente Roger Locher, operador do sistema de armas (WSO), evadiu-se em território inimigo e após 23 dias de fuga, conseguiu estabelecer comunicações com forças amigas que conseguiram localizá-lo.
As Forças de Resgate no Teatro de Operações foram acionadas mas, inicialmente, foram rechaçadas pelo inimigo. O General John Vogt, Comandante da Sétima Força Aérea, determinou que todo o esforço aéreo do dia seguinte fosse dedicado a manter uma suficiente superioridade aérea no local para apoiar a operação de resgate, que finalmente resultou em sucesso.
A Operação Bat-21Bravo/Nail-38Bravo, uma imensa operação SAR, a maior deste tipo realizada na Guerra do Vietnã, ocorreu em abril de 1972. Nossas forças estabeleceram comunicações com os sobreviventes e facilmente os localizaram. Embora tivéssemos forças de resgate disponíveis, não pudemos manter uma superioridade circunstancial no local e, em conseqüência, nenhum helicóptero de resgate conseguiu retirá-los de onde estavam.
De fato, no esforço para cumprir esta missão, vários helicópteros vieram a ser abatidos. Foi então que uma pequena equipe de solo, fazendo uso de técnicas furtivas e apoiada por fogo preciso, conseguiu, finalmente, resgatar os dois tripulantes.
Uma tentativa de resgate que resultou em insucesso, Owl 14 Bravo, é, não obstante, instrutiva. Outro F-4 foi abatido sobre o Vietnã do Norte, logo ao norte da zona desmilitarizada, em maio de 1972.
Apenas um sobrevivente (o Capitão Ray Bean, WSO) fez contacto rádio com as forças de cobertura, que o localizaram. Os meios de resgate encontravam-se disponíveis, mas a área estava repleta de unidades de defesa antiaérea.
Antes que pudéssemos suprimi-las o suficiente para que um helicóptero pudesse executar a penetração, o inimigo capturou o sobrevivente, que foi libertado em Hanói, um ano depois. O Cap Bean disse que as forças inimigas no local eram tão concentradas que certamente teriam destruído qualquer helicóptero que houvesse tentado penetrar na área.
Guerra do Golfo
Em 21 de janeiro de 1991, um míssil iraquiano atingiu um F-14, Slate-46. Estabelecemos intermitentes contatos rádio com o piloto, mas tínhamos apenas uma ideia geral de sua posição. O inimigo havia capturado o segundo tripulante, um oficial encarregado de interceptar as comunicações-rádio iraquianas.
Um helicóptero MH-53, pilotado pelo Cap Tom Trask, penetrou fundo no território iraquiano. Nas proximidades da posição do sobrevivente, um elemento de A-10 (2 aviões) juntou-se ao helicóptero. Os aviões manobraram então para localizar a posição do piloto no solo e vetorar o helicóptero em direção a ele.
Porém, as tropas inimigas encontravam-se na área, incluindo alguns caminhões que, evidentemente, procuravam identificar a posição do radiotransmissor do sobrevivente. O Cap Paul Johnson, que liderava os A-10, atacou as tropas e veículos inimigos, a apenas 150 metros de distância do piloto da Marinha, permitindo que ele fosse apanhado e resgatado pelo helicóptero do Cap Trask.
Guerra dos Bálcãs
Também é útil conhecer a fracassada tentativa de resgate da equipagem de um Mirage da Força Aérea Francesa (Ebro-33), abatido no final de agosto de 1995, durante a Operação Deliberate Force da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Nunca conseguimos estabelecer contacto rádio com os possíveis sobreviventes e nem determinar a posição em que se encontravam.
Muito embora nossas forças de resgate estivessem disponíveis e possuíssemos também suficientes meios para manter uma adequada superioridade circunstancial no local, nunca os encontramos. Em realidade, forças amigas chegaram ser feridas no esforço de busca.
Pathos
Voltamo-nos agora para pathos, o “porquê” emocional de tudo isto. Novamente, a resposta nos parece bastante óbvia. O sobrevivente será sempre um de nós e jamais viremos a abandonar um companheiro.
Os pilotos de combate, entretanto, não aceitaram submeter-se a correr os riscos de perdas e de morte no campo de batalha? Eles não recebem uma gratificação adicional de risco, que se soma a seus soldos?
Conforme disse um general da Força Aérea em 1972, no auge das ações da Operação SAR Bat 21Bravo, “Na qualidade de aviador, soldado ou marinheiro, nós devemos entender que haverá momentos em que nós, como indivíduos, deveremos ser sacrificados em benefício do objetivo maior [da missão]”.
Sim, aceitamos o risco, mas não concordamos em que a vida de cada companheiro seja facilmente considerada descartável, especialmente em uma guerra que não pareçamos ter a intenção de vencer.
Assim, por que tanto esforço a despender por um único indivíduo? Vários motivos nos vêm à mente:
Ninguem gosta ou admite deixar um companheiro para trás
O primeiro é a natureza humana. As histórias dos resgates encontram-se entre as mais heróicas. As pessoas sempre se apresentam para ajudar aqueles em perigo. O fato de que o inimigo sistematicamente se opõe às operações CSAR nos motiva a redobrar nossos esforços.
É possível fazer. por quê não fazer?
O segundo é o fato de que podemos. Temos desenvolvido equipamentos e instrumentos para resgatar qualquer pessoa de praticamente qualquer lugar. Além disso, não hesitamos em usar qualquer tipo de tecnologia em benefício deste processo. Aprendemos, também, a organizar nossas forças para conquistar o necessário nível de superioridade circunstancial, para que as forças de resgate possam cumprir sua missão.
Para os viciados no Joint Vision 2010, chamamos isso de manobra dominante e engajamento de precisão.
Faz bem para o moral dos companheiros
O terceiro é o moral das tropas. As operações de resgate afetam o moral de nossas tropas. O General Hap Arnold já havia notado esta correlação na Segunda Guerra Mundial. Ele dirigiu a criação das forças de resgate americanas, a exemplo do que fizeram britânicos e alemães, que teriam por missão resgatar tripulações abatidas.
Sua idéia era em parte pragmática, já que são necessários muitos recursos para formar e treinar suas equipagens, especializando-as em missões de resgate. Em termos humanistas, isto não significa que as equipagens de resgate venham a ter maior valor do que outras americanas.
Substituí-las, porém, torna-se uma tarefa bem mais difícil. O General Hugh Shelton, Presidente da Junta de Chefes de Estado-Maior, tocou neste assunto quando afirmou: “Ao nos comprometermos a empenhar todo e qualquer esforço em resgatar nosso [pessoal] altamente treinado, transmitimos uma mensagem poderosa sobre a importância que possuem e, ao mesmo tempo, os incentivamos a manter a força e a coragem em meio à tensão do combate”.
Os sobreviventes podem ter alto valor para o inimigo
O quarto é a negação de recursos. Resgatando o nosso pessoal, estaremos negando valiosos recursos ao inimigo. Informações e o valor da propaganda são questões bastante óbvias neste caso. Considere-se o incidente de Mogadíscio ou o episódio em que o Cap Scott O’Grady foi atingido, em vôo, pelos sérvios-bósnios. Durante a Guerra do Golfo, Saddam Hussein tentou explorar as tripulações capturadas e não há dúvida de que o fará novamente, se ocorrer, por acaso, uma perda de equipagem sobre o Iraque, durante a Operação Northern Watch ou Southern Watch.
Todo combatente desempenha melhor se tiver certeza que será resgatado
O último é o pacto ou liame que une a irmandade dos homens da Força Aérea. Uma vez mais, o General Hap Arnold observou que as tripulações cumpriam suas missões de forma mais eficiente quando tinham certeza de que, caso viessem a ser abatidas no cumprimento da missão, todo esforço seria feito para resgatá-las.
Os combatentes de terra chamam este liame de coesão de unidade, observando que, com o passar do tempo, os soldados deverão crer naquilo que fazem e acreditar que a causa, pela qual lutam, vale o sacrifício que lhes é imposto.
Na ausência desses valores, nossos soldados deverão continuar a ter a consciência de que sempre estarão, pelo menos, lutando uns pelos outros. Stephen Ambrose tem, de forma convincente, documentado a ocorrência deste fenômeno entre os americanos que lutaram na Segunda Guerra Mundial.
Nosso pacto não é tanto específico das unidades em si, como o é da raça – a raça de homens do ar. É o fio condutor comum que se alonga desde a gênese do vôo até os recentes resgates realizados na Sérvia. Que liame é esse? A resposta é simples: sempre que possível, não abandonaremos os nossos companheiros que forem abatidos sem que tenhamos empreendido uma tentativa de resgatá-los.
Isto não significa que não sejamos realistas sobre a guerra. Os homens da Força Aérea entendem, aceitam e supõem que sofreremos baixas. Entretanto, não as sofreremos levianamente. Contamos com que qualquer que seja o pedido que nos façam, que ele seja suficientemente valioso para valer o respectivo sacrifício — que não sejamos eliminados por uma missão ilusória ou inútil, e que nossos soldados não terão morrido em vão”, como bem disse o Presidente Lincoln em Gettysburg.
Minha proposta, contudo, é que nossa propensão para as missões CSAR se apresente numa escala variável inversamente proporcional ao nível de esforço que estejamos dispostos a despender em qualquer conflito. Em outras palavras, em um conflito total, em que a sobrevivência nacional venha a estar em jogo, a nação pagará qualquer preço.
Eu me lembro, claramente, que, quando piloto de A-10, em 1980, ouvi um general da OTAN dizer que ele “cobriria toda a margem ocidental do Rio Elba com carcaças de aviões A-10, para evitar que as forças do Pacto de Varsóvia atravessassem o rio”. Fiquei estarrecido com aquele pronunciamento, até entender o real significado de suas palavras. Aquela situação teria ocorrido no decorrer de um conflito generalizado, em que a própria sobrevivência dos EUA teria estado em jogo.
Ali, a intensidade dos combates nos teria imposto aquele sacrifício final. A nossa nação tem aceito tais perdas, em altos níveis, em tempos de grandes crises como a Guerra de Secessão ou a Segunda Guerra Mundial.
Em conflitos limitados, contudo, esperamos pagar apenas um preço limitado. Por quê?
Estou bem lembrado do velho provérbio que afirma: “São as nações, e não as forças militares, que fazem as guerras”. E as nações sempre lutam por objetivos políticos.
Carl von Clausewitz explanou este conceito, muitos anos atrás, quando disse: “O objetivo político é a meta, a guerra é um meio de conquistá-lo, e os meios nunca podem ser considerados de forma divorciada de seus propósitos”.
Assim, a meta ou objetivo determina a necessidade e o grau de importância da guerra, contra o qual a população irá comparar o preço e os custos da guerra, avaliando e determinando o apoio popular à guerra. A sociedade mede estes custos em termos de impostos e, mais importante ainda, dos riscos de vida a que serão submetidos seus filhos e filhas.
Novamente Clausewitz explica: “Quando os gastos com o esforço de guerra excederem o valor do objetivo político, a nação deverá abdicar deste objetivo e evitar a guerra.”
Por conseguinte, as operações CSAR serão limitadas em um conflito total, mas não em engajamentos limitados, em que nos condicionamos a somente pagar um preço limitado para conquistar um objetivo também limitado.
Atualmente, parece que o Poder Aéreo é a arma preferida para esta missão. De fato, nossos líderes políticos sentem — com base no que escutam de seus eleitores — que o público tem pouca tolerância por perdas. O fato de que as tripulações de aeronaves são, no momento, os únicos combatentes a serem submetidos a risco, confere uma real importância ao CSAR, acentuando, assim, o pacto. Fui testemunha ocular disso como jovem tenente no Sudeste Asiático.
Por volta de 1969, meu país havia começado a voltar-se contra a guerra. O objetivo, qualquer que fosse, não mais valia o alto preço que estávamos pagando. Os Estados Unidos queriam retirar-se. O Presidente Nixon chamou isso de “paz com honra”. Recordo-me, contudo, de ouvir meu comandante de esquadrão nos dizer: “Não há nada aqui que valha uma vida americana — exceto outro americano”.
Aquilo nos levou a refletir, considerando o fato de que estávamos lutando ao lado de nossos aliados.
Em 1972, depois de oito anos de guerra, continuávamos lá, ainda lutando, sem qualquer dedicação real a uma causa, exceto a retirada. De maneira semelhante aos guerreiros de conflitos anteriores, lutávamos uns pelos outros. Nós tínhamos como artigo de fé que se fôssemos abatidos, o Jolly viria nos buscar. De fato, o helicóptero de resgate [Jolly] tornou-se o símbolo daquele liame ou pacto. Para as tripulações de resgate, o termo Jolly tornou-se um código de chamada-rádio. Para nós outros, era uma prece. Para muitos, a salvação. Era o liame.
Hoje em dia, o registro desses sentimentos não tem sido um traço de excelência nosso, dos homens do ar. Reflita, porém, sobre as palavras de um marujo de um barco-patrulha da Marinha, que considerou este assunto de forma diferente. Quando, reunidos, lamentavam o fracasso de uma tentativa de encontrar e resgatar companheiros perdidos no mar durante uma batalha noturna, ele disse: “A vantagem de voltar para buscar é a mensagem que isso transmite. Ainda que você tenha desaparecido envolto em uma bola de fogo, seus amigos voltarão, e lá haverão de estar, procurando você”.
Recentemente, o General Shelton tornou a acentuar essa determinação ao dizer que “Este liame entre guerreiros encerra o compromisso de não abandonar um companheiro no campo de batalha, um compromisso que se estende ao marinheiro, no mar, ou a um ala que seja atingido em profundidade à retaguarda das linhas inimigas”.
Porém aqui vai um alerta: é preciso que não façamos isso às custas das forças de terra. As operações de resgate devem ser realizadas, de forma proporcional, como parte integrante da batalha maior. Qual é o limite? Não sei. Novamente, Churchill nos deixa uma orientação bastante prática: em 1940, os exércitos alemães “varreram” os países do Oeste Europeu, empurrando o exército britânico de volta a um enclave no porto francês de Dunquerque.
A Real Marinha Inglesa e marinheiros em suas embarcações particulares acorreram para transportar uma grande parte da força de volta à Grã-Bretanha, mesmo sem suficientes equipamentos ou mesmo uma organização adequada. Depois de uma primavera de constantes notícias desagradáveis e humilhação, o povo inglês celebrou esse acontecimento como uma grande vitória. Churchill, porém, dirigiu-se ao Parlamento para lembrá-los de que “É preciso que sejamos bastante cuidadosos para não atribuirmos a esta libertação as características de uma vitória”.
As guerras não são ganhas por meio de evacuações”. Pode-se argumentar, também, que elas tampouco são ganhas por operações CSAR. Entretanto, a capacidade e a determinação para se realizar missões CSAR são fatores chaves para manter o moral das equipagens de combate, em especial nas ocasiões em que seus integrantes são os únicos combatentes a correrem risco de vida. O General Vogt entendia isto muito bem quando enviou uma grande força-tarefa para as imediações de Hanói para executar o resgate de Roger Locher em 1972.
Nunca deveremos resgatar nosso pessoal às custas de nossos aliados. Na guerra de coalizão, o relacionamento entre aliados é um centro de gravidade que um inimigo habilidoso poderá tentar desestabilizar. Hitler tentou fazer isto com a grande coalizão na Segunda Guerra Mundial.
Os norte-vietnamitas foram deveras habilidosos ao inserirem uma cunha entre os americanos e os nossos aliados, os sul-vietnamitas. Precisamos assegurar-nos de que estamos dispostos a realizar as operações CSAR em favor de todos os nossos aliados, da mesma forma como o fizemos em busca do Ebro-33.
Assim, isso é pathos. Estas são forças poderosas que ocasionalmente nos são trazidas à lembrança por acontecimentos que, parecendo pequenos, são muito significativos. Em novembro de 1997, nós nos reunimos, em várias centenas, no Cemitério Nacional de Arlington para enterrar a tripulação do helicóptero Jolly Green-67, perdida no esforço de resgate do Bat-21Bravo em 1972.
Foi um lindo e memorável dia. Ninguém seria capaz de contar todos os veteranos daquela época, que lá se reuniam para dar, aos nossos companheiros, as boas-vindas e o último adeus no regresso ao lar. De fato, a cor azul dos uniformes, usados pelos veteranos, com suas condecorações, cobriram toda a área e parte da colina adjacente.
Dois helicópteros MH-53, descendentes dos antigos Jolly Greens, realizaram um magnífico sobrevôo. O Ten Gen Dave Vesely, representando o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea dos EUA, disse: “Todos nós, que temos voado em situações de risco, sabemos muito bem a diferença que faz termos a plena consciência de que todo e qualquer esforço será feito para nos resgatar, caso venhamos a ser abatidos...
Hoje, enquanto contabilizamos o alto custo destas operações, devemos, também, nos considerar afortunados por termos nos tornado os beneficiários destes, os melhores dos homens – homens que souberam dar suas próprias vidas, ‘para que outros possam viver’”.
Finda a cerimônia, muitos dos velhos veteranos daqueles tempos, missões e combates aproximaram-se do caixão. Alguns depositaram suas boinas marrons, outros depositaram rosas ou deixaram simples adesivos. Alguns fizeram-lhes continência ou os tocaram. Em tudo isso havia uma mensagem. Aqueles veteranos, ainda orgulhosos, tinham ido atrás do Jolly porque eles bem se lembravam do tempo em que, se necessário, o Jolly teria ido atrás deles.
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