FRASE

"Quem escolhe a desonra a fim de evitar o confronto, a conseguirá de pronto, e terá o confronto na sequência."

sábado, 29 de dezembro de 2012

Vietnã - A Maioridade da Guerra Eletrônica #066



Expedito Carlos Stephani Bastos

INTRODUÇÃO

Muito embora sua existência oficial tenha ocorrido em 1904 na Batalha de Tsuhima, quando a esquadra japonesa derrota a russa, numa batalha naval de grandes proporções, cuja superioridade se deu em virtude do uso do rádio que permitia a comunicação entre os navios japoneses.

Desde aquele momento histórico até os nossos dias, grande foi o desenvolvimento da Guerra Eletrônica tanto que ela se tornou indispensável nos conflitos atuais, culminando com os grandes desenvolvimentos ocorridos ao longo da segunda guerra mundial e nos anos posteriores, conhecidos como Guerra fria. 

Mas sua consolidação se deu na guerra do Vietnã, após o envolvimento americano que compreende o período de 1965 a 1975, quando de sua derrota frente a um inimigo tecnologicamente inferior.

No dia 24 de Julho de 1968, durante uma missão de bombardeio sobre o Vietnã do Norte, um avião  F-4 Phanton , americano, foi abatido por um míssil superfície-ar tipo “SAM-2”de fabricação soviética.

O fato de não ter sido o primeiro avião americano derrubado por um míssil, ou o primeiro derrubado no Vietnã, deve-se ressaltar que o episódio foi extremamente importante, era a primeira vez que aparecia no campo de batalha do Sudeste Asiático o armamento míssil, fornecido pelos soviéticos aos norte-vietnamitas, juntamente com alguns conselheiros.

Este acontecimento constituiu-se numa ameaça mortal para a supremacia aérea americana na região, pois mesmo sendo altamente superior ao adversário, isto sem dúvida vinha prejudicar as missões de penetração espaço aéreo inimigo.




A defesa aérea norte-vietnamita havia sido confiada a um certo número de aviões de caça  MIG-17 e 21, de fabricação soviética, bem como de vários canhões antiaéreos dirigidos e coordenados por uma ampla cadeia de radares; e a partir de então haviam sido introduzidos os mísseis superfície-ar, que vinham completar as defesas e torná-las menos vulneráveis.

Até este momento as perdas de aviões tanto por parte da Força Aérea Americana (USAF) e da Marinha (USNAVY) haviam sido mais que aceitáveis, mas a partir deste momento elas se tornaram mais complexas e preocupantes, dada a precisão e potência destrutiva daqueles mísseis, contra os quais os aviões americanos nada podiam fazer, a não ser aumentarem as estatísticas de perdas.

Ficou clara  a necessidade de se desenvolver  Sistemas de Guerra Eletrônica Aerotransportados capazes de descobrir e neutralizar os radares das baterias de mísseis SAM-2.

Para que isto ocorresse foi necessário todos os esforços no sentido de se obter a maior quantidade possível de informações sobre aquela terrível arma, para que empresas americanas pudessem desta forma criar um antídoto contra esta nova arma.


A EFICÁCIA DO SAM-2

O sistema SAM-2 foi chamado pelo código da  OTAN de  GUIDELINE e seu radar de guia de  FANSONG .

Sua entrada em serviço remonta a 1958, muito embora seu radar tenha sofrido várias modificações. Em 1965 uma bateria de mísseis SAM-2 compreendia seis lançadores de mísseis GUIDELINE e um radar capaz de dirigir para o alvo três mísseis de cada vez, cujo alcance era de aproximadamente 25 km, a uma velocidade de 3,5 vezes a do som, transportando uma carga de 80kg de explosivo e guiado até o alvo por ondas de rádio. Todo o sistema era transportado sobre reboques.

O sistema de cálculo era composto de um radar FANSONG que localizava o alvo e o seguia a uma freqüência de 2940 a 3600 Hz, transmitindo por rádio, em freqüência UHF, as ordens necessárias para guia-los até o alvo.




Enquanto a indústria americana não apresentava as contra medidas eletrônicas apropriadas, a única forma de sobrevivência dos pilotos americanos no Vietnã consistia em realizar manobras evasivas quando percebiam o lançamento dos mísseis.

Mais tarde descobriu-se algumas limitações do sistema SAM-2, sendo que o míssil necessitava de seis segundos desde o momento do lançamento para introduzir-se no campo eletrônico de guia a fim de ser absorvido pelo radar e dirigido para o alvo designado. Outra deficiência do sistema era a escassa capacidade do míssil para receber e responder oportunamente as ordens transmitidas desde terra relativas a sua trajetória.

Aproveitando estes pontos débeis os americanos desenvolveram manobras evasivas que de imediato deram bons resultados.

Assim no  final de 1965 a aviação americana havia perdido 160 aviões, a maior parte derrubados pelos SAM-2.

Por outro lado a luta era muito dura e difícil, pois não se combatia da maneira convencional e sim em lutas de emboscadas, segundo os cânones da “nova” forma de guerra de guerrilhas, pois o Vietnã era o local ideal para este tipo de guerra, visto que os americanos não podiam recorrer à bomba atômica.


OS GUERREIROS INVISÍVEIS

Não havia, realmente, divisões e regimentos de soldados a se confrontarem em batalhas, mas sim um exército de pessoas sempre presentes, porém invisíveis, porque podiam se esconder entre a população civil, nas casas, no campo e sobretudo nas florestas.

Por sua vez, os americanos não encontrando objetivos militares ou industriais que valessem a pena atacar empregaram intensamente suas Forças Aéreas contra linhas de abastecimentos ao longo da famosa trilha Ho-Chi-Minh, a qual se estendia pela selva e montanhas desde a fronteira da China até o Vietnã do Norte (na verdade eram várias e não apenas uma), através da qual chegavam reforços para combater o Vietnã do Sul.

Os norte-vietnamitas haviam escavado em torno das cidades, principalmente, uma ampla rede de túneis, cujas entradas e saídas eram perfeitamente camufladas, dentro dos quais praticamente viviam, tendo organizado refúgios de concreto armado, postos de socorro, depósitos, centros de comando, etc. Estes túneis estavam providos de eletricidade, água, tubos de ventilação e toda uma gama de infraestrutura adequadas. Portanto, após cada operação guerrilheira, ali se refugiavam e desapareciam.



Para desalojá-los os americanos empregaram no início gás lacrimogêneo, o que não foi o suficiente para desbaratar tais esconderijos, sendo necessária a idealização de novos sistemas, tais como o aproveitamento da capacidade que têm os percevejos comuns de sentir a presença de sangue humano de orientar-se para ele. Desta forma um aparelho eletrônico especial permitia detectar a emissão que irradiavam os percevejos, quando descobriam a presença de homens, amplificando-as e transmitindo-as aos fones dos operadores.

Já outro dispositivo permitia captar e amplificar os ruídos fisiológicos que se originam no interior do corpo humano, tais como batidas do coração ou os ruídos intestinais, até o ponto de poder transmiti-los aos aviões em vôo, e assim efetuar os ataques o mais rápido possível. 

Existia também um detector eletrônico que podia captar as vibrações sísmicas produzidas no terreno por um veículo em movimento ou por um soldado movimentando-se a pé. Estes aparelhos eram lançados desde aviões ou helicópteros e se introduziam parcialmente no solo e do mesmo saia uma antena de um metro de altura devidamente camuflada para confundir-se com a vegetação existente ao redor.

Outro tipo de detector sísmico chamado “anti-intruso” era usado por pequenas patrulhas e unidades operativas terrestres para se evitar cair em emboscadas. Este sistema era constituído de pequenos sismômetros e um receptor que captava emissões, e colocado em funcionamento pela própria patrulha, o qual também servia para descobrir a presença de inimigos através do registro de pequeníssimas vibrações do terreno produzidas pelos passos do intruso.

Utilizaram, também, detectores magnéticos que indicavam até as mais pequenas variações do campo magnético terrestre provocas pela presença de massas metálicas, descobrindo assim a presença de armas ou de veículos.

Aproveitando que os seres humanos, ao respirar, consomem oxigênio do ar  e expelem anídrico carbônico e azoto, foi inventado um aparelho de análise química o ar e de variação percentual de seus componentes detectavam a presença de pessoas ocultas.

O mais curioso dos detectores era o chamado “bomba silenciosa por golpes”, pois ao ser golpeada ou movida por uma pessoa que caminhe a pé, produz uma emissão de ondas eletromagnéticas, as quais são captadas por um rádio transmissor instalado nas proximidades, que transmite a um de maior potência que o transmite a central onde é avaliado e decodificado para futuras operações de retaliação.

Como estes sinais se propagam somente em linha reta e alcance visual, foi
necessário dispor de uma estação relé de retransmissão para os centros situados a uma certa distância, longe da vista. Em geral, estas estações relé eram aviões adequadamente equipados.




A princípio utilizou-se o avião EC-121R Super-Constelllation, o qual abrigava em seu interior um centro que recebia os dados transmitidos de todas aquelas pequenas estações espiãs espalhadas pela selva. O avião sobrevoando vasta zona do terreno a grande altitude, baseando-se nos dados recebidos, guiava os caças táticos para os objetivos a serem atacados. 

Entretanto o emprego dos EC-121R tornou-se demasiado oneroso, pois se transformaram rapidamente em presas fáceis para os MIGs inimigos.

Passou-se então a utilizar aviões de transportes monomotores modificados para estas missões e mais tarde os RPVs, aviões sem piloto, dirigidos por rádio, usando-os para missões de reconhecimento e guerra eletrônica.

A idéia era utilizar destes sistemas para tentar de todos os meios interromper o fluxo de homens e suprimentos ao longo da trilha Ho-Chi-Minh, artéria vital para o apoio da guerrilha.

Fora a ação tática dos caças-bombardeios americanos contra o inimigo, na selva, utilizou-se também outros tipos de aviões que lançavam sobre a vegetação substâncias químicas especiais desfolhantes e herbicidas tóxicos, que se por um lado facilitavam as tarefas dos pilotos em atingirem o objetivo, por outro causavam terríveis danos à flora e à fauna da região.


A ORGANIZAÇÃO DOS NORTE-VIETNAMITAS

Para evitar a grande concentração de material que pudesse favorecer a ação dos aviões americanos na complexa trilha Ho-Chi-Minh com seus 500km de comprimento e 100km de largura, num emaranhado de pequenas trilhas e entroncamentos, os norte-vietnamitas subdividiam esta trilha em um certo número de ramais, sendo que cada um possuía a responsabilidade de um comando local, o qual dispunha de meios de transporte ao longo dos respectivo ramal.

Por isso os condutores dos veículos seguiam sempre o mesmo trajeto, conhecendo-o perfeitamente. Esta divisão de trabalho implicava na necessidade de descarregar os veículos nos terminais de cada ramal, mantendo a carga totalmente escondida e a seguir recarregando-a em outros veículos, sempre à noite.

Tal organização havia levado, a criar ao longo da trilha toda uma série de infra-estruturas, que dentre outras possuía estações de carga e descarga, postos de reparações e descanso do pessoal, não esquecendo que a sua proteção era dada por uma complexa rede de baterias de mísseis superfície-ar SAM-2, canhões e metralhadoras antiaéreas.

Tentando romper este cordão umbilical, a princípio, os americanos efetuaram uma série de bombardeios de rodízio ao longo de toda a trilha, porém com escassos resultados.

Passaram então a bombardear objetivos à medida que eles eram localizados. Foi nesta fase que os americanos empregaram amplamente todos os tipos de detectores até então existentes, pois haviam montado ao longo da trilha uma série de pontos de controle, onde em cada um deles uma dezena de vários tipos de detectores eletrônicos, magnéticos e infra-vermelho operavam.

Daí nasceu a idéia de se lançar de aviões detectores que cravavam no solo, e deles saía uma antena metálica, através da qual se obtinham informações, que se confluíam a um “centro de vigilância” onde se efetuavam a filtragem, e desta forma escolhia-se o alvo a ser destruído.

Como os objetivos da aviação americana não eram somente a trilha, ocorreu que durante o ano de 1966 a guerra aérea experimentou uma escalada constante, pois procuravam atacar objetivos cada vez mais ao norte, muito além de Hanói (Capital do Vietnã do Norte).

Como as cargas de bombas dos caças-bombardeios tinham de ser reduzidas  à medida que aumentavam as distâncias dos objetivos, passou-se a utilizar os bombardeiros estratégicos B-52 que possuíam equipamentos eletrônicos avançados. 

Eles voavam tão alto que os norte-vietnamitas não podiam ouvi-los e com sua terrível carga de bombas, podiam destruir as vias de comunicação terrestres com suas pontes e obras vitais.




Foi nesta fase que começaram os primeiros grandes combates aéreos nos céus do Vietnã do Norte.

Em 23 de abril, 14 Migs-17 e 2 Migs-21 se defrontaram com 14 F-4 Phanton da marinha americana e que estavam armados com mísseis “SPARROW”, guiados por radar, e com canhões de 20mm instalados nas asas, sendo que os adversários mais temidos não eram os Migs, mas sim o sistema de mísseis superfície-ar SAM-2 GUIDELINE.

MEDIDAS DURAM POUCO

A indústria eletrônica americana havia iniciado por volta de 1966 a realização de equipamentos de guerra eletrônica aerotransportados, capaz de alertar o piloto de que o sistema SAM-2 havia descoberto o avião e, em poucos segundos o míssil poderia alcança-lo.

Este equipamento recebeu a designação de  RECEPTOR DE ALARME RADAR (RWR) e se baseava nas técnicas de detecção “vídeo e cristal” válidas somente para as ondas de freqüência em que operavam os radares adversários.

Os primeiros aviões a receberem estes equipamentos foram os  B-52, já recondicionados.

A tática empregada nos ataques consistia em que um avião equipado com o sistema RWR processava a informação, interpretando as emissões dos radares associados ao sistema SAM-2, e imediatamente dava o alarme aos aviões que o seguiam, de modo a efetuarem manobras de evasão.

Á medida que se desenvolvia o progresso tecnológico no campo da eletrônica, estes aparelhos foram tendo suas dimensões cada vez mais reduzidas, podendo até mesmo ser instalados nos caças-bombardeiros.

O princípio de funcionamento destes aparelhos era, sem dúvida, muito sensível, pois o receptor apenas captava a emissão eletromagnética procedente de um radar e passava imediatamente a um calculador que comparava suas características principais com a de outros radares memorizados anteriormente e conseguidos através do serviço de espionagem da inteligência eletrônica.

Simultaneamente o equipamento indicava sobre o quadrante, no painel, a direção da procedência do sinal, e portanto do míssil.

Os pilotos americanos apelidaram este sinal de  “Sam-Song”, a canção do míssil superfície-ar e tão logo o recebiam tinham que imediatamente realizar a manobra evasiva mais apropriada. Este novo aparelho veio diminuir consideravelmente as perdas de aviões americanos em relação aos anos anteriores.

Entretanto, tais medidas duraram até que os soviéticos passaram a enviar ao Vietnã do Norte novas baterias de mísseis SAM-2 com o radar em versões mais modernas.

A situação novamente voltou a ficar desfavorável para os americanos, que a cada dia tinham que realizar manobras evasivas cada vez mais arriscadas, pois a medida que tentavam-se livrar de um míssil, acabavam quase sempre abatido por outro e que não fora acusado pelo sistema RWR.




Foi devido a isto que a indústria eletrônica americana finalmente conseguiu uma arma capaz de destruir toda uma bateria de SAM-2 sem risco excessivo para o piloto. Tal arma consistia no míssil anti-radar  SHRIKE, cuja cabeça levava um dispositivo eletrônico que permitia autodirigir-se sobre o lóbulo de onde vinham as ondas eletromagnéticas emitidas pelo próprio radar FANSONG que estava seguindo o avião atacante.

Assim os americanos passaram a adotar uma nova tática para atacar e destruir as baterias SAM-2, que consistia em enviar patrulhas compostas de dois a quatro aviões biplace  F-105 Thunderchief e  F-4 Phanton , dotados de mísseis  Shrike . Em cada avião, além do piloto, ia no assento posterior o operador de guerra eletrônica, cuja missão era localizar através do sistema RWR os radares dos sistemas SAM-2, informando o piloto o momento ideal para que este lançasse o míssil anti-radar.

A este tipo de missão foi dado o nome de  WILD-WEASEL (Doninha Selvagem), que é a habilidade deste pequeno animal para dar caça aos insetos nocivos.

Este míssil contribuiu sensivelmente para diminuir o número de aviões abatidos, sendo que durante o ano de 1966 apenas 40 o haviam sido e foram necessários disparara quase 70 mísseis por avião americano abatido, contra 10 para cada avião em 1965.

Nos anos 67 e 68 os equipamentos de guerra eletrônica possuiam dimensões cada vez menores, tendo sido adaptados nos caças-bombardeiro em sua parte externa, dentro de pequenos containers, os quais eram acoplados sob as asas ou fuselagem, no lugar da bombas ou tanques suplementares de combustível, e foram denominados PODS.

Os primeiros a serem instalados foram PODS perturbadores, que inicialmente eram simples emissores de ruídos, dotados de certa inteligência, chegando, por exemplo,  a interferir nos radares inimigos, obedecendo uma ordem de prioridades conforme  a gravidade das ameaças por eles representados.

Eles também foram utilizados para levar Chaff (pequenas tiras de papel laminado), que foram utilizadas desde a segunda guerra mundial para interferir e confundir os radares adversários.

Enquanto os americanos haviam conquistado a total supremacia aérea, a situação em terra não era das melhores, pois as tropas americanas e sul-vetnamitas sofriam ataques cada vez piores, dia a dia, por parte dos norte-vietnamitas, que ganhavam mais e mais terreno no Vietnã do Sul.


TENTATIVA DE MUDANÇA

Na tentativa de aliviar um pouco esta situação, os americanos passaram  a desencadear amplos bombardeios contra Hanói e Haifong, porto principal do Vietnã do Norte, e ainda atacaram os aeródromos onde se encontravam os MIGs-17 e 21, os quais passaram a operar a partir de bases no território chinês, ficando assim fora das áreas atacadas.

Os norte-vietnamitas notaram a redução da eficácia do sistema SAM-2 e passaram a operar maciçamente grande quantidade de canhões antiaéreos orientados por radar, sendo que durante o ano de 1967 a grande maioria das perdas de aviões por parte dos americanos era em função deles.

Passaram então a concentrar o grosso dos SAM-2 ao redor de Hanoi, que era constantemente atacada pelos B-52, conseguindo assim organizar uma defesa aérea eficaz que cobria toda a extensão territorial do Vietnã do Norte.




Nessa época os americanos passaram a empregar em seus ataques unidades aéreas embarcadas nos porta aviões que navegavam próximo à costa, utilizando além do  F-4 Phanton e  A-4 Skyhawk , os aviões  Skyraider EA-1F Queer Spads , que possuía uma completa gama de equipamentos eletrônicos muito avançados.

Com as perdas de vários aeródromos no Vietnã do Sul, os americanos foram obrigados a concentrar no golfo de Tonkin nada menos do que 25 navios da VII frota, sendo 4 porta-aviões com um total de 600 caças-bombardeios.

Também foram desenvolvidos novos equipamentos RWR e novos pertubadores aerotransportados muito potentes, e intensificando os bombardeios a Hanói e Haifong.

Entretanto, os soviéticos, passaram a empregar novos sistemas de mísseis SAM-2 com uma nova versão de radar FANSONG, que trabalhava com uma freqüência mais alta, em torno de 4910 a 5090 Hz, e mais uma vez a vida dos pilotos americanos voltou a tornar-se difícil.

Os bombardeiros B-52 continuavam a atacar o Vietnã do Norte e foi criado um artifício de medidas contra eletrônicas  (ECCM) para enganar os aviões, que constituía em espalhar ao longo das rotas quase que obrigatórias, usadas por eles, colocando nelas pequenos transmissores que emitiam as mesmas freqüências do radar Fansong. 

Assim os norte-vietnamitas punham em funcionamento estes transmissores durante a fase de aproximação dos bombardeiros, obrigando-os, desta maneira a lançar seus mísseis anti-radar Shrike e aguardavam seu retorno quando utilizavam os SAM-2 verdadeiros, conseguindo assim abatê-los, pois estavam desarmados.


AS PERDAS AMERICANAS

Mesmo assim os americanos perderam apenas 15 bombardeiros na operação Linebaker II (conjunto de reids a Hanói e Haifong), muito embora se registrassem aproximadamente 700 saídas e calcula-se que o inimigo tenha disparado mais de 1000 mísseis, pois o Alto Comando Americano da USAF havia calculado a perda de aproximadamente 75 bombardeiros, caso eles não tivessem equipamentos apropriados para a guerra eletrônica, dos mais modernos existentes.

Os anos de 1968 e 69 foram de êxitos para os norte-vietnamitas, pois nesta fase do conflito, em apenas um mês a aviação americana perdeu 900 aviões (a maior parte abatidos sobre o Vietnã do Norte).

De 1970 em diante, até o término do conflito, o índice de perdas aéreas voltou a diminuir gradativamente, sobretudo porque o progresso tecnológico permitiu a inovação dos sistemas de Guerra Eletrônica e em particular os relacionados aos receptores RWR, onde foram incorporados técnicas digitais, micro circuitos híbridos e componentes especiais de microondas, chegando a realizar o primeiro RWR dotado de um calculador, o qual analisava constantemente e instantaneamente todos os parâmetros relativos aos sinais
eletromagnéticos interceptados.

Em 1971 entrou pela primeira vez em ação o novo avião projetado especialmente para a guerra eletrônica, dotado de novo aparelho RWR, tratava-se do Gruman EA-6 Prowler.

Antes do fim  do conflito, os americanos instalaram em seus aviões um novo equipamento de guerra eletrônica denominado “Perturbador Inteligente”, capaz de induzir ao erro o radar adversário, fazendo com que em sua tela aparecesse um eco falso, conseguindo assim desviar o míssil inimigo para um alvo completamente inexistente e muito afastado do real.

A guerra do Vietnã constitui o exemplo mais clássico de como não se deve fazer uma guerra, pois o envolvimento americano de uma década, utilizando os meios mais requintados de guerra eletrônica, da qual sem dúvida, saíram vencedores, não foi  o suficiente para se evitar uma humilhante derrota moral e militar, num conflito onde  o adversário, muitas vezes, utilizou métodos quase que rudimentares.

As estatísticas mostram que os americanos gastaram cerca de 400.000 dólares por inimigo morto, incluindo 75 bombas e 150 granadas de artilharia, além de um bilhão e oitocentos milhões de dólares em programas de construção pesada no Vietnã, incluindo cerca de 1.500 projetos distintos, como 6 novos portos de águas profundas, 8 portos de pequeno calado, 8 bases para aviões a jato, 80 aeroportos auxiliares e centenas de quilômetros de estradas, além de alojamentos para mais de 600.000 homens.

Realizaram também obras de remoção de terra, construções e instalações de concreto suficientes, por exemplo, para se construir um canal de Suez a cada 18 meses, isto sem falar nas perdas de 4.839 helicópteros, 3.639 aviões e 57.692 mortos, só americanos.

Por outro lado, o alto  índice de perdas em aviões por causa dos mísseis  SAM-2, no início do conflito, talvez pudessem ter sido evitados, porque em maio de 1960 o U-2 de Francis Gary Powers havia sido abatido sobre a URSS, por um destes mísseis...


domingo, 23 de dezembro de 2012

A GUERRA DAS FALKLANDS: Análise Estratégica 065


Profº Fernando G. Sampaio - texto de 2002

1- OBJETIVO:

O que queremos com esta análise estratégica da Guerra das Falklands, que agora completa vinte anos ? Essencialmente, vamos repetir a linha de argumentação que seguimos na época, quando passamos a analisar e publicar sobre o conflito, praticamente, desde o primeiro dia. O que dizíamos, então? 

Que a ação Argentina era uma aventura, que ia dar em derrota, pois os britânicos iriam enviar uma força-tarefa que cercaria a ilha, desembarcaria em plena força e obrigaria as tropas argentinas a uma rendição vergonhosa.

Esta opinião foi muito mal recebida, quer pelos círculos nacionalistas e de direita, que eram anti-americanos quer pelos chamados "esquerdistas", que viam no conflito uma guerra anti-colonial e anti-imperialista. Estas posições em contrário em nada nos afetaram, pela simples razão que estava baseada em sonhos, fantasias e desejos, mas não se calcavam na realidade. 

E qual era esta realidade?
Um país subdesenvolvido, periférico, atacando uma das maiores potências do mundo, dona de uma capacidade de produção de riqueza e conseqüentemente de produção de poder militar muito grande, além disto, senhora de uma vasta tradição de séculos de lutas no ultramar, abrangendo, nos conflitos mundiais, operações bélicas em todas as latitudes e longitudes.

O que tinha a Argentina a colocar ao seu favor ? Uma proximidade muito relativa do arquipélago invadido, eis que, ainda assim, a distância a percorrer, desde as bases terrestres mais próximas (da ordem de 600 quilômetros) era o limite máximo da aviação que dispunha.

Como seria certo que sua marinha de guerra não iria combater (por não dispor, realmente, de força de porta-aviões operacional), bastaria aos ingleses controlar o mar territorial argentino para negar, com isto, o apoio, abastecimento e todo o trabalho de retaguarda que as tropas de terra iriam precisar.

A Argentina, em última análise, estava colocando cerca de dez mil homens e considerável equipamento, num local que não tinha condições de controlar, apoiar, reabastecer ou defender de forma efetiva.
O blefe, pois nada mais era do que isso , não iria funcionar, como efetivamente não funcionou. Não interessa que a Força Aérea Argentina tenha tido um desempenho excepcional.

Foi, também, um suicídio, quase uma operação "kamikaze", em que as perdas que proporcionaram ao adversário não eram compatíveis com as próprias perdas, que levaram, rapidamente, ao esgotamento de aviões, bombas, mísseis e, básico, pilotos (insubstituíveis). 


2- O QUE LEVOU AO BLEFE? 

A razão mais evidente para este golpe de mão argentino é o profundo desgaste de sua ditadura militar, que via com maus olhos o gerenciamento controlado, no Brasil, onde os militares, depois de constatarem a falência de seu modelo, tratavam de retirar-se da política e do governo, dentro da fórmula "lenta e gradual". 

Os argentinos imaginaram, então, que uma retumbante vitória militar, numa questão histórica, como era a retomada das chamadas Malvinas, lhes traria a popularidade que necessitavam, para continuar, indefinidamente, no poder.

Em nota publicada em 30 de setembro de 1981, a revista Veja dizia: 

"General avisa: Argentina não abre" Em visita ao Brasil,o general Galtieri, que visitou Figueiredo e outros próceres brasileiros, se disse cético em matéria de aberturas políticas e disse que, dependendo dele, a liberalização política demoraria, ainda, muitos anos. 

Em seu entendimento, já se abriu até demais, para os riscos que os militares argentinos enxergavam. Os líderes argentinos, em especial militares, negam esta possibilidade, o que é natural, querendo evitar a análise da questão que a abertura democrática, no Brasil, terminaria por influenciar a estabilidade do regime ditatorial argentino, de resto, muito mais violento (uns dez mil mortos e milhares de exilados).

É interessante observar, aqui, que a luta na Argentina, a chamada "guerra suja" não era uma luta contra movimentos comunistas, que eram uma minoria (e sempre foram) inexpressiva. A luta se travava contra as alas radicais do movimento peronista, que se opõe, na política Argentina, ao Partido Radical Conservador (UCR: Unión Cívica Radical), fundado em 1891 e que controla, a maior parte do tempo, o governo na Argentina. 

Depois que o Partido Peronista (Justicalista) foi colocado na clandestinidade, pelo militares, eles passaram a apoiar, nas eleições, a parcela mais à esquerda dos Radicais. Entretanto, enquanto os cerne dos justicalistas de Perón são rotulados de fascistas, pois estão muito próximos dos partidários do nazismo, durante a guerra e são proponentes de uma ditadura permanente, como maneira de resolver os problemas do país, os "radicais" são elementos desde a classe mais rica até classes médias, incluindo elites operárias, e são extremamente conservadores.

Em suma, pode-se dizer que o pensamento preponderante, na Argentina, é que os observadores chamam de "conservador, autoritário e semi-fascista". E isto há mais de meio século. Neste ambiente, uma guerra aventureira empreendida por ditadores militares está perfeitamente dentro do contexto do que se pode esperar, dentro da chamada teoria das "nações enlouquecidas”, aquelas que caem em processos sangrentos de guerra civil ou tratam de desviar suas aflições internas pela agressão externa.

A Argentina, além de atacar a Inglaterra , vinha alimentando, desde muito tempo,um conflito com o Chile, por causa de ilhotas no extremo sul, bem como alimentava uma certa rivalidade com o Brasil, não só com uma disputa pelo aproveitamento dos cursos d'água para a produção de energia elétrica, mas também pelo acesso brasileiro à Antártida e ainda deixava vazar a preparação de uma operação militar (o Plano Rosário), em que uma guerra de fronteiras com o Brasil era tratada como algo inevitável, prevendo, até, alinhamentos continentais em que o Brasil e o Chile se uniriam contra uma aliança Argentina-Perú-Venezuela. 


3- PSICOLOGIA NACIONAL 

Sendo os grupos dominantes da nação Argentina extremamente conservadores e detendo caracteres autoritários e incluindo antigos simpatizantes do nazismo, que retém (através do Peronismo, que é copiado do Fascismo Italiano, Espanhol, etc), até hoje, um caráter - digamos - semi-fascista, deve-se esperar que sejam não só autoritários como tendentes a extravasar suas mazelas pelo ataque ao inimigo externo, vendo nisto um fator fundamental de "união nacional", em especial, união em torno dos governantes. 

Se o quadro não é real, agora, certamente deve ter sido na época da Guerra das Falkland. Sabemos que a questão não é fácil nem simples e que todo o conceito é dado a muita controvérsia. Todavia, Washington Platt, em seu conhecido manual, assim coloca a questão: 

"o caráter nacional efetivo e as prováveis linhas de ação de muitas nações civilizadas podem ser, provavelmente, antevistos, considerando-se o caráter dos poucos grupos que são decisivos em determinada situação. O problema pode ser simplificado, também, pela eliminação de alguns grupos, às vezes bastante grandes, sem influência na situação...além do mais, ao descrever o caráter do grupo não queremos dizer que todos os seus membros pensem, ou ajam, ou tenham o caráter exposto. Significa, apenas, que em número suficiente, tem o caráter citado, o bastante para afetar o caráter e a reputação de todo o grupo.” (A produção de informações estratégicas, cap. Caráter de Grupos de Nações, Bibliex, Rio, 1974, p. 202/203).

Ora, os grupos decisivos para a implementação do ataque argentino eram os generais e políticos a eles ligados, todos partidários de uma ditadura extremamente autoritária (e sangrenta) e, também, impregnados numa atmosfera que tinha sido simpática ao nazismo e era semi-fascista.

Assim, embora todas as desculpas apresentadas, o caráter nacional dos dirigentes argentinos explica e muito a política adotada. Sendo este caráter permeado por uma ideologia, é natural que, ao lado da ausência de uma discussão dentro da sociedade Argentina (o que era impossível, pela supressão da democracia) ele tendesse a uma auto-ilusão, que desprezava os dados da realidade. 

Esta mesma auto-ilusão vai ser encontrada nos apoiadores de esquerda e de direita, não só no Brasil como no resto do continente, ao ataque argentino. Sucede, que o mesmo tipo de força e de passado histórico vigente na Argentina, não existia, quer no Brasil, quer na maioria dos países sul-americanos, quer, finalmente, na maioria do mundo.

Assim, a peregrinação de Galtieri e seus enviados, que foram bater nas portas da União Soviética e até de...Cuba! não encontrou ressonância alguma. Em suma, a liderança Argentina vivia um sonho e o povo apoiou este sonho, voltando-se contra a liderança ferozmente, assim que o sonho se desfez. Não podemos desenvolver, aqui, tanto a questão mais ampla do caráter nacional quanto o problema das nações enlouquecidas, que são muito extensos. 

Só nos cabe assinalar que:

"a tirania (a ditadura) é, por assim dizer, um descontrole nervoso do corpo político. A sociedade sucumbe a tensões que são muito grandes para ela ...é difícil compreender a natureza dessa crise quando se está no meio dela. Ela surge de um sentimento de impotência, quando tudo parece possível...” (Maurice Latey - "Ditadura, ontem e hoje", Novo Tempo, Rio de Janeiro, 1980, p. 285/296). 

E, ainda:

“talvez duas mil pessoas ou mil e seiscentos, reuniram-se no centro de Buenos Aires, em local fechado, numa manifestação “Contra a Rendição, e pela Reconquista” das...Malvinas. Aos gritos de "Viva a Guerra"; "Viva Cristo-Rei" e "Fora com os Políticos" o grupo organizado pelo movimento "Patriotismo Militante", que prega a continuidade do esforço bélico no tempo, forma e oportunidade idôneas até que o inimigo seja totalmente expulso do Atlântico Sul." (Direita Argentina quer Nova Guerra pelas Malvinas, Correio do povo, 14/8/1982).  

E, finalmente: "Argentina pode ter sua bomba atômica este ano" (Correio do Povo, 9/4/1983. 

E: “Argentina quer construir submarinos nucleares" (Correio do Povo, 4/7/1982. 
Ou, se quisermos ir mais longe: "Argentina quer bomba atômica para ter maior respeito, afirmou o deputado Edgar Cossi Isasi, que conquistou apoio imediato de outros legisladores peronistas. A Argentina assinou, ano passado (1974),acordo com a Índia para troca de informações nucleares..."(Correio do Povo, 25 de maio de 1975).

Eis os ingredientes do que o professor Yehezkel Dror denominava de "campo de fermentação de nações enlouquecidas." (Crazy States: nations that go Berserk, The Futurist, october, 1973, p.216 e sgs.).

Enfim, quero, aqui, deixar claro, que a Argentina atravessa uma crise profunda e persistente, que dura, talvez, 50 anos e que não nos permite, ainda, vislumbrar quando terminará e se terminará bem. É verdade que a derrota na Guerra das Falkland (ou campanha, como dizem os ingleses), fez com que a Argentina, em parte, despertasse para a sua realidade de país subdesenvolvido da América do Sul. Entretanto, como todos sabemos, logo se voltou para uma política de compensação, que despontou numa valorização artificial da moeda, primeiro o lançamento do "Novo Peso Argentino", em março de 1983 e depois, em janeiro de 1992, um outro peso, que substitui o Austral, que vigorou algum tempo, com paridade de um peso igual a um dólar. Aqui, todos os argentinos aderiram a uma fantasia, tão grande ou maior do que o ataque contra as Falkland. 


4- GEOPOLÍTICA DAS FALKLANDS

Por que persisto em afirmar que os argentinos viviam uma fantasia, sua classe  dirigente e a maioria de sua população, que aderiu ao ataque contra a Inglaterra? Voltemo-nos para a análise geopolítica. 

O que são as Falklands ? Qual sua situação geográfica ? Qual seu valor para a Grã-Bretanha, para os estados Unidos, para a OTAN e para os seus adversários, naqueles tempos de "Guerra Fria" (3° Guerra Mundial) e Bi-Polaridade?

A posição geopolítica deste arquipélago permite a instalação de bases de submarinos, de aviões, posicionamento de radares e rastreamento sonoro submarino, que lhe dão o controle do tráfego marítimo ao sul da América do Sul (estreito de Beagle e estreito de Magalhães). Conseqüentemente, trata-se de um ponto vital para a estratégia de defesa da OTAN e tudo o que ela inclui.

Como é sabido, no caso de um conflito mundial entre os dois blocos que então existiam, uma das maiores tarefas americanas seria assegurar o tráfego pelo Canal do Panamá e um dos alvos prioritários para destruição, pelos seus adversários, é este canal.

Se isto ocorre, por ataque, sabotagem ou qualquer outro meio, o trânsito entre a costa Atlântica e a costa Pacífico dos Estados Unidos se dá pela rota Mar das Antilhas - Atlântico Sul - (costa brasileira, depois Argentina) e, finalmente, o sul do continente.

Assim, quem controlar o arquipélago das Falkland e ilhas vizinhas, controla este estreito e, também, a maior parte do acesso à Antártida. Pergunta-se: não seria uma fantasia, um desatino, uma falta total de bom senso um país sub-desenvolvido, antigo aliado dos nazistas durante a 2° Guerra Mundial não só aspirar tal posição de poder estratégico como mais, tentar tomá-lo pela força, em plena paz, durante a Guerra Fria ?

No entanto, foi isto mesmo que os argentinos fizeram.

Segundo uma matéria publicada na revista Visão, em 28 de fevereiro de 1983 e assinada pelo correspondente Edgard Triveri, os argentinos , leia-se o general Galtieri e seu círculo próximo, imaginavam que:


  1. Londres aceitaria o fato consumado; 
  2. Os Estados Unidos adotariam uma posição de neutralidade ou, talvez até apoiassem a Argentina! 

Diz este correspondente, que transmitiria informes de "altas fontes governamentais argentinas", que o erro foi, depois de efetuado o ataque, a cúpula dirigente (e o povo, embaido pela guerra de propaganda do regime), não terem procurado uma saída, ainda possível, diante da reação britânica e do apoio dado à Londres pelos Estados Unidos.

Constatada o apoio americano e o deslocamento das forças inglesas, os argentinos deveriam ter procurado parlamentar. Ao invés, enviaram mais tropas e material para as ilhas e se prepararam para uma guerra de verdade, quando não tinham condições para isto. Os argentinos, que se proclamavam anti-comunistas e ajudavam a guerra suja americana na América Central, imaginaram que tinham comprado alguma coisa e tinham imunidades! 

Estavam divagando no terreno das fantasias, completamente fora do jogo de poder mundial, no qual não desempenhavam papel de relevo, embora imaginassem que sim. E se chocaram, desta forma, com todo o Bloco da OTAN que, imediatamente, aplicou sansões econômicas e militares, suspendendo compras, envio de material estratégico, contratos para venda de armas, peças, etc, com o que, de imediato, a Argentina começou a ser estrangulada estrategicamente. 


5- TÉCNICA E INDÚSTRIA

Como é sabido, uma guerra custa caro. Mais ainda, ela requer o domínio da tecnologia de armamentos e, posteriormente, a capacidade industrial para produção destes armamentos.

Ora, a Argentina não é auto-suficiente na produção de armamento decisivos numa guerra. Poderá produzir fuzis, morteiros, munição de artilharia de algum tipo, algumas peças aqui e ali, pequenos aviões (mas sem os motores, a aviônica, o sistema hidráulico e sem os mísseis).

Assim, o arsenal que ela contava para efetivar a guerra era mais o resultado de uma acumulação de material efetuada ao longo de um período mais ou menos longo, material este, no entanto e, ainda assim, em quantidade não muito grande.

Resulta disto que, uma vez iniciadas as hostilidades, ela não tinha condições de repor o que fosse gastando ou perdendo durante as operações, sendo a resultante um maior enfraquecimento militar, quanto maior o tempo de combate e maior a intensidade destes mesmos combates.

O caso dos mísseis Exocet é ilustrativo. Existiam cinco mísseis no arsenal argentino. Apenas e tão somente. E cinco aviões "Super Étandar”, que podiam efetuar o lançamento destes mesmos mísseis. De imediato, por exemplo, um foi desativado, para ser canibalizado e permitir que os outros quatro aviões entrassem em combate.

Com tais limitações, como enfrentar um combate com tropas e equipamentos dos mais modernos?

A situação do porta-aviões argentino também era crítica e, ao que tudo indica, nunca se pensou em enviá-lo para combate, sendo os seus aviões emprestados para os campos da Força Aérea.

A força aérea de transporte era mínima, tanto que optou-se por enviar soldados armados com fuzis e algum material leve, mas a maior parte da artilharia e o grosso da sua munição, peças e equipamento auxiliar foi deixado de lado.

Outro detalhe, sinal de uma falta de capacidade técnica-industrial para o combate moderno: durante todo o tempo em que controlou Port Stanley, a Argentina não se preocupou em ampliar a pista de aterragem, impedindo, assim, sua própria utilização de forma mais extensa pela sua própria força aérea.

Esta força aérea, a que se saiu melhor no combate, por exemplo, só dispunha de dois aviões para reabastecimento no ar e as distâncias até as Falklands tornavam isto uma necessidade.

O resultado: os aviões só podiam ser enviados em grupos de quatro, pois não era possível reabastecer maior número. Ainda assim, o tempo total de permanência sobre a área-alvo era da ordem de dois minutos e os ataques deviam ser efetuados em aproximadamente vinte segundos, sem tempo para novas arremetidas, sob pena de os aviões não terem como retornar às suas bases. 

Para reconhecimento marítimo só existiam dois antigos Netunos P-3. Assim, se verifica que o domínio industrial e tecnológico não existia, sendo a ação Argentina uma improvisação, totalmente desligada de dois fatores importantes numa guerra, na verdade, decisivos: 


  1. possuir PNB, geração de riqueza disponível para efetuar uma guerra; 
  2. possuir parque industrial tecnologicamente adequado para produzir a máquina militar.

Sendo a Argentina o que era, um país subdesenvolvido e sem um grande PNB e desprovida de um grande e diversificado parque industrial, muito menos, voltado para a indústria bélica, sua capacidade militar só podia preocupar o Chile, que era um país com que vinha tendo atritos seguidos ou o Brasil, com quem existia velha rivalidade.


6- DESDOBRAMENTO ESTRATÉGICO 

As limitações argentinas a impediam de explorar sua vitória que foi o desembarque (muito embora, na verdade, não existissem tropas guardando a ilha, apenas um grupo simbólico inglês).

Existisse competência e eles teriam podido desafiar a força-tarefa inglesa por meio de duas medidas imediatas:


  1. ampliar o campo de pouso em Port Stanley, criar outros (com chapas de aço) e dotá-los de defesa forte e depósitos, colocando ali caças à jato e aviões de patrulha; 
  2. deslocar sua força-tarefa com porta-aviões para as proximidades da ilha e efetuar missões de defesa e ataque pela combinação de aviação em terra e no porta-aviões, defendido pela sua escolta. 

Nas operações no Pacífico, durante a 2° Guerra Mundial, tinha sido evidente que este conjunto era muito poderoso e difícil de destruir. Estas medidas sendo tomadas, os ingleses teriam que se posicionar muito longe das ilhas e aí eles é que teriam que assumir uma defensiva e teriam limitações no alcance para o seus aviões.

A campanha tomaria outra feição.
É verdade que a linha de suprimento das ilhas e desta força-tarefa argentina continuaria um problema, pela limitação de meios, tanto navais quanto aéreos, mas o desafio teria sido muito maior e, talvez, obrigasse os ingleses a uma negociação, enquanto as duas forças apenas faziam fintas e reconhecimentos.

Seria outra história. Não foi e, talvez, possamos resumir todo o drama argentino em uma única questão, vital e sobre a qual todos devemos meditar quando se trata de guerra assimétrica, como foi o caso, isto, entre duas forças com capacidades e poder totalmente distintos.

A questão, básica, que se coloca é a seguinte: Efetuada a invasão das Falkland, no dia 2 de abril de 1982, a Inglaterra anuncia, cinco dias depois, 7 de abril, que um raio de 200 milhas ao redor do arquipélago é zona de exclusão para os navios argentinos, que serão atacados. Em 3 de maio, três submarinos atômicos ingleses já patrulham o litoral argentino e o perímetro das ilhas e provam que podem efetuar o bloqueio, torpedeando o cruzador leve General Belgrano. Cinco dias depois, 7 de maio, os ingleses declaram bloqueio até 12 milhas da costa argentina e nada mais passa. 

Pergunta-se: 

A Argentina tinha possibilidade de retrucar, enviando seus submarinos atômicos para bloquear a ilha da Ascensão, a principal base inglesa ou, melhor ainda, as ilhas inglesas ou Londres ? Quem sabe ameaçar o Canal da Mancha ? Desembarcar comandos na costa da Cornualha ?

Eis aí, claramente colocado o ponto central de toda a aventura militar Argentina: a desproporção de forças, entre uma potência industrializada, produtora de ciência de ponta e tecnologia, com enorme parque industrial e bélico, tradição histórica, de séculos, em guerras e intervenções em toda a parte do mundo e um pequeno pais sul-americano, com escassa riqueza, profunda crise econômica estrutural, sem ciência e tecnologia comparáveis e sem parque industrial, em especial militar, para sustentar uma guerra.


7- A QUESTÃO ECONÔMICA 

Na época do conflito achamos importante publicar um artigo onde se analisava a questão do poderio econômico. Tinha por título " Continente fica aquém do poderio econômico inglês." É extraordinário, mas verdadeiro: na época, a Grã-Bretanha, com uma população de 55 milhões e 968 mil habitantes, tinha um PNB de 585 bilhões e 140 milhões de dólares (585.140 bilhões). Pois bem, a Argentina, tinha um PNB da ordem de 62 bilhões de dólares e uma população da ordem de 26 milhões de habitantes. Fica bem claro o descompasso, a diferença brutal entre a capacidade de deter e mobilizar poder entre um e outro lado.

Para os que pensam ingenuamente, como pensavam os dirigentes militares da ditadura Argentina ou seus apoiadores aqui fora; a Grã-Bretanha era e é, ainda, uma potência. Causou um certo constrangimento, termos tabulado os dados, na época, sobre o que significava o PNB inglês diante de todo o continente sul-americano: o PNB inglês era maior!

Em dados, eis os números: PNB de todos os países sul-americanos 403 bilhões e 105 milhões de dólares (403.105 bilhões).

O diferencial entre o PNB de todo o continente sul-americano e o do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte era, na época, de 82 bilhões de dólares, ou seja, só o diferencial já é muito superior ao PNB da Argentina (repetimos: 82 bilhões de dólares).

Esta é a brutal diferença entre um país sub-desenvolvido dentro de um continente também desenvolvido querendo abrir uma guerra contra uma potência. Como sustentar tal atitude, começando pela riqueza disponível para fazer uma guerra ?

A Argentina, para piorar a situação, já era uma economia francamente declinante e há muito tempo: em 1981 ocupava o 26° lugar entre as economias mundiais, medido pelos seus PNB, enquanto em 1971 ela detinha o 20° lugar e, anteriormente, tinha uma colocação melhor ainda.

Com a sua riqueza, a Grã-Bretanha disponibilizava para o orçamento de defesa, na época, a quantia de 56,43 bilhões de dólares, ou seja, quase o Produto Bruto Nacional da Argentina : Esta quantia era gasta em defesa alocada para a OTAN 28,66 bilhões e defesa do Reino Unido mais 27,77 bilhões. O gasto orçamentário para a defesa, na Argentina, era de 3 bilhões e 380 milhões (3,380 bilhões), ou seja, uma fração insignificante diante do gasto britânico. 

Nestas condições, como abrir uma campanha militar contra a potência inglesa, ainda mais que apoiada em tratados e interesses estratégicos com os Estados Unidos , a OTAN (com a Alemanha, França, etc) e, ainda, o Japão ?

Lembramos, que todo o gasto militar da América do Sul, reunidos, dava a quantia de 7 bilhões e 598 milhões de dólares (7,598 bilhões),ou seja, mesmo que todo o continente apoiasse a Argentina em sua aventura, pouco tinha a adicionar, quer em produção de riqueza, quer em disponibilidade de recursos para o orçamento militar quer, finalmente, no inventário de aviões de combate, mísseis, navios de guerra, em especial porta-aviões e submarinos (ainda mais atômicos!).

Vale lembrar, aos navegantes, que o orçamento militar dos Estados Unidos, historicamente, é superior ao Produto Bruto Nacional do Brasil e o Brasil era, na época a décima potência econômica e hoje é a oitava, no mundo. Isto é importante para raciocinarmos em termos de possibilidades estratégicas, em qualquer tipo de confronto, seja militar seja comercial, que é para onde se desloca o cerne das disputas no século XXI, agora complicado com o problema da guerra mundial ao terrorismo internacional, (a 4ª Guerra Mundial, conforme nossa “notas de guerra”, www.defesanet.com.br) 


8- A QUESTÃO ESTRATÉGICA MILITAR 

Os argentinos, em suas desculpas pós derrota, apontam como uma das causas de sua fraqueza nas Falklands o fato de estarem, já há muito, em conflito mais ou menos latente com o Chile e, assim, deslocaram, na época, suas melhores e mais numerosas tropas para guarnecer as posições-chave, na extensa fronteira entre os dois países (que é de mais de quatro mil quilômetros).

Para as ilhas, enviaram tropas constituídas por recrutas, pois não existiam outras disponíveis! 

Pior: esta força, da ordem de dez mil homens foi deslocada sem seu equipamento pesado, não estava adequadamente equipada para enfrentar o clima local (e o inverno austral estava chegando) e foi muito mal distribuída no cenário do conflito. O general Menendez emassou as tropas ao redor de Port Stanley, em termos de área geográfica e, nesta região, 
distribuiu suas forças, por sua vez, em uma enorme linha. Não houve ocupação das áreas de possível desembarque por patrulhas avançadas, que pudessem, ao menos, atrapalhar um desembarque inglês ou, sequer, assinar, de imediato tal desembarque. Não existiam forças de reserva, para manobra ou para soldar o rompimento da linha, que era descontínua, baseada em alguns pontos fortes.

Ou seja, assim como o general Galtieri errou e igualmente o chefe do Teatro de Operações, que foi o vice-almirante Lombardo, quer nas estimativas de suas ações, quer emprego e desdobramento das forças, e o fizeram quase todos os comandantes de maior responsabilidade. O único a se sair bem do conflito foi o brigadeiro Crespo, comandante da chamada Força Aérea Sul, como ficou conhecida a força aérea Argentina, que foi desdobrada, em peso, para as bases de Rio Grande, Rio Gallegos, San Julian, Comodoro, Rivadavia e Trelew.

Tudo indica, que os militares argentinos tinham uma deficiente formação intelectual. Aliás, se sabe que Galtieri, que se formou na Arma da Engenharia, foi reprovado num concurso de mestrado em engenharia avançada, numa escola de especialização nos Estados Unidos (Veja, 16/12/81, p. 44). É descrito, por colegas como "não tem nenhuma experiência política e nem nunca demonstrou interesse ou curiosidade pelos problemas da administração pública." 

Gostava, no entanto, de se exibir com um porte atlético, não deixava de praticar equitação e outros exercícios. Muito vaidoso, de seu porte e aparência, nos lembra aquela quadrinha admirável, da Academia Militar de Agulhas Negras Eu tinha que estudar, resolvi me exercitar. Na tropa perguntaram: como é que vou ficar? Bem burro, bem burro, burro mas forte. 

Três dias depois do ataque argentino, em que mais de 500 comandos prenderam os 84 fuzileiros ingleses que guarneciam a casa do governador, Londres anunciou que estava enviando os primeiros navios de uma força-tarefa, que tinha como objetivo isolar, desembarcar e retomar as ilhas.

Os argentinos, que pensavam que não haveria reação, deveriam ter, então, negociado sua retirada, condicionada ao retorno das forças inglesas e aceitado um "status" tripartite ou internacional para a administração provisória das ilhas. 

Já seria um ganho político e diplomático. Político, porque, afinal tinham atacado, prendido a guarnição, expulsaram a administração inglesa e hasteado sua bandeira, depois de cem anos. Era uma vitória psicológica. O ganho diplomático seria introduzir uma cunha na administração das ilhas, que é território inglês. As propostas americanas, peruanas e outras, previam, como impedimento de uma guerra, uma administração provisória, argentino-inglesa, com alguns moderadores, que poderiam ser os Estados Unidos, o próprio Perú e, quem sabe o Brasil. Teria sido outro ganho, pois a administração absoluta, por parte dos ingleses, ficaria abalada.

Os argentinos, ao invés, não quiseram negociar e, adicionaram aos 500 homens que tinham nas ilhas uma força da ordem de dez mil, numa campanha de antemão perdida! Como explicar este comportamento ? Só a chamada psicologia da incompetência militar resolve a questão.

Mas devemos deixar bem claro, que sob o ponto de vista estratégico, os argentinos cometeram, aqui, os seguintes erros:


  1. se já tinham conflito com o Chile e bem acirrado, como abrir uma segunda frente? 
  2. sendo as ilhas muito distantes (mais de 600 quilômetros), como abastecer e manter canais navais e aéreos, diante da superioridade tecnológica das forças inglesas? 
  3. como já dito, porque não existiam planos de utilizar o porta-aviões e sua escolta em conjunto com uma forte base aérea desdobrada nas ilhas,o que forçaria o ingleses a manterem sua força-tarefa muito distante (mais de 200 milhas das ilhas), enfraquecendo o seu poder de ataque aéreo e impedindo o bombardeio naval das posições argentinas nas ilhas, bem como atrapalhando o reconhecimento, ação de comandos, enfim, todo o andamento do plano de retomada inglês? 
Deve-se recordar que os argentinos não tinham capacidade naval para manter uma linha de abastecimento para as ilhas, assim que os submarinos atômicos ingleses chegassem. 

Sua força aérea de transporte também era muito exígua, da ordem de sete aviões , apenas (Hercules C-130) e alguns pequenos aviões, que foram suplementados por aviões civis, requisitados. Operando à noite e com muita dificuldade, ainda assim, puderam colocar cinco mil toneladas de suprimentos, equipamentos e veículos leves (além de soldados), nas ilhas, de qualquer forma insuficientes para atender à dimensão das forças empregadas e de suas tarefas.

O transporte marítimo logo se tornou impossível, por causa dos submarinos e patrulhas aéreas inglesas, que interceptavam ou atacavam tudo.
Com sua marinha engarrafada e sua força aérea comprometida, como pretendia o alto-comando argentino enfrentar o Chile, ainda por cima? Ou seja, que seriedade existe na desculpa de manter duas frentes (de resto, uma desculpa absurda, pois não se combate em duas frentes, ao mesmo tempo) o que dividiria a capacidade de enfrentar a luta nas Falkland ?

Não temos dúvida em afirmar que existia ,no alto-comando argentino, uma incapacidade total, o que nos leva a dois tipos de considerações: 


  1. a tese da incompetência militar, do coronel Norman F. Dixon 
  2. a desestruturação da capacidade militar resultante de seu afastamento de suas funções precípuas. 

9- DITADURA E INCOMPETÊNCIA 

Começando pelo segundo item, queremos deixar bem claro que existe uma clara relação entre ditaduras e queda de qualidade, quer no exame estratégico quer na qualidade do comando militar. Com efeito, os quadros competentes são substituídos por quadros "leais".

Mas leais já a nada mais nada menos do que comandos corruptos, violentos e mal preparados intelectualmente.

O emprego das forças armadas em substituição aos governos democráticos, a sua utilização como tropa de ocupação e seu uso como força policial, que prende quadros políticos de oposição, jornalistas, etc e, depois, combate terrorismo, degrada a moral e a capacidade combativa.

É muito fácil um exército bancar grande coisa atacando manifestações políticas nas ruas ou, mesmo, destruindo pequenos grupos de elementos de oposição que exerçam terrorismo. 

Estas tarefas, entretanto, não preparam a liderança e as tropas para um combate contra outro exército, em que a realidade é completamente diferente. 

Atacar um exército significa levar tiros de canhão, não pedradas. Os quadros militares argentinos que se opunham ao golpe de estado e ao emprego da força armada com aquelas funções foi sendo, gradativamente, substituído por carreiristas, que viam na lealdade ao ditadores e no combate "sujo", um caminho para promoções e até outras vantagens. 

Isto degradou a capacidade de julgamento militar, seu grau de aprestamento, bem como reduziu, drasticamente, o tino político-diplomático de todo o governo, comprometendo, no processo, a próprio Estado.

A lição que devemos tirar desta questão é muito clara, para os dias de hoje: as pressões dos americanos para que as nossas forças armadas sejam utilizadas no combate ao narco-terrorismo, se somam as pressões de demagogos, para que estas forças saiam para as ruas, para combater a criminalidade comum. 

Se isto acontecer, será o fim de um poderoso instrumento do Estado, que são as suas forças armadas, que tem que ser empregadas em situações de guerra, contra ameaças ou ataques de outras forças armadas, que visem desmembrar, dominar, separar ou, por qualquer meio, ameacem a integridade, domínio, soberania, do Brasil sobre o seu território, suas fronteiras e seus recursos naturais.

Forças armadas não são instrumento para golpes de Estado, não são instrumento de governo e administração pública e não são força policial. Forças armadas são instrumentos especializados, para funções especializadas. Da mesma forma, o exercício do governo, a administração pública e nela incluída as atividades policiais, são outras funções especializadas que requerem outros quadros, com outro preparo, que não os das forças armadas. 

10- INCOMPETÊNCIA MILITAR 

Segundo o ex-oficial britânico do corpo de engenheiros reais, Norman F. Dixon, existe um padrão de incompetência entre os militares, ao longo do tempo e em todos os exércitos e é preciso conhecer esta questão, para poder combatê-la e aprimorar a eficiência das forças armadas. O, hoje, doutor Dixon, depois de se aposentar no exército inglês, se doutorou em filosofia em 1956, posteriormente em ciências, em 1972 , sendo professor de psicologia na Universidade de Londres e detentor do London Carpenter Medal "por sua obra excepcional no campo da psicologia experimental". O livro que citamos é "Sobre a psicologia da incompetência militar" , original inglês de 1976, edição em espanhol de Anagrama Ed.,Barcelona,1977.

Diz Dixon que a incompetência militar se manifesta em 14 pontos fundamentais, que é preciso conhecer e erradicar: 


  1. um grave desperdiço de recursos humanos e o não cumprimento de um dos princípios básicos da guerra: a economia de forças; 
  2. um conservadorismo fundamental, um aferrar-se a tradições ultrapassadas, não admitir erros passados e falta de utilização ou má utilização da tecnologia disponível; 
  3. tendência a não aceitar ou ignorar informações que sejam indigestas ou que se choquem com pré-julgamentos; 
  4. uma tendência a subestimar o inimigo e a sobreestimar seu próprio potencial; 
  5. falta de capacidade de decidir e tendência a abdicar da obrigação de tomar decisões; 
  6. obstinada persistência em levar a cabo uma tarefa determinada apesar de provas decisivas no sentido contrário; 
  7. não aproveitamento das possibilidades oferecidas por uma situação vantajosa obtida em combate e tendência a ficar se defendendo dos golpes ao invés de atacar profundamente (ou contra-atacar com profundidade); 
  8. falta de reconhecimento adequado; 
  9. predileção por ataques frontais, em especial contra os pontos fortes do inimigo; 
  10. uma fé na força bruta como algo superior ao engano, finta ou ação ou manobra engenhosa; 
  11. falta de utilização das técnicas como a surpresa e o engano, 
  12. indevida predisposição para encontrar vitimas propiciatórias para os reveses militares, 
  13. supressão ou distorção das notícias de frente de combate, justificadas, geralmente, pela necessidade de conservar a moral ou por razões de segurança; 
  14. crença em forças místicas, como "destino", "má sorte",etc. 
Podemos analisar a campanha Argentina à luz destes regramentos sobre a incompetência militar e observar que o comando argentino incorreu em quase todos os pontos.

Levando em conta que tais idéias e análises circulavam em espanhol desde 1977, portanto, antes da guerra das Falkland, nos surpreende, ainda mais, que o comando argentino não tenha tomado conhecimento delas ou as levado em consideração, o que só sugere uma profunda degradação intelectual dos quadros militares argentinos.

Observe-se, em contrapartida, que os quadros responsáveis pelo afastamento da chamada "linha-dura" e pela manobra de abertura "gradual e controlada" eram quer um Golbery quer um Geisel (e outros), todos militares com alto grau de capacidade intelectual e com formação de elevada qualidade.

Sem dúvida, isto explica porque Galtieri, como já referimos era hostil à condução normalizante da vida política no Brasil e nos aproxima do objetivo político que ele procurava, com seus companheiros, ao desencadear as operações nas Falkland: desejava um processo de união nacional ao redor de sua ditadura, que se encontrava internamente contestada pela população. A melhor forma, como sempre, era inventar um perigo externo, diante do que, a tendência é todos se unirem e ninguém criticar sua própria nação, seu próprio governo, suas próprias decisões e ações. 

Esta unanimidade ele pensou obter numa jogada muito alta para sua estreita visão intelectual. Em suma, ele raciocinou em seus termos limitados de militar incompetente, de uma nação sub-desenvolvida e em crise, projetando seu limitadíssimo preparo intelectual e deficiente visão do mundo para um cenário internacional onde se chocou com forças muito poderosas e com um grau de poder, riqueza e preparo militar, com o que não estava, absolutamente, preparado para enfrentar. Na verdade, ao que tudo indica, todo o comando militar argentino (e políticos e povo que o respaldou), não tinha idéia do que é que estavam provocando. O resultado só poderia ser o desastre, nacional e para a ditadura militar.

Esta, sem dúvida alguma, é uma das causas da falência da Argentina, que se arrasta de crise em crise até o momento presente, ainda com lideranças (agora só políticas), mal preparadas para enfrentar quer sua realidade interna quer o dinamismo de um mundo globalizado. 

O Brasil deve tirar daqui suas lições: não se pode apostar, politicamente, em quadros ou partidos políticos que apostem no conflito, que reduzam a complexidade de nossos problemas aos fantasmas-inimigos externos e que se projetem com lideranças mal ajambradas, de escasso nível e sem preparo intelectual adequado.

Referências: aos interessados, os artigos do prof. Fernando G. Sampaio publicados no "Correio do Povo" e que podem ser consultados no arquivo do jornal ou em bibliotecas, arquivos, etc, são:


  1. Vantagem inglesa na comparação entre as frotas - 9.05.1982; 
  2. Nenhum dos lados tem um poderio aéreo decisivo - 16.05.1982; 
  3. Compromissos e interesses dos países envolvidos - 23.05.1982 (este artigo irradiado em dois programas seguidos pela Rádio Guaíba de Porto Alegre); 
  4. Conflito afeta nossas pretensões na Antártida - 30.05.1982 (este artigo comentado em entrevista e debate na Televisão Guaíba, na mesma semana); 
  5. Continente fica aquém do poderio econômico inglês - 6.06.1982; 
  6. Custo de uma aventura militar mal calculada - 13.06.1982 (este tema comentado em palestra para o Curso Pré-Vestibular Unificado, na mesma semana); 
  7. 7. Para onde irá a Argentina após o fiasco militar? - 20.06.1982.