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A surpresa sempre foi um elemento fundamental da guerra. Da destruição da armada persa em Salamina (480 ac) ao ataque alemão nas Ardenas em 1940, são numerosos os exemplos de campanhas militares decididas por lances inesperados. No mundo contemporâneo, a surpresa desempenha papel ainda mais central, sobretudo porque o alto poder destrutivo das armas modernas significa que a capacidade de retaliação de um inimigo pode ser desmantelada de um só golpe. A solução para isso tem sido o desenvolvimento de formas cada vez mais sofisticadas de vigilância.
Em alguns exemplos a surpresa pode resultar de falha
flagrante da vigilância e dos serviços de informação. Antes do ataque japonês a
Pearl Harbor, em dezembro de 1941, a coordenação do serviço secreto americano
era feita de maneira inadequada, o que não lhe permitia interpretar com
precisão as intenções japonesas. Do mesmo modo a surpresa da NATO com a invasão
da Tchecoslováquia pelos soviéticos em agosto de 1968, deve ser atribuída, em
boa parte, ao colapso dos sistemas de comunicação em todos os níveis. O
presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson, foi informado da ação soviética não
pelos seus próprios serviços de informação, mas pelo embaixador soviético,
enquanto comandantes da NATO souberam do fato pelos jornais e televisão.
Informações sobre o que pretende um adversário são recebidas
com regularidade, mas não avaliadas de forma devida. Assim durante os
preparativos dos árabes para atacar Israel na guerra do Yom Kippur, em outubro
de 1973, muitos indicadores das intenções árabes foram mal interpretados pelo
serviço secreto israelense. Atribuíram-se as concentrações de tropas sírias a
planos defensivos e os movimentos egípcios a manobras de rotina – e nenhuma
correlação se fez entre os 2. Tampouco se deu importância a retirada das
famílias de técnicos soviéticos do Egito 2 dias antes do ataque. Alguns
oficiais do serviço secreto levantaram a questão, mas não convenceram seus
superiores.
À falha dos serviços secretos israelenses, que não previram
o ataque, juntou-se um erro dos americanos. Quando, nos EUA, um grupo de
acompanhamento de crise foi montado no primeiro dia da guerra, vários membros,
entre os quais o secretário da Defesa, o presidente da Junta de Chefes do Estado
Maior e o diretor da Agência Central de Informações (CIA), ficaram sabendo que Israel
é que atacara os árabes.
No entanto, a falha provém com mais frequência da capacidade
que militares e líderes políticos tem de auto-iludir-se. Na Guerra da Coréia,
em outubro de 1950, as diversas advertências dos chineses sobre uma intervenção
iminente foram interpretadas como blefe. Quando se detectaram provas de uma
gradual concentração militar chinesa na Coréia do Norte, imaginou-se que os
chineses tinham objetivos limitados e esses não se estenderiam a uma ofensiva
contra forças da ONU. Em 1973, os israelenses estavam convencidos de que os
egípcios não se arriscariam em outra guerra até pelo menos 1975.
Logicamente, o esquema de contra-informação empregado pelo
inimigo também pode contribuir para a surpresa decorrente de erros de
informação ou avaliação. No nível estratégico, a preparação norte-coreana para
a invasão da Coréia do Sul em junho de 1950 não foi detectada em parte porque
haviam ocorrido constantes violações de fronteira no passado. Em outubro de
1956, os israelenses levaram os egípcios a sentir-se seguros, fingindo dirigir
ações conta a Jordânia e não contra o Sinai. E em junho de 1967, pouco antes do
ataque israelense, Moshe Dayan afirmou que era tarde demais para Israel reagir
militarmente ao fechamento do estreito de Tiran, recomendando uma ação
diplomática.
Por sua vez, os egípcios confundiram os israelenses, fingindo-se
mobilizar-se total ou parcialmente em cerca de 20 ocasiões diferentes, entre
dezembro de 1972 e outubro do ano seguinte. Uma grande mobilização egípcia em
maio de 1973, custou aos israelenses cerca de 6 milhões de dólares para também
se mobilizarem, mesmo contra a opinião do chefe do serviço de informações,
general Eliahu Zeira. Diante de idêntica situação em outubro, Zeira declarou: “Da
outra vez eu lhes disse que nada aconteceria, mas vocês não acreditaram.
Digo-lhes de novo: nada acontecerá”. Em defesa de Zeira, deve-se lembrar que
crises são mais comuns que guerras e que os erros de interpretação constituem
um risco funcional dos serviços secretos. A invasão da Tchecoslováquia pelos
soviéticos, em agosto de 1968, também foi marcada por tentativas de simular
intenções não militares. Na época da invasão, a URSS havia encerrado uma série
de manobras ná fronteira tcheca e a tropas aparentemente começando a
dispersar-se, enquanto o presidente Johnson se recolhia a sua fazenda para
férias de verão.
A surpresa também pode ser preparada em nível tático-operacional.
Em 1956, o ataque inicial dos paraquedistas de Israel no desfiladeiro de Mitla
foi anunciado como uma “represália”, a fim de levar os egípcios a acreditar que
se tratava de ato isolado. Em 5 de junho de 1967, ao procurar destruir a Força Aérea Egípcia de um só golpe, os israelenses tiveram o cuidado de não atacar ao
amanhecer nem no pôr-do-sol, quando uma investida deste tipo é esperada;
marcaram o ataque para as 0845, hora egípcia, quando os egípcios já haviam
relaxado o alerta matinal.
Os israelenses viram-se igualmente surpreendidos em outubro
de 1973, com o emprego pelos egípcios de mangueiras de água de alta pressão
para romper as linhas inimigas nas margens de Suez; e também pelo uso
intensivo, por parte dos árabes, de mísseis anticarro e antiaéreos. Em agosto
de 1968, os artifícios táticos dos soviéticos incluíram o lançamento em Praga
de paraquedistas por aeronaves civis.
A surpresa associa-se sobretudo ao início das guerras,
quando é possível obter importantes vantagens nas primeiras e vitais horas do
conflito. Na verdade, a surpresa não precisa ser total, para resultar em
sucesso espetacular. Os israelenses compreenderam tardiamente, em 1973, que um
ataque era iminente e ordenaram a mobilização total às 1000 de 06 de outubro.
Mas 4 horas foram um tempo curto para reagir com eficácia a ameaça árabe. No
decorrer da guerra é mais difícil surpreender, mas mesmo assim isso tem sido
possível em diversas ocasiões. Na Segunda Guerra Mundial, os Aliados ocidentais
conseguiram desinformar os alemães na invasão da Normandia, em junho de 1944,
mesmo com estes cientes de que uma invasão estava próxima. Tantos os
desembarques em Incheon (Operação Chromite), feito pelas forças da ONU em 16 de
setembro de 1950, na Guerra da Coréia, quanto a ofensiva norte-vietnamita do Tet,
em janeiro de 1968, valeram-se da surpresa. O sucesso dos israelenses em junho
de 1967 é o caso mais impressionante, porque ambos os lados já estavam
mobilizados havia 4 dias.
A possibilidade de jogar com o inesperado na guerra moderna
tinha particular significado para a NATO e também para o bloco soviético.
Supunha-se que a NATO receberia informações com no mínimo 3 semanas de antecedência
sobre qualquer ofensiva na Europa Central, mas o aumento do poderio do Pacto de
Varsóvia permitia que os soviéticos lançassem um ataque a partir de uma “largada
estática”, sem mobilização prévia. Um intervalo suficiente para pôr-se em
alerta era considerado fundamental pela NATO, como forma de ganhar tempo nos
preparativos de defesa.
A NATO dispunha (e ainda dispõem) de uma vasta gama de
sistemas de alta tecnologia para sondar as intenções do antigo Pacto de Varsóvia. Embora
o constante número de dados coletados por satélites para centros de informações
pudessem (e ainda podem), revelar movimentos estranhos, confiava-se mais na
interceptação de comunicações do bloco soviético, tarefa que se tornou difícil
nos dias atuais devidos aos sistemas digitais de criptografia e salto de
frequência, o que era frequente para o então sofisticado equipamento instalado na
Europa ocidental nos centros como Cheltenham, na Inglaterra. Este trabalho
envolvia 2 tipos de atividade: identificação e classificação de transmissores e
outros aparelhos militares, e interceptação e decodificação de mensagens. Estas
práticas ainda são úteis, mas a tecnologia digital dificultou sobremaneira o
trabalho destes operadores. Embora o inimigo, cuidadoso, em geral não ponha em
risco seus segredos, transmitindo eletronicamente informações que podem ser
captadas pelo outro lado (principalmente com equipamentos analógicos), era
muito difícil de contornar a necessidade de enviar informações importantes
dentro de um mesmo organismo militar ou entre organismos diferentes.
Mas, qualquer que seja a sofisticação da tecnologia ótica ou
eletrônica usada para observar o adversário, a possibilidade de surpresa e
dissimulação permanece. Alguém sempre terá que tomar a crucial decisão: é uma
operação real ou uma farsa, uma mobilização ou uma simples manobra. A sorte e o
discernimento de líderes políticos e comandantes militares definirão, em última
instância, as possibilidades de um engajamento surpresa bem sucedido.
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