FRASE

"Quem escolhe a desonra a fim de evitar o confronto, a conseguirá de pronto, e terá o confronto na sequência."

domingo, 20 de janeiro de 2013

Operações Aéreas em Conflitos de Baixa Intensidade #067


O Caso da Chechênia

TIMOTHY L. THOMAS

CONFLITOS RECENTES na Chechênia e na Bósnia indicam que, no futuro imediato, conflitos de baixa intensidade (CBI) predominarão em vez de cenários de operações de grande intensidade do tipo da Operação Tempestade no Deserto. 

A triste realidade é que essas escaramuças, de acordo com o General R/R Charles Boyd, da Força Aérea dos EUA, “não podem produzir uma solução duradoura mediante força militar — de terra ou ar — mas apenas uma solução que dure até a força retirar-se” e que “depender exclusivamente do poder aéreo — a opção de ataque — nesse tipo de terreno, com tais tipos de alvos, jamais sustentou qualquer promessa real de resolução de conflito”.

Os comentários de Boyd parecem aplicar-se ao conflito de dezembro de 1994 a agosto de 1996 entre a Rússia e as forças rebeldes da Chechênia. Aqui, um dos combatentes era uma antiga superpotência e o outro uma flácida coleção de rebeldes munidos apenas de armas terrestres. 

Sem ter de fazer frente a qualquer outra ameaça aérea que não a antiquada artilharia antiaérea ZSU-23/4, a Força Aérea russa, embora eficaz, não foi capaz de causar um impacto significativo no curso e no resultado da luta. Como observou Ben Lambeth, analista da RAND,
A guerra da Rússia contra a Chechênia foi símbolo dos desafios relacionados com a segurança que a Força Aérea deverá mais provavelmente enfrentar na próxima década. A guerra foi regional, mas distante do centro da Rússia. Mostrou um inimigo tecnologicamente pouco sofisticado, mas ao extremo obstinado do ponto de vista étnico. Não apresentava qualquer ameaça ar-ar e oferecia um ambiente que lhe permitia atacar apenas aeronaves que voassem a baixa altura.… Finalmente, não consistiu em uma Força Aérea oponente ou em um conjunto de alvos e, consoantemente, não impôs grandes exigências à Força Aérea em termos de desempenho de alta tecnologia. No todo, a despeito do uso ocasional eficaz de armas dirigidas de precisão contra alvos-chave, a quantidade prevaleceu contra a qualidade nas operações da Força Aérea na Chechênia.
A breve avaliação aqui desenvolvida examina dois aspectos das operações aéreas na Chechênia. Primeiramente, concentra-se em quais táticas e operações funcionaram (dentro do contexto das Forças Armadas russas so-frendo severos reveses financeiros e relacionados com equipamento que muito limitam o treinamento para operações dessa natureza). Em segundo lugar, examina quais aeronaves apresentaram melhor desempenho no conflito — de asas rotativas ou de asa fixa.




A Ameaça Aérea

A Chechênia, república localizada no extremo sudoeste da Rússia, entre o Mar Cáspio e o Mar Negro (região do Cáucaso naquele país), na realidade começou a afastar-se da Rússia em 21 de agosto de 1991 (dois dias depois do Golpe de Agosto na antiga União Soviética) e declarou sua independência da Rússia em 6 de setembro de 1991. 

Dzhokhar Dudayev, antigo general da Força Aérea soviética, fora convidado a assumir o posto de presidente pelo Congresso Amalgamado do Povo Checheno da Estônia (onde alguns chechenos viviam em exílio). Mais tarde, ele foi eleito por voto popular, tornando-se defensor da libertação da Chechênia frente à Rússia. 

Muitos russos no regime então corrente consideraram as eleições ilegais e, portanto, caracterizaram como ilegítima a presidência de Dudayev. O Quinto Congresso Russo de Deputados do Povo não apenas decretou as eleições ilegais, mas também declarou que o regime de Dudayev era inconstitucional.

Na segunda metade de 1993, desenvolveu-se uma oposição a Dudayev na Chechênia, que se transformou numa guerra de guerrilha em pequena escala. Na primavera de 1994, a oposição a Dudayev recorreu ao apoio da Rússia, para ajuda no estabelecimento da ordem constitucional. A Rússia assentiu. Em novembro de 1994, a força de oposição a Dudayev, apoiada pelos serviços de segurança russos, conduziu um ataque para depor Dudayev.

A operação fracassou de modo desolador e a Rússia decidiu intervir militarmente.

No início do conflito entre a Chechênia e a Rússia, o presidente checheno Dudayev dispunha de quase 265 aeronaves. Quase a metade da força tinha sido deixada pelo Exército russo quando evacuou a República Chechena em 1992. 

As aeronaves abandonadas incluíam 80 aeronaves de treinamento de combate Delfin L-29, 39 aeronaves de treinamento Albatross L-39, três caças MiG-17, dois MiG-15UTI, bem como seis An-2 e dois helicópteros Mi-8.

Apenas cerca de 40 porcento da força, contudo, encontrava-se disponível para o combate. De acordo com fontes russas, aeronaves de reconhecimento Su-24mr observaram a preparação ativa das aeronaves de Dudayev para o combate iminente, em novembro de 1994.

Isso fez com que a Rússia se antecipasse aos preparativos da Chechênia por meio de ataques preventivos a aeródromos na manhã de dezembro de 1994 com aeronaves Su-25 (alguns afirmam que também houve a participação de Su-27).

As aeronaves chechenas presumivelmente apresentavam uma ameaça tanto para as operações iminentes de unidades terrestres quanto para a população civil da Federação Russa por duas razões:

  1. sua capacidade potencial de conduzir ataques estilo Kamikaze contra usinas nucleares ou de energia russas (enchendo aeronaves de treinamento com explosivos e as lançando contra as estruturas; a presença de um assento de ejeção nessas aeronaves permitiria aos pilotos chechenos transformá-las em mísseis de cruzeiro de facto); 
  2. sua capacidade de lançar bombas sobre as forças russas que avançavam, desbaratando seu movimento. Para fazer face a esta ameaça, a Rússia tentou destruir os meios aéreos da Chechênia nas próprias pistas e, quando a guerra alastrou-se além de Grosny, usar a Força Aérea e a aviação do Exército em missões de apoio aéreo aproximado (ApAeAprx) e de interdição, incluindo o bombardeio de pequenas cidades. A Força Aérea também bombardeou Grosny em apoio à forças de combate lá presentes, transformando visualmente a cidade em uma segunda Stalingrado.
Os russos reuniram suas forças inicialmente em aeródromos situados no Distrito Militar do Norte do Cáucaso, com a maior parte das aeronaves fornecidas pelo Quarto Exército Aéreo. Empregaram aeronaves provenientes das aviações tática (de alto desempenho), do Exército e das forças internas.

Cada uma tinha seu próprio corredor aéreo, falando em sentido figurado, e realizava suas próprias missões. As aeronaves incluíam 140 aviões de combate (Su-25, Su-22M e Su-24), 55 helicópteros (Mi-24, Mi-8 e Mi-6) e aeronaves de transporte militar (An-12, An-22, An-124 e Il-76). O Ministério de Assuntos Internos (MVD) contribuiu com 12 helicópteros Mi-8MT.



As armas antiaéreas chechenas incluíam lançadores antiaéreos móveis ZU-23-2 montados em chassis KamAZ e metralhadoras DShK montadas em jipes Cherokee e veículos de trilha Toyota. Também se relatava disporem de canhões antiaéreos ZSU-23/4 e Strela-3, Igla-1, bem como sistemas de mísseis superfície-ar (SAM) Stinger. Os chechenos também utilizaram lançadores portáteis de granadas anticarro contra helicópteros e aeronaves em vôo a baixa altura.

Para impedir Dudayev de construir uma ponte aérea com um país como a Turquia, a Força Aérea russa utilizou aeronaves A-50 dotadas de sistema aerotransportado de controle e alerta antecipado (AWACS), de dois a seis MiG-31 e aeronaves Su-27 para conduzir patrulhas de combate e servir de cobertura aérea. Por tudo o que aparenta, não foram desafiados e obtiveram êxito.



A Operação Aérea

O desempenho das aeronaves de asas rotativas e de asa fixa na Chechênia situou-se abaixo das expectativas contra aquela força levemente armada. Os problemas comprometedores do desempenho das Forças Armadas incluíram terreno bravio, severas condições climáticas, falta de tempo de treinamento, equipamento velho e estoques de suprimentos insuficientes — todos os quais limitaram enormemente a eficácia das operações aéreas.

Os pilotos russos tentaram compensar tais limitações com iniciativa e ajustes após os estágios iniciais da luta. Novos métodos foram encontrados para a busca de alvos bem como para determinar a combinação correta de armas. Ajustes também foram feitos na tática e nas técnicas de vôo CBI contra alvos móveis que se ocultavam em meio à população civil. 

Isso foi de pouca valia para limitar baixas civis, contudo, já que as ofensivas terrestres ocorreram sem o processamento prévio dos alvos a serem atacados a partir do ar. Como resultado, a razão de mortes entre civis e “rebeldes” foi quase de oito por um, segundo Alexander Lebed, antigo chefe do Conselho de Segurança.

Um analista russo observou que a Força Aérea russa aparentemente aprendeu muito pouco das operações aéreas da Tempestade no Deserto. A concentração na força aérea de Dudayev desviou a atenção da destruição das instalações administrativas e de comando e controle (C2) militar, nós de comunicação e elementos-chave da infra-estrutura da Chechênia. A maior parte das pessoas acreditavam tratar-se isto de uma falha de planejamento e informações por parte do quartel-general do Distrito Militar.

Outra observação foi a de que tal ambiente CBI oferecia as mesmas oportunidades para o emprego de meios de guerra de informação que oferecem os conflitos de grande escala. Por exemplo, uma recomendação no início do conflito exigia o aumento apreciável do papel das unidades de guerra eletrônica (GE) e a criação de um total vácuo de informação em torno da Chechênia. 

Outra instava pelo uso de interferidores portáteis perto das bases dos guerrilheiros e a supressão de canais de comunicação por satélite. Os comandantes eram instados a treinar, equipar e lançar por ar grupos de incursão e reconhecimento na retaguarda dos chechenos para desagregar linhas de comunicação; além disso, deviam utilizar aeronaves ao máximo possível para conduzir ataques contra guerrilheiros que utilizavam armas autoguiadas (do tipo atirar e esquecer) ou armas guiadas de precisão.


Os chechenos, no entanto, conduziram as mais poderosas operações de informação através de meios de comunicação de massa, mobilizando a opinião local e ao mesmo tempo abatendo o moral da população russa. Como observou o chefe do Serviço Federal de Segurança da Rússia, “Sim, as autoridades russas perderam a guerra de informação.… O quão esplendidamente está operando o ministro de informação checheno, Movladi Udugov; o quão hábil e apto ele se mostra ao alimentar a imprensa com todos os tipos de mentiras, distorções e falsas representações dos fatos!”

De fato, o uso alegado de técnicas de guerra de informação finalmente permitiu à Força Aérea russa eliminar o presidente Dudayev. Em abril, enquanto falava em um telefone celular, ele, segundo se relata, foi localizado por uma aeronave A-50 russa (o AWACS russo), que é capaz de buscar duzentos alvos ao mesmo tempo. O A-50 repassou a informação a uma aeronave Su-25 de ataque ao solo que sob suas asas dispunha de bombas a laser e guiadas por vídeo. Uma foto tirada a partir da ogiva no momento em que esta se aproximava de Dudayev foi impressa no jornal Argumenti I Fakti, uma publicação que se acreditava manter laços estreitos com o sistema de inteligência russo.




Aeronaves de Asas Rotativas


A Rússia reuniu perto de 55 helicópteros no início do conflito. Em torno do final de março de 1995, o número subiu para 105, incluindo 52 Mi-24. Uma esquadrilha de Mi-9 de C2 foi também relatada como presente. Cinco helicópteros (dois Mi-8 e três Mi-24) foram perdidos em conseqüência do fogo inimigo nos primeiros três meses do conflito.

O Coronel General da Aviação Vitaliy Pavlov, comandante da aviação de tropa terrestre (um elemento independente da Força Aérea), desempenhara missões no Afeganistão e fora agraciado com a medalha de Herói da União Soviética por sua bravura. Também desempenhou missões na Chechênia. Pavlov notou que o grupamento da aviação de helicópteros era primordialmente utilizado para transportar tropas e evacuar doentes e feridos, no início do conflito. Também dava apoio aos movimentos das colunas e agiam como elos de comunicação, mas apenas raramente serviam como helicópteros de ataque — e nunca bombardearam alvos em Grosny. Inicialmente, apenas os pilotos mais experientes participaram.

O terreno da Chechênia, montanhoso ao sul e nas bordas, alterna-se com planícies ao longo do centro do país. Assim, os pilotos podiam aplicar tanto manobras de aproximação do alvo a coberto pelo terreno, como no Afeganistão (para as montanhas), quanto manobras padrão de estande de tiro (para as planícies). A tática dos pilotos incluía voar em direção aos alvos a altitudes extremamente baixas e a velocidades muito altas, limitando, dessa forma, a detecção visual e o tempo de resposta dos chechenos; aproximar-se dos alvos a partir de várias direções; fazer manobras bruscas antes da aproximação do alvo; abandonar a baixa altura; oferecer cobertura mútua de fogo; e empregar equipamento GE (bem como flares e outros dispositivos).

Para os pilotos russos, não houve ataques por meios simulados, tais como aqueles conduzidos pelas forças de coalizão na Bósnia (usando o software de imagem PowerScene).

Os helicópteros integraram ataques em coordenação com a aviação tática. Algumas vezes, helicópteros Mi-24 e aeronaves Su-25 conduziram operações contra fortificações dos guerrilheiros. Helicópteros do exército também operaram isoladamente em modo conhecido como “vôos independentes contra alvos inopinados” e contra alvos marcados ou a pedido das tropas terrestres.

O mais intenso uso de operações de helicópteros ocorreu em maio de 1995, quando os antiquados Mi-24 empreenderam a maioria das missões de apoio de fogo. No final do mês, cinco a seis surtidas de combate eram realizadas por dia. Em acréscimo ao apoio a unidades que avançavam nas regiões central e sul da Chechênia, os helicópteros auxiliaram na busca de destacamentos de sabotagem/terrorismo de Dudayev que haviam penetrado nas áreas de retaguarda das tropas russas.

A coordenação com as unidades terrestres era freqüentemente difícil e agravada pela ausência de informação de reconhecimento tempestiva e precisa — a chave do êxito da missão de helicóptero. As próprias unidades de reconhecimento, que, na maioria das vezes, eram introduzidas e retiradas por helicópteros, observaram que eram colocadas em situações muito apressadamente e sem a coordenação com subunidades de infantaria ou com meios de aviação. 

As missões de reconhecimento na Chechênia incluíam a detecção de posições de tiro inimigas, a análise secreta dos sistemas defensivos das aldeias onde os rebeldes chechenos se concentravam e a destruição de grupos isolados de combatentes. As missões aludidas eram de difícil execução em virtude da falta de aparelhos de rádio portáteis, dispositivos de visão noturna, silenciadores para armas e binóculos — dispositivos-chave para o pessoal de reconhecimento.



Finalmente, inúmeros mal-entendidos ocorreram entre comandantes de forças terrestres e o pessoal dos helicópteros, simplesmente porque os comandantes tentavam manter suas próprias missões secretas, apenas emitindo instruções específicas para as unidades que atuavam em conjunto. Como resultado, era freqüente uma unidade não saber o que a outra estava fazendo durante uma operação.

No início do conflito, os pilotos russos tinham apenas um entendimento limitado da tática dos chechenos, que incluía controlar armas móveis de artilharia antiaérea via rádio e alterar com freqüência a posição desses sistemas. Os chechenos tentaram também integrar e sincronizar o emprego dessas armas, procurando engajar alvos com todo o conjunto de armas em seu arsenal: armas portáteis, metralhadoras pesadas, canhões e bocais lança-granadas. Os chechenos fizeram amplo uso de emboscadas, tentando imobilizar helicópteros assim que adentrassem uma zona de tiro eficaz, mediante a concentração de fogo a partir de diversos pontos. O pessoal de Dudayev fez também bom uso de informações e comunicações recebidas de agentes secretos. Como observou um piloto, “Tínha-mos a sensação de que eles sabiam bastante. Quantas e quantas vezes não ocorreu que a aparição de helicópteros em determinada área não era surpresa para o inimigo?”

Baseado em sua própria experiência com a Força Aérea russa, Dudayev claramente mantinha suas forças muito bem inteiradas das táticas e capacidades aéreas da Rússia.

Os pilotos russos, por outro lado, não dispunham de quaisquer dados confiáveis sobre a disposição das armas chechenas, o que forçava as tripulações a operar a partir dos maiores alcances possíveis quando do emprego de seu armamento. Algumas tripulações de helicópteros empregaram uma tática nova, a de lançar seus foguetes não-guiados S-24 por meio de uma manobra de arfagem, assim aumentando o alcance da arma em seis a sete quilômetros. Isso permitia que os pilotos atirassem sem entrar na zona de destruição das armas de artilharia antiaérea das forças de Dudayev. Embora essa tática reduzisse a precisão, foi provavelmente um fator chave no aumento do número de baixas civis.

Um dos principais alvos chechenos para fins de obtenção de informações foram os controladores aéreos avançados (CAA), sempre objetos de caçadas especiais, de acordo com especialistas russos. Os chechenos tinham a capacidade de “apontar com precisão o local em que o CAA entrava no ar. Só mais tarde foi que a infantaria motorizada apreendeu o equipamento que o pessoal de Dudayev utilizava para determinar a direção dos sinais emitidos pelos rádios dos CAA. 

Pavlov, o comandante da aviação, observou que os CAA eram insuficientemente treinados para o desempenho de suas funções no escalão unidade, o que contribuiu para esses resultados desastrosos.



Um analista, escrevendo no jornal russo Krylya Rodiny, assinalou que as tripulações dos helicópteros tinham mais dificuldades do que qualquer outra, voando muito baixo em condições meteorológicas péssimas e com freqüência retornando à base de origem com buracos de bala nos pára-brisas das cabinas. 

As estatísticas indicam que 1 em cada 10 helicópteros que participaram do conflito foi perdido e 1 em cada 40 foi danificado. No início de agosto de 1995, os russos haviam conduzido mais de 16.547 vôos sobre a Chechênia. Perto de 36 porcento das surtidas foram missões de tiro; 44 porcento foram de transporte-assalto aéreo (com mais de 90 porcento dos feridos evacuados pela aviação do Exército); 8 porcento foram vôos de reconhecimento e os 12 porcento restantes foram missões especiais tais como busca e salvamento, propaganda ou retransmissão de rádio. Tal informação indica como a natureza das missões dos helicópteros mudou à medida que a guerra continuava e os russos se adaptavam à situação.

Após quase um ano de luta, os pilotos russos realizaram algumas avaliações do seu equipamento, julgando os helicópteros Mi-24, o Mi-8 e Mi-6 tecnicamente obsoletos. Essas aeronaves tinham capacidade de desdobramento limitadas, em termos da hora do dia e das condições meteorológicas. Helicópteros mais novos, como o Ka-50 e o Mi-28, não foram empregados. O Mi-8MTV2, o Mi8MTV3 e o Mi-26 apresentaram bom desempenho. 

No centro do esforço russo de modernização dos helicópteros, no decorrer dos próximos anos, estarão os Ka-50 (designado Hokum pela OTAN e Black Shark pelos russos), cujas características de seus sinais são extremamente difíceis de se detectar. Destina-se a fornecer dados precisos sobre alvos, pode deslocar-se sem detecção para a área de ataque e penetrar a zona de visibilidade do inimigo apenas durante o tempo de vôo dos mísseis dirigidos anticarro (ATGM) de bordo, que têm um alcance de 8km devido a um sistema de guiagem automático por feixe de laser.



O Ka-50 pode receber designações dos objetivos por canais de comunicação em circuito fechado, bem como trocá-las com helicópteros nas proximidades ou com instalações em terra. Ano passado, a arma de aviação russa dispôs de recursos suficientes para comprar apenas dois deles — nenhum foi empregado na Chechênia. Se a Rússia for permanecer modernizada e lutar esses tipos de guerras, precisa adquirir 60 Ka-50 anualmente, segundo um analista.

A Chechênia forneceu muitas outras lições aos pilotos de asas rotativas. Estas incluíam limitar o dano a residências e instalações civis; superar a baixa proficiência de muitos pilotos no vôo de combate (em virtude da carência de horas de vôo, hoje um décimo em relação às da maior parte das nações ocidentais); ajustar-se à incapacidade de conduzir livremente o reconhecimento (visto que qualquer aldeia poderia, em dado momento, desencadear fogo cerrado); superar a relutância do quartel-general imediatamente superior em fornecer meios não-tripulados, como o veículo de controle remoto Shmel; e, o mais importante, fazer correções em sua tática. 

Um coronel russo, na reserva, atribuiu a culpa do desempenho dos pilotos à tática de ataques de retaliação contra um inimigo que usava o princípio de ataque-retirada-ataque. Isso tirou a iniciativa dos pilotos russos e conduziu a ações retardadas e à diminuição da capacidade de combate. Por outro lado, acrescentou o coronel, o emprego de armas de precisão para destruir alvos de pequeno porte se enquadra logicamente nesta tática.

Em fevereiro de 1996, o General Pavlov observou, em uma conferência, que a Rússia havia se atrasado 15 anos com relação às nações que dominavam a fabricação de helicópteros e que “nos próximos anos a aviação do Exército pode deixar de existir como uma arma das Forças Armadas russas”.

No verão de 1997, expressou-se de modo mais otimista sobre o início da produção dos Ka-50, dos Alligator Ka-52 (baseado no Ka-50 e capaz de conduzir o reconhecimento de alvos e distribuir informação entre helicópteros em um grupo de batalha), o Mi-28N, versão para vôo noturno, e um Mi-24 modernizado; o General Pavlov também falou da continuação da pesquisa sobre aeronaves de reconhecimento não-tripuladas que atuarão em combinação com outros helicópteros.

Talvez a realidade seja que a aviação do exército tem um papel limitado como elemento de combate em CBI, já que aeronaves de ataque ao solo como o Su-25 oferecem maior proteção (tanto para a cabina como para evitar liberar informação que possa revelar sua posição) e versatilidade. Por exemplo, com plataformas de armas móveis, um combatente pode sentar-se, ouvir o som das pás de um helicóptero e, a seguir, preparar sua arma para ser empregada. 

Quando o helicóptero passa diretamente acima, é vulnerável a um RPG ou a ataques de armas portáteis, bem como a projetis de 20mm. Um Su-25 não oferece esse prazer aos inimigos. Eles ouvem apenas o som do motor a jato quando sobrevoa a uma altura de 200 pés, não tendo o inimigo tempo suficiente para reagir; além disso, os 17mm de titânio em torno do cockpit desviam até mesmo projetis de 20mm. Aeronaves não-tripuladas de reconhecimento podem representar um modo de prolongar o serviço da aviação do Exército à ausência de meios de silenciar o ruído de rotores.





Aeronaves de Asas Fixas


Sem qualquer dúvida, o burro de carga do esforço da aviação russa na Chechênia foi o Su-25 (designado Frogfoot pela OTAN e Rook pelos russos). Um analista resumiu sucintamente o valor dessa aeronave:
A experiência de operações de combate aéreo no conflito da Chechênia demonstrou o papel crescente do apoio aéreo aproximado a tropas terrestres. A participação de helicópteros de ataque naquele conflito foi limitada, e caças e bombardeiros táticos não puderam operar de modo eficaz a baixa altura e, assim, não foram empregados em virtude de sua alta velocidade e da carência de tempo para buscar alvos, apontar e empregar suas armas.… Eis a razão por que o Su-25 — uma aeronave pequena, subsônica, confiável e manobrável, de projeto simples e dotada de boa visibilidade do cockpit — foi empregado na maioria das vezes para apoiar tropas terrestres e em operações de ataque ao solo.… Além disso, o Su-25 dispunha de poderoso armamento, aviônica altamente confiável de navegação e de seleção de alvos, bem como proteção blindada, podendo operar tanto de pistas de pouso e decolagem de superfície artificial, quanto de campos de pouso de terra.
As missões para as aeronaves na Chechênia incluíram o Apoio Aéreo Aproximado de tropas que atuavam contra alvos de pequeno porte nas montanhas ou nas planícies. O Su-25 pode atacar em desfiladeiros devido a sua configuração aerodinâmica especial em combinação com uma alta razão empuxo-peso. Além disso, a aeronave pode permanecer sobre o campo de batalha por extensos períodos de tempo, realizando vários passes sobre alvos em uma única surtida. Este fator também levou o projetista a desenvolver um cockpit de blindagem especial de titânio para defender o piloto de projetis de 20mm e 23mm. Essa aeronave mostrou sua capacidade de resistência no Afeganistão, onde aviões de ataque sofreram uma perda em 80-90 danificados versus 15-20 perdas para outros tipos de aeronaves. 

No entanto, alguns russos colocaram o Su-25 na mesma categoria do A-10 da USAF, e, em vez dele, consideraram o Su-39 como o futuro para o CBI. Assinalam eles que a experiência angariada em CBI e em operações de paz indica que aeronaves de ataque devam ser empregadas:
  • em apoio de tiro direto,
  • para a destruição seletiva e precisa de bolsões de resistência inimiga,
  • como auxílio de emergência e apoio de tiro para as subunidades amigas em cercos ou emboscadas,
  • para reconhecimento em tempo real,
  • para combater helicópteros de combate inimigos, e
  • para bloquear ou destruir grupos de combate móveis inimigos.
O Su-39 pode desempenhar essas e outras missões mediante o emprego de sistemas avançados de pontaria diurna/noturna e de navegação, contramedidas eletrônicas avançadas, armas de precisão, assim como manobrabilidade e confiabilidade avançadas.



Os russos utilizaram outras aeronaves durante o conflito, como acima mencionamos. Estas incluíram aeronaves da aviação de longo alcance, da aviação tática e da aviação de transporte: o Su-22M, o Su-24 e o Su-27 (raramente se viu o MiG-29, por causa da inexistência de ameaça aérea), bem como o An-12, o An-22, o An-124 e o Il-76. 

Os MiG-31 Foxhound e Su-27 Flanker desempenharam funções de patrulha aérea de combate, enquanto se relata que os Tu-22M3 Backfire lançaram flares noturnos e panfletos de propaganda. O Su-24 parece ter sido o caça-bombardeiro utilizado com maior freqüência. Até dezembro de 1995, os pilotos russos haviam realizado mais de nove mil surtidas, com mais de cinco mil e trezentas dedicadas à condução de ataques de bombardeio/ataque ao solo e 672 ao reconhecimento aéreo (perto de 8 porcento). As armas principais incluíam os foguetes S-5, S-8 e S-24B, bem como as bombas de alto explosivo FAB-250 e FAB-5000. Quando as condições metereológicas permitiram, os russos empregaram mísseis guiados Kh-25ML, bombas inteligentes KAB-500L e KAB-500KR e bombas KAB-1500L.

Semelhantemente a Pavlov, comandante da aviação, o Cel Gen Petr Deinekin, comandante-em-chefe da Força Aérea, serviu de principal porta-voz da Força Aérea. Ele observou que a tendência geral do desenvolvimento moderno de equipamentos e armamentos é reduzir-se a um ou dois tipos de aeronave em cada componente aéreo, bem como apoiar-se em grande medida em armamento de precisão. Deinekin avaliou o desempenho da força aérea em agosto de 1995, comentando “Posso atestar uma coisa: os pilotos russos, a despeito de dificuldades objetivas, souberam desempenhar plenamente suas missões, demonstrando, além de sua própria alta habilidade, a alta eficácia e confiabilidade dos armamentos e do equipamento de aviação russos”.

Nem todas as avaliações, contudo, foram tão elogiosas. O que criou dificuldades para a maioria dos pilotos foi a situação financeira da Força Aérea e o impacto direto dessa situação sobre a prontidão para o combate. Segundo alguns relatos, a falta de recursos financeiros reduziu em quase 40 porcento o poder de combate. A proficiência tática constituiu outra área de preocupação. Um piloto observou que o treinamento aerotático tinha sido demasiadamente cauteloso por muito tempo, indicando que o treinamento seguia o credo “não assumam riscos, não façam nada que complique a situação e evitem inovações”. 

Essa crença obstaculizou o apoio a tropas terrestres e limitará a capacidade dos pilotos de sobreviverem a duelos [dogfights]. Para livrar-se desse tipo de pensamento, a Força Aérea precisa de estandes de tiro novos e aperfeiçoados, bem como exercícios durante os quais tripulações “inimigas” sejam importadas e sua tática utilizada.

Finalmente, muitos pilotos observaram a necessidade de um esforço de modernização destinado a desenvolver aeronaves para o século XXI e colocá-las em serviço nos próximos anos.

Um dos mais novos caças-bombardeiros na frota da Rússia é o Su-34, cujas características indicam que será capaz de lutar em ambientes CBI. Projetado para o combate a altitudes baixas e muito baixas, essa aeronave pode atacar alvos no solo a qualquer hora do dia, independentemente das condições metereológicas, e pode usar seu equipamento especial e seu equipamento de navegação para rastrear a situação aérea, bem como para identificar alvos isolados no solo. Um revestimento de 17mm de titânio na cabina, juntamente com uma camada de titânio cobrindo os motores e os tanques de combustível, protege o Su-34 contra o fogo antiaéreo. O avião possui, também, algumas características stealth; um controle secundário que permite ao navegador pousar o avião se o piloto for morto ou ferido; um alcance-padrão de 4.000 km; e uma área de repouso e um banheiro atrás do cockpit.

Conclusões

“A Força Aérea teve uma oportunidade de ouro na Chechênia de constatar que o poder aéreo não pode invariavelmente fazer a mágica que a ele se atribui em situações em que o conjunto de alvos é fugaz, predominam problemas na localização e identificação do alvo e existe o perigo sempre presente de danos não-intencionais a não-combatentes.” 

A guerra na Chechênia focalizou a atenção russa em duas áreas: 

  1. a eficácia e o potencial futuro do poder aéreo em um ambiente CBI 
  2. as muitas áreas nas quais a aviação russa necessitava aperfeiçoamento — desde adestramento, até equipamento e tática.
A Força Aérea russa e a aviação terrestre são agora duas das mais experientes forças no mundo para esse tipo de conflito, como o foram a Força Aérea e a aviação do Exército dos EUA após o Vietnã. Os pilotos russos aprenderam muitas técnicas e táticas que merecem estudo minucioso. Algumas das lições sublinhadas pela luta incluem as seguintes:
  • A superioridade aérea não é garantia de vitória, mesmo contra um inimigo sem força aérea!
  • Guerrilheiros podem fazer uso de meios de informação de alta tecnologia (telefones celulares etc.) tão facilmente quanto os exércitos modernos de hoje, o que lhes permite o rápido contato com outros guerrilheiros, a mobilização de meios e o acesso à informação. É imperioso que os planos para eliminar essas capacidades sejam formulados de antemão.
  • A deterioração da Força Aérea russa, em virtude da falta de recursos financeiros, adestramento e suprimentos, afetou em grande medida o curso e o desfecho da luta e pode ter contribuído para o aumento do número de baixas civis.
  • As populações civis farão parte de qualquer ambiente CBI e representam uma excelente área de operações para qualquer força rebelde.
  • As aeronaves de ataque ao solo, de acordo com a experiência russa, parecem ter mais utilidade do que os helicópteros quando atacando alvos em ambientes CBI.
  • Voar em ambientes CBI significará encontrar e defender-se contra alvos móveis espalhados ao longo do país e entre a população civil.
  • Um treinamento realista é essencial para superar as ameaças do CBI. As horas de treinamento no ar devem ser intensas e desafiadoras, e devem ser complementadas por horas em simuladores imediatamente antes da realização de uma missão.
  • Informações de reconhecimento tempestivas e precisas são vitais para os pilotos.
  • A tática de guerrilha tem de ser submetida a um estudo minucioso.
  • Os ataques de helicópteros e os ataques de aviação tática devem ser integrados, e os comandantes terrestres devem aprender a atuar estreitamente com pilotos e neles repousar maior confiança.
  • O adestramento dos CAA deve ser integrado o mais cedo possível nos planos de adestramento das subunidades. Os CAA devem permanecer cientes das tentativas dos guerrilheiros de capturar, ou interceptar suas posições.
Em resumo, a luta na Chechênia criou outro capítulo histórico nos anais da guerra, capítulo que por décadas merecerá estudo. Representa um dos primeiros exemplos de um conflito prolongado envolvendo uma das antigas superpotências e é merecedora de atenção e consideração rigorosas.