FRASE

"Quem escolhe a desonra a fim de evitar o confronto, a conseguirá de pronto, e terá o confronto na sequência."

sábado, 31 de agosto de 2019

A Teoria das Operações Especiais *176





Capitão-de-Fragata William H. McRaven, membro dos SEAL/US NAVY desde 1978. É graduado pela Universidade do Texas e realizou sua pós-graduação na Naval Postgraduate School.

Introdução:
Na área da literatura militar, muito se tem escrito sobre a teoria da guerra, desde o pensamento de Herman Kahn acerca da temível extremidade nuclear do espectro, até a guerra indireta de B. H. Liddell Hart na extremidade convencional. Existem teorias sobre a escalada e a conclusão da guerra, teorias sobre a revolução e a contra-revolução, teorias sobre a insurreição e a contra-insurreição, bem como teorias gerais sobre o poder aéreo e o poder marítimo; e outras mais específicas sobre o bombardeio estratégico e a guerra anfíbia. Entretanto, não se encontra nenhum registro a respeito de uma teoria sobre as operações especiais. 
Qual a importância de uma teoria das operações especiais? Uma operação especial bem-sucedida contradiz o conhecimento convencional, pois prescreve o emprego de uma força de pequeno efetivo para derrotar um adversário bem mais numeroso ou estacionado em bases fortificadas. Este livro formula uma teoria das operações especiais que expõe o porque da ocorrência deste fenômeno. 
Irei mostrar que, através do emprego de certos princípios de guerra, uma força de operações especiais pode reduzir as chamadas "fricções da guerra", de Carl Von Clausewitz, a um nível aceitável. Ao minimizar estas fricções, a força de operações especiais pode obter uma superioridade relativa sobre o inimigo. Uma vez obtida essa superioridade, a força atacante deixa de estar em desvantagem e pode tomar a iniciativa a fim de aproveitar as vulnerabilidades do inimigo e assegurar a vitória. A obtenção da superioridade relativa é um fator necessário, mas, por si só, insuficiente para garantir o êxito. Se pudermos determinar, antes da operação, a melhor maneira de obter a superioridade relativa, poderemos modificar o planejamento e a preparação das operações especiais para aumentar a possibilidade de alcançarmos o êxito. 
Esta teoria não fará do leitor um melhor mergulhador, aviador ou pára-quedista, mas lhe proporcionará um embasamento intelectual para refletir sobre as operações especiais.


O Escopo deste Estudo:
Para desenvolver uma teoria de operações especiais, inicialmente, há que se limitar o escopo do problema. Isso exigiu a formulação da seguinte definição aperfeiçoada de operação especial:



"Uma operação especial é conduzida por forças especialmente adestradas, equipadas e apoiadas visando um alvo específico, cuja destruição, eliminação ou resgate (no caso de reféns) constitui-se em imposição política ou militar." 
A Joint Pub 3-05 estabelece que as missões de ação direta são "projetadas para a obtenção de resultados específicos, bem-definidos e que, com freqüência, dependem do tempo. Eles têm importância estratégica, operacional, ou são críticos do ponto de vista tático. Abrangem ataques contra alvos vitais, interdição de linhas de comunicações, localização, captura ou recuperação de pessoal ou material, ou a captura, destruição ou neutralização de instalações críticas.
Nota da Editoria Brasileira: Esta definição não coincide com a apresentada na doutrina combinada oficial norte-americana, a qual define as operações especiais de uma forma abrangente, compreendendo as operações psicológicas, assuntos civis e reconhecimento. As oito operações de combate que estão analisadas neste livro para determinar os princípios das operações especiais e formular a teoria respectiva se encaixam mais adequadamente no que o Joint Pub 3-05 define de "Missão de Ação Direta".

A Doctrine for Joint Special Operations [Joint Pub 3-05] define as Operações Especiais como:

"operações conduzidas por forças militares e paramilitares especialmente organizadas, adestradas e equipadas, visando a consecução de objetivos militares, políticos, econômicos ou psicológicos por meios militares não-convencionais em áreas hostis, interditadas ou politicamente sensíveis". 
Tais operações são conduzidas em tempo de paz, conflitos e guerras, independentemente ou em coordenação com operações realizadas por forças convencionais, não adestradas em Operações Especiais. As considerações político-militares freqüentemente modelam as Operações Especiais, exigindo técnicas clandestinas, sigilosas e a supervisão no nível nacional. 
 As Operações Especiais diferem das convencionais nos níveis de:
  • Risco físico e político
  • Técnicas operacionais
  • Modalidades de emprego
  • Independência do apoio de forças amigas
  • Dependência de inteligência operacional detalhada e de meios locais.
Nota da Editoria Brasileira: Diferentemente destas, as oito operações de combate aqui analisadas sempre foram de uma natureza estratégica ou operacional, e contaram com a vantagem de possuírem, praticamente, meios ilimitados e inteligência a nível estratégico nacional. Esta definição aperfeiçoada também significa que as operações especiais podem ser conduzidas por pessoal de operações não-especiais, tais como os aviadores que realizaram a incursão sobre Tóquio, sob a liderança de James Doolittle, ou os submarinos que participaram da incursão contra o encouraçado alemão Tirpitz. Embora seja da opinião que pode ser aplicada ao longo de todo o espectro das Operações Especiais, conforme definidas pela Joint Pub 3-05, a teoria aqui apresentada foi formulada exclusivamente tomando por base os oito estudos de caso constantes neste trabalho. Portanto, daqui em diante, o termo operações especiais será empregado segundo essa definição aperfeiçoada.
Por que são as Operações Especiais Singulares?
Todas as operações especiais são conduzidas contra posições fortificadas, quer seja um encouraçado cercado por redes anti-torpedo (a incursão dos mini-submarinos britânicos contra o encouraçado alemão Tirpitz), um reduto nas montanhas protegido por tropas italianas (o resgate de Benito Mussolini, liderado por Otto Skorzeny), um campo de prisioneiros de guerra (a incursão dos Rangers sobre Cabanatuan e a incursão das forças especiais dos EUA sobre Son Tay), ou um avião comercial seqüestrado (o resgate de reféns em Mogadíscio, levado a cabo pela unidade anti-terrorista alemã GSG-9). Estas posições fortificadas são características de situações onde o inimigo adotou uma posição defensiva. 
Em seu livro On War, Carl von Clausewitz observou:


"a modalidade defensiva da guerra em si é mais vigorosa do que a ofensiva. [Ela] contribui para o poder de resistência, ou seja, a capacidade de auto-preservação e proteção. Dessa forma a defesa, em geral, tem uma finalidade negativa, que é a de resistir à vontade do inimigo... Se é que desejamos desencadear uma ofensiva para impor a nossa vontade, devemos possuir força suficiente para superar a inerente superioridade da defesa inimiga."
A teoria da guerra proposta por Clausewitz estabelece que, para derrotar "a modalidade mais vigorosa da guerra", a melhor arma de um exército é a superioridade numérica. Neste sentido, admite-se que tal superioridade seja o fator mais importante no desfecho de um engajamento, desde que seja suficientemente grande para compensar as demais circunstâncias. Depreende-se, portanto, que o maior número possível de tropas deve ser empregado no ponto decisivo do engajamento. 
Nenhum combatente questionaria o benefício da superioridade numérica. Todavia, se ela constitui o fator mais importante, como é que 69 comandos alemães foram capazes de derrotar uma força belga de 650 soldados, protegidos pela maior e mais compacta fortaleza da época, o forte em Eben Emael? Como pode uma força de operações especiais numericamente inferior, que tem a desvantagem de atacar a modalidade mais vigorosa da guerra, obter a superioridade sobre o inimigo? Quem entender este paradoxo, entenderá as operações especiais.


Superioridade Relativa:
A superioridade relativa é um conceito essencial à teoria das operações especiais. Simplesmente dito, a superioridade relativa é uma condição que existe quando uma força atacante, geralmente menor, obtem uma vantagem decisiva sobre um inimigo maior ou bem-fortificado. A importância do conceito de superioridade relativa reside na sua capacidade de mostrar quais os vetores positivos que influenciam o êxito de uma missão e como as fricções da guerra afetam a consecução do objetivo. Nesta seção, iremos definir os três atributos básicos da superioridade relativa e mostrar como se manifestam em combate. 
A superioridade relativa é obtida no momento decisivo de um engajamento. Por exemplo, quando os alemães atacaram o forte belga em Eben Emael durante a II Guerra Mundial, eles conquistaram uma vantagem decisiva - a superioridade relativa - sobre o inimigo, cinco minutos após o engajamento inicial, tendo empregado planadores e cargas explosivas dirigidas para obter a surpresa e a rapidez necessárias para subjugar, no menor tempo possível, o inimigo. Embora os belgas combatessem por mais 24 horas, o combate dependeu das ações iniciais, estando o desfecho praticamente assegurado. 
Em alguns casos, o momento decisivo surge antes do combate. Em 1943, os britânicos modificaram um velho contratorpedeiro, o HMS Campbeltown, carregando-o com 4 1/2 toneladas de explosivos e protegendo-o com blindagem. Após cruzar o Canal da Mancha, o navio arremeteu contra o dique seco, ocupado pelos alemães, em Saint-Nazaire, na França, tornando-o inoperante pelo resto da guerra. Embora as defesas alemãs em torno de Saint-Nazaire fossem as mais fortes no Atlântico, quando o HMS Campbeltown alcançou o ancoradoro exterior do porto (a cerca de 3km do dique seco), os alemães já não podiam detê-lo. A essa altura, antes do início das hostilidades propriamente ditas, a superioridade relativa já havia sido obtida. O ponto em que esta é obtida também é, freqüentemente, o ponto de maior risco. Quanto mais se aproximar a força atacante, tanto mais fortes serão as defesas. No entanto, uma vez superado o obstáculo decisivo, a probabilidade de êxito é consideravelmente maior do que a probabilidade de fracasso, obtendo-se, assim, a superioridade relativa. 
Uma vez obtida a superioridade relativa, esta deve ser mantida a fim de assegurar a vitória. Quando da tentativa de resgate do ditador italiano Benito Mussolini, o Capitão Otto Skorzeny, das SS, conduziu um assalto aéreo (com planadores) contra um reduto italiano no alto da Montanha Gran Sasso, nos Apeninos. Quatro minutos após desembarcar, Skorzeny penetrou no hotel e libertou Mussolini. A esta altura, a superioridade relativa havia sido obtida, mas, para que a missão fosse bem-sucedida, Skorzeny ainda tinha de extrair Mussolini do alto da montanha e assegurar o seu retorno a Roma. Este período entre a libertação de Mussolini e o término da missão requereu a manutenção da superioridade relativa, o que foi possível graças à audácia de Skorzeny e às tropas convencionais que reforçavam a pequena força de comandos. 


A capacidade de manter a superioridade relativa freqüentemente exige a intervenção da coragem, do intelecto, da audácia e da perseverança, ou do que Clausewitz chama de "fatores morais". Para citar um exemplo, durante a II GM, o Tenente Luigi Durand de la Penne, um homem-rã italiano, entrou clandestinamente no porto de Alexandria a bordo de um torpedo tripulado. Ele e seu segundo mergulhador desbordaram uma rede anti-submarino, cargas de profundidade, pequenos navios de proteção, a segurança do porto e uma rede anti-torpedo para chegar ao encouraçado britânico HMS Valiant. Eles só tinham que colocar explosivos na quilha do navio para que a missão fosse bem-sucedida. Infelizmente (para ele), à medida que Durand de la Penne manobrava o torpedo tripulado sob o casco do HMS Valiant, o submersível começou a ganhar lastro e afundou na lama. Agravando ainda mais a situação, seu segundo mergulhador perdeu os sentidos e flutuou até a superfície. Fisicamente exausto pelo mergulho prolongado e afetado pela água gelada que penetrava na sua roupa de neoprene rasgada, Durand de la Penne passou os próximos 40 minutos posicionando o torpedo sob o HMS Valiant. Foi somente graças a sua tremenda perseverança e coragem (dois dos quatro fatores morais) que ele conseguiu manter a superioridade relativa e concluir a missão. 
Se a superioridade relativa for perdida, será difícil recuperá-la. Após a investida do Campbeltown contra o dique seco em Saint-Nazaire, o plano previa que oitenta comandos a bordo do navio desembarcassem e destruíssem alvos em volta da instalação portuária. Embora os comandos tivessem atingido uma marcante vantagem tática quando investiram contra o dique seco e surpreenderam os alemães, os marinheiros e soldados germânicos logo intervieram e retardaram o avanço dos comandos enquanto tentavam destruir os alvos em terra firme. Trinta minutos após desembarcarem, os comandos do HMS Campbeltown encontravam-se em inferioridade numérica face aos reforços alemães, perdendo a superioridade relativa. O engajamento continuou por mais duas horas, mas os britânicos, devido à sua inferioridade numérica, não foram capazes de recuperar a vantagem. Eventualmente, os comandos se viram forçados a render-se. Uma vulnerabilidade própria das Forças de Operações Especiais é seu limitado poder de fogo em relação a uma força convencional de grande efetivo. Por isso, quando perdem a superioridade numérica, também perdem a iniciativa. Nesse caso prevalece, geralmente, a modalidade mais vigorosa da guerra.  
A chave das missões de operações especiais reside na conquista da superioridade relativa, o mais cedo possível no engajamento. Quanto mais se prolongar o engajamento, tanto maior será a probabilidade de que o desfecho seja afetado pela vontade do inimigo, pelo azar e pela incerteza, fatores que constituem as fricções da guerra. 
As forças de operações especiais obtem a superioridade relativa sua tecnologia de ponta, acesso a inteligência no nível estratégico nacional e adestramento de elevada qualidade, sendo tropas de elite capazes de minimizar as fricções da guerra. Três são os atributos da superioridade relativa: o êxito no momento decisivo pode ser considerado como uma dramática vantagem na possibilidade de concluir a missão com sucesso; a manutenção da superioridade relativa implica numa evolução progressiva desde o momento decisivo até a conclusão da missão; e um declínio decisivo na probabilidade da conclusão exitosa da mesma demonstra a perda da superioridade relativa. 
No momento em que se atinge o ponto de vulnerabilidade, que é definido como o ponto, durante a missão, em que a força atacante atinge a primeira linha de defesa do inimigo, as fricções da guerra (azar, incerteza e a vontade do inimigo) começam a influir no êxito do engajamento. Este ponto de vulnerabilidade é um tanto arbitrário, e sua localização exata, discutível. Embora as chamadas fricções da guerra ainda possam afetar uma missão durante as fases de planejamento e preparação, decidimos considerar o ponto de vulnerabilidade como um aspecto da fase de engajamento. 
A área de vulnerabilidade é uma função da conclusão da missão ao longo do tempo. Quanto mais tempo se levar para obter a superioridade relativa, tanto maior será a área de vulnerabilidade, e conseqüentemente, maior o impacto causado pelas fricções da guerra. As forças de operações especiais são bem-sucedidas porque suas vantagens intrínsecas (tecnologia, adestramento, inteligência, etc.) permitem reduzir a área de vulnerabilidade e, por extensão, as fricções da guerra, a um nível aceitável. 
Embora existam fatores na guerra que estão fora do nosso controle, a teoria das operações especiais mostra que há seis princípios que podem ser controlados e, ao mesmo tempo, influem na superioridade relativa.


Os Seis Princípios das Operações Especiais:
São seis os princípios das Operações Especiais aqui apresentados:
  • simplicidade
  • segurança
  • repetição
  • surpresa
  • rapidez
  • propósito
Eles foram extraídos de uma análise de oito casos históricos. Inicialmente, os casos foram considerados em termos dos princípios de guerra do Exército dos EUA, segundo definidos na Doctrine for Special Operations. Após minuciosa análise desses casos, alguns dos princípios de guerra foram eliminados ou modificados, a fim de que refletissem, com maior precisão, o seu relacionamento com uma operação especial. 
Os princípios do exército incluem:
  • objetivo
  • ofensiva
  • massa
  • economia de meios
  • manobra
  • unidade de comando
  • segurança
  • surpresa
  • simplicidade.
Nota da Editoria Brasileira: Estes princípios predominaram em todas as missões bem-sucedidas. Quando um destes foi omitido, negligenciado ou contornado, redundou, invariavelmente, em algum grau de fracasso. 
São estes princípios que permitem às forças de operações especiais atingirem a superioridade relativa. Poderão as forças de grande efetivo empregar esses princípios para obter a superioridade relativa? É pouco provável. A superioridade relativa favorece as pequenas formações. Isto não implica em que as forças de grande efetivo não possam obter algum grau de surpresa ou empregar a rapidez para atingir seus objetivos, ao contrário, a obtenção da superioridade relativa exige a adequada integração dos seis princípios. Devido ao seu volume, é difícil para as forças de grande efetivo elaborar um plano simples, manter seus movimentos sigilosos, conduzir ensaios detalhados com todo o pessoal (até o nível individual), obter a surpresa tática, incrementar a rapidez da ação no objetivo, e motivar todos os combatentes da unidade para alcançar um único objetivo. Em determinado momento, o comando e o controle tornam-se demasiado abrangentes para permitir a uma força de grande efeito aplicar, eficazmente, os princípios das operações especiais. Clausewitz nada mais faz do que constatar o óbvio quando diz:

 "quanto maior a magnitude de qualquer evento, tanto mais ampla será a variedade de forças e circunstâncias que o afetam." 
As forças de grande efetivo são mais suscetíveis às fricções da guerra. Os princípios das operações especiais funcionam porque procuram reduzir a guerra ao nível mais simples e, dessa forma, limitar os efeitos negativos do azar, da incerteza e da vontade do inimigo. 
Para atingir a superioridade relativa, o combatente de operações especiais deve levar em consideração os princípios nas três primeiras fases de uma operação: planejamento, preparação e execução. Os princípios estão interconectados e se apóiam mutuamente. Por exemplo, se o plano não for simples, será difícil manter em sigilo a intenção da operação e ainda mais difícil ensaiar a missão. E se for difícil manter o sigilo e ensaiar a missão, será quase impossível executá-la com surpresa, rapidez e determinação. 

O Relatório da Missão de Resgate (Rescue Military Report), preparado pela Comissão Holloway, a qual revisou a fracassada tentativa de resgatar os reféns em Teerã, em 1980, mostra como se relacionam os princípios de simplicidade, segurança e repetição. A missão de resgate foi abortada quando, devido a circunstâncias imprevisíveis, houve uma insuficiência de helicópteros para continuar a missão. O relatório indicou, no entanto, que o acréscimo de helicópteros teria aumentado o nível de dificuldade, o que "teria aumentado, desnecessariamente, o risco à segurança das operações". O relatório continua a dizer que: "as considerações de segurança das operações iam de encontro à realização de tais ensaios [de grandes proporções] e, se bem que o grupo de revisão reconhecesse o risco de reunir todas as forças no local de adestramento no Oeste dos EUA, as possíveis desvantagens de segurança de tais ensaios parecem ser superadas pelas vantagens que seriam obtidas". A correlação entre simplicidade, segurança e repetição está clara: se o plano for complexo, requererá extraordinária segurança. O excesso de segurança, caracterizado pela preocupação com a quebra do sigilo conseqüente da realização de ensaios, prejudica uma preparação eficaz. 
Na fase de preparação, adequada segurança e contínua repetição têm um impacto direto na capacidade da força atacante de obter a surpresa e conseguir a rapidez na fase de execução. Ao discorrer sobre a surpresa, Clausewitz observa:



"A surpresa nunca será obtida sob condições de conduta relaxadas (inadequada segurança)." 
A segurança terá um elevado nível de prioridade na fase de preparação, de forma a evitar que o inimigo obtenha uma vantagem decisiva. A contínua repetição das ações a realizar, manifestada no adestramento e nos ensaios conduzidos antes da missão, constitui o vínculo entre o princípio de simplicidade, na fase de planejamento, e os princípios de surpresa e rapidez, na fase de execução. Por exemplo, o Tenente-Coronel Herbert Zehnder, que pilotou um helicóptero HH-3 desde a Tailândia até Son Tay, no Vietnã do Norte, tinha que realizar a difícil tarefa de pousar no pequeno pátio do campo de prisioneiros de guerra. Considerava-se essencial que essa aterragem controlada ocorresse no pátio, a fim de ganhar alguns segundos de surpresa. Inicialmente, esta manobra foi considerada muito difícil. No entanto, após centenas de horas no ar e uma dúzia de ensaios, essa difícil manobra tornou-se mais fácil e a surpresa foi obtida. A contínua repetição das ações facilitou a tarefa de pousar numa área de proporções reduzidas, aumentando, dessa forma, a probabilidade de obtenção da surpresa. 
A contínua condução de ensaios realísticos irá melhorar a capacidade da força atacante de executar, com rapidez, a missão, especialmente sob condições de combate. John Lorimer, tripulante do mini-submarino que danificou o encouraçado alemão Tirpitz, afirmou:



"Se houver necessidade de realizar alguma tarefa perigosa, a melhor maneira de cumpri-la é adestrar, adestrar e adestrar, de modo que em meio à emoção do momento, a tarefa seja realizada automaticamente." 
A repetição, pela sua própria natureza, possibilita a rapidez da ação no objetivo. 
O último dos seis princípios diz respeito ao propósito da missão. Incutir um senso de propósito, especificamente a compreensão dos objetivos da missão e um compromisso pessoal para com a consecução dos mesmos, é vital para atingir a superioridade relativa. Embora o princípio de propósito seja mais aparente na fase de execução, todas as fases devem-se concentrar no propósito da missão. O seu entendimento irá reduzir os objetivos irrelevantes, destacar a inteligência necessária e modelar os requisitos de segurança das operações. Assegurará, ainda, em combate, que os esforços do comandante e de cada combatente estejam voltados para o que é realmente importante - a missão. 
Todos os exemplos anteriores mostram o relacionamento entre as fases de planejamento, preparação e execução de uma missão, e demonstram a natureza sinérgica dos seis princípios das operações especiais. 
O sucesso de uma missão especial está precariamente equilibrado sobre um pequeno vértice, tal qual uma pirâmide invertida. Os fatores morais de coragem, intelecto, audácia e perseverança devem apoiar a pirâmide, e impedir que as fricções da guerra a desequilibrem e provoquem a derrota. Este modelo é uma ferramenta para ajudar o leitor a analisar os casos históricos e entender o relacionamento entre os princípios das operações especiais e a superioridade relativa. Ele também reflete a teoria das operações especiais, pois representa, graficamente, a idéia de que as operações especiais são bem-sucedidas, apesar de sua inferioridade numérica, quando são capazes de obter a superioridade relativa. Isso é feito através do emprego de um plano simples, cuidadosamente mantido em sigilo, repetido e realisticamente ensaiado, e executado com surpresa, rapidez e propósito. O fracasso ocorre quando as fricções da guerra superam os fatores morais. A seguir, iremos analisar, detalhadamente, os seis princípios e demonstrar como se manifestam em combate.
Simplicidade:
A simplicidade é o princípio mais crítico e, às vezes, o mais difícil de observar. Como se pode elaborar um plano simples? Existem três elementos da simplicidade que são fundamentais para o êxito:
  • a limitação do número de objetivos
  • boa inteligência
  • criatividade.
A situação política ou militar impõe os objetivos estratégicos ou operacionais da missão, mas os planejadores geralmente possuem a liberdade de ação para determinar os objetivos táticos, desde que os dois objetivos coincidam. Portanto, é de importância fundamental limitar o número de objetivos táticos àqueles que são vitais. Por exemplo, no início da II Guerra Mundial, Hitler ordenou aos comandos alemães que capturassem o forte belga em Eben Emael, a fim de impedir que os canhões de 75mm e 120mm destruíssem as pontes circunjacentes e engajassem a divisão Panzer alemã que avançava nessa direção. Embora existissem dezenove posições fortificadas (cada uma com duas ou três metralhadoras), os alemães, de início, somente atacaram 9 casamatas. As 10 remanescentes estavam orientadas para o sul, e não representavam uma ameaça para as pontes ou os Panzers localizados ao norte. 
Por outro lado, enquanto planejavam a incursão sobre Saint-Nazaire, os britânicos identificaram o dique seco na Normandia como o objetivo principal, e as portas da Comporta Sul e quaisquer outros submarinos alemães acessíveis, como alvos secundários e terciários. Contudo, à medida que o planejamento foi progredindo, o número total de alvos principais aumentou de três para onze. Em conseqüência disso, a força de assalto precisou aumentar em 50 combatentes e o efetivo de apoio naval cresceu em mais de 200. Ainda mais, foi necessário acrescentar 10 embarcações de assalto e conduzir mais adestramento, bem como modificar as táticas a fim de implementar essas mudanças. Limitar o número de objetivos a apenas aqueles que forem essenciais orienta o adestramento, diminui o efetivo necessário, encurta o tempo da ação no objetivo e diminui o número de "partes móveis". 
O segundo elemento necessário à elaboração de um plano simples é a inteligência adequada, a qual simplifica o plano, mediante a redução dos fatores desconhecidos e o número de variáveis que devem ser consideradas. Durante a preparação do resgate dos reféns no Aeroporto de Entebbe, o pessoal de inteligência israelense conseguiu identificar o número de terroristas e de guardas ugandenses, seus armamentos, e o seu dispositivo geral. Esta informação permitiu ao comandante da força de ataque, Brigadeiro-General Dan Shomron, reduzir o efetivo de sua força e empregar somente o que era necessário. Isto melhorou, consideravelmente, o comando e controle, constituindo-se em elemento fundamental do êxito. Antes da incursão sobre a fortaleza em Eben Emael, os alemães obtiveram planos de engenharia que ofereciam uma descrição detalhada das saídas de emergência do forte. Isso era necessário porque se uma parcela dos 650 belgas dentro do forte escapasse, poderia superar a pequena força alemã. Munidos desse conhecimento, os combatentes, após desembarcarem dos planadores, rapidamente destruíram as saídas de emergência, eliminando a capacidade dos belgas de contra-atacar. 
Todavia, sempre existirão lacunas na inteligência. A tripulação do mini-submarino que atacou o encouraçado Tirpitz não sabia até que profundidade se estendia a rede anti-torpedo. Em Son Tay, os incursores desconheciam o número exato de prisioneiros de guerra, ou quantos guardas inimigos se encontravam no interior do campo. Em ambos os casos, os executantes levaram em consideração as palavras de Clausewitz:


"Grande parte da inteligência obtida na guerra é contraditória, uma parte ainda maior é falsa, e a maior de todas as partes apresenta caráter duvidoso. O que se exige de um planejador é um grande discernimento...A lei das probabilidades deve ser sua diretriz."

A tripulação do submarino estava preparada para cortar a rede e continuar seu avanço, caso esta se estendesse 37 m até o fundo do mar. Os analistas de inteligência examinando o campo em Son Tay previram o número de prisioneiros de guerra e de guardas, baseados na quantidade e tamanho dos prédios. Ambas as unidades conceberam seus planos em torno do que se podia razoavelmente prever. 
O terceiro elemento que contribui para a simplicidade é a criatividade, a qual simplifica o plano ao ajudar a evitar ou a eliminar obstáculos que, do contrário, poderiam comprometer a surpresa e/ou complicar a rápida execução da missão. A criatividade, normalmente, se manifesta na nova tecnologia, mas também se encontra na aplicação de táticas não-convencionais. O forte em Eben Emael distava 48 km da fronteira com a Alemanha. Se a surpresa tivesse sido comprometida, os belgas teriam tido tempo suficiente para destruir as pontes, as quais eram cruciais para o avanço alemão. As tropas pára-quedistas não podiam transportar o material pesado necessário para destruir as casamatas, e o lançamento por pára-quedas teria dispersado, consideravelmente, a tropa. Hitler ordenou ao General Kurt Student que organizasse uma força de assalto, transportada por planadores, para conquistar o forte. Embora os planadores não constituíssem uma nova tecnologia, esta foi a primeira vez em que foram utilizados em combate, o que surpreendeu os belgas, dando tempo suficiente para permitir que os alemães destruíssem os canhões que estavam orientados para as pontes. 
Durante o seu adestramento para a incursão sobre o campo de prisioneiros de guerra em Son Tay, no Vietnã do Norte, o pessoal de Forças Especiais teve dificuldades para engajar alvos à noite. Até mesmo sob as melhores circunstâncias, "a precisão dos tiros desencadeados à noite era em torno de 35%". O melhoramento da precisão era crucial para a rápida execução da missão. Uma semana após identificar o problema, o pessoal das Forças Especiais adquiriu uma mira de baixa intensidade luminosa, disponível no mercado, e a precisão aumentou para 95%. 
Em todos os casos, a nova tecnologia ou as táticas inovadoras foram empregadas para ajudar o elemento de assalto a atingir o objetivo e, posteriormente, a eliminar o inimigo com rapidez e eficácia. Planadores, mini-submarinos, torpedos tripulados, aeronaves C-130E equipadas com radar infra-vermelho de rastreamento frontal (FLIR) e contratorpedeiros modificados constituíram-se em novas ou criativas tecnologias especialmente projetadas ou configuradas para derrotar as defesas inimigas e obter a surpresa. Cargas explosivas dirigidas, metralhadoras Bren, demolições especiais, miras de baixa intensidade luminosa, granadas de luz e som, e dispositivos de visão noturna foram vitais para incrementar a rapidez da ação no objetivo. 
Embora os três elementos da simplicidade exerçam maior impacto durante a fase de execução, eles devem ser identificados no início de modo a ajudar na elaboração do plano e torná-lo o mais simples possível.
Segurança:
A finalidade de atribuir um elevado nível de prioridade à segurança é impedir que o inimigo obtenha uma vantagem através do conhecimento prévio de um ataque iminente. No entanto, a natureza das operações especiais exige o ataque a uma posição fortificada. Segue-se, portanto, que na paz ou na guerra, o inimigo está preparado para enfrentar um ataque. Dessa forma, mais do que a operação iminente, o que deve ser mantido em sigilo é o momento e, até certo ponto, o meio de infiltração. Por exemplo, os estudantes que ocuparam a Embaixada dos EUA, em Teerã, estavam esperando que esse país tentasse um resgate. Eles cobriram a área aberta com longas estacas de madeira, a fim de impedir o desembarque de forças helitransportadas e o lançamento de tropas pára-quedistas. Embora estivesse ancorado a 97 km da entrada ao estreito de Soroy, na Noruega, o encouraçado Tirpitz estava protegido por redes anti-submarino, redes anti-torpedo e dispositivos contra mergulhadores para neutralizar qualquer ataque sob a superfície da água. Os quatro terroristas a bordo do vôo LH 181, da Lufthansa, sabiam que tanto a Alemanha quanto Israel possuíam unidades anti-terroristas capazes de atacar, com rapidez, um avião comercial. Os terroristas portavam armas automáticas e granadas, e poderiam ter impedido que o GSG-9 entrasse no Boeing 737. 
Na maioria dos casos históricos, o pessoal inimigo guarnecendo os alvos estava adequadamente preparado para defender-se contra o tipo de ataque que sofreram. No entanto, os ataques foram, em sua maior parte, bem-sucedidos. Por quê? A segurança, por parte dos atacantes, impediu que o inimigo levantasse a oportunidade e, em alguns casos, o método de ataque, embora isso não o impedisse de preparar-se para um ataque. Daí a razão pela qual as operações especiais são bem-sucedidas, apesar da preparação defensiva do inimigo. A segurança deve receber o nível mais elevado de prioridade, sem prejudicar, desnecessariamente, a preparação (adestramento e ensaios) ou a execução das operações. Isso é importante para a obtenção da superioridade relativa, porque impede que o inimigo ganhe uma vantagem inesperada. Uma das razões predominantes a respeito do sucesso das operações especiais tem a ver com a capacidade de uma força atacante de levantar o tipo de defesa organizado pelo inimigo. Se a segurança dos incursores não for preservada, o inimigo poderia planejar uma ação de surpresa e, subseqüentemente, antecipar-se ao ataque ou reduzir a possibilidade de rapidez da ação no objetivo. Ambas as ações reduziriam, dramaticamente, a possibilidade da obtenção da superioridade relativa.
Repetição:
Na fase de preparação, a repetição, da mesma forma que a rotina, é indispensável na eliminação das barreiras ao êxito. Quando o grupo-tarefa da força aérea envolvido na incursão sobre Son Tay tentou, pela primeira vez, empregar o helicóptero UH-1H numa formação aérea com o C-130, os pilotos acharam o vôo nessa formação cerrada tão difícil, a ponto de acreditar que não estava dentro da "capacidade do aviador médio do Exército". Todavia, após voar centenas de horas na mesma configuração, "os procedimentos ensaiados com o...UH-1H (foram) comprovados e (poderiam ser) aplicados em planos futuros." 
Embora o General Joshua Shani, o principal piloto do C-130 que participou da incursão sobre Entebbe, somente tivesse uma oportunidade para ensaiar o pouso em uma pista curta antes da missão, ele não considerou isto como um problema. Nas suas palavras: "Eu já havia feito centenas de pousos em pistas curtas. Fazem parte do adestramento básico...era uma rotina." 
Determinadas unidades de combate, tais como as equipes anti-terroristas, bombardeiros estratégicos e as equipes de infiltração subaquática SEAL realizam, rotineiramente, missões empregando configurações padronizadas. Esta rotina aperfeiçoa as habilitações táticas, a ponto de permitir uma reação rápida a uma ameaça, desde que esta se encaixe no cenário padrão para o qual a unidade se adestrou. A maioria das operações especiais, porém, varia com relação aos cenários padronizados, o suficiente para exigir o emprego de novos equipamentos e táticas, a fim de solucionar o problema. Quando isso ocorre, torna-se essencial conduzir pelo menos um, e preferivelmente dois, exaustivos ensaios antes da missão. O plano que parecia simples no papel, agora deve ser posto à prova. A necessidade de conduzir ensaios exaustivos é corroborada repetidas vezes. Invariavelmente, quando um determinado aspecto de uma operação não foi ensaiado, ele fracassou durante a execução da missão. 
Para citar um exemplo, os britânicos tiveram 18 meses para preparar o seu ataque contra o encouraçado alemão Tirpitz. A missão exigia que os pequenos submersíveis secos, os mini-submarinos X, fossem rebocados durante oito dias através do Atlântico Norte por submarinos convencionais. Isso era particularmente desgastante para as tripulações e, em conseqüência, os navios somente foram rebocados por curtos períodos no transcorrer dos ensaios. Durante a verdadeira operação de reboque, a corda de cânhamo partiu. Um mini-submarino X afundou com a perda de todo o pessoal a bordo, e outro sofreu danos irreparáveis. O Almirante Godfrey Place (oficial comandante do X-7) comentou: "Se tivéssemos rebocado os (mini-submarinos X) durante os oito dias completos, teríamos sabido que as cordas de cânhamo quebrariam." Empregaram-se dois tipos de cordas, cânhamo e náilon. Uma vez que a corda de cânhamo não foi testada durante os oito dias completos, não havia maneira de saber que partiria sob essas condições. 
Nota da Editoria Brasileira: A repetição aperfeiçoa as habilitações nos níveis individual e unidade, ao mesmo tempo em que os ensaios exaustivos revelam as vulnerabilidades no plano. Ambos são essenciais ao êxito no campo de batalha.
A Surpresa:
A Doctrine for Joint Special Operations (Doutrina das Operações Especiais Combinadas) estabelece que:



"Surpresa é a capacidade de atacar o inimigo em um momento ou local, ou de uma maneira, que o apanhe despreparado." 
Contudo, em todas as Operações Especiais analisadas, o inimigo estava totalmente preparado para neutralizar a ação ofensiva. Por exemplo, na fortaleza belga de Eben Emael, canhões antiaéreos estavam posicionados na parte superior do forte, a fim de impedir um assalto aéreo; a instalação portuária de Saint-Nazaire estava cercada por baterias costeiras e holofotes visando impedir que navios britânicos navegassem despercebidos pelo Rio Loire; o encouraçado alemão Tirpitz e as belonaves HMS Queen Elizabeth e HMS Valiant estavam rodeados por redes anti-submarino e anti-torpedo; o Vietnã do Norte possuía um dos mais densos sistemas de defesa aérea do mundo; 250 italianos mantinham guarda sobre Benito Mussolini; 223 soldados japoneses estavam de guarda sobre os prisioneiros de guerra em Cabanatuan; e o aeroporto de Entebbe, em Uganda, estava cercado por 100 soldados ugandenses, com dois batalhões estacionados nas proximidades. Em cada um desses casos, o inimigo estava preparado para impedir um assalto contra sua posição e, no entanto, a supressa foi obtida em todos eles. 
De um modo geral, as forças de operações especiais não se podem dar o luxo de atacar o inimigo no momento ou no local onde esteja despreparado. Tais forças devem atacar, apesar da preparação do inimigo. A surpresa significa, literalmente, apanhá-lo desprevenido. Esta sutil diferença não é uma mera questão de semântica. Da mesma forma que dois pugilistas no ringue, cada um está preparado para neutralizar o soco do outro. No entanto, apesar da sua preparação, alguns socos atingem o alvo. Numa operação especial, a surpresa é obtida através da dissimulação, da sincronização e do aproveitamento das vulnerabilidades do inimigo. 
Quando bem-sucedida, a dissimulação impele o inimigo a desviar a sua atenção da força atacante, ou retarda a sua resposta o tempo suficiente para obter-se a surpresa no momento vital. Por exemplo, durante a incursão sobre Son Tay, a Força-Tarefa de Navios-Aeródromos 77, da Marinha, realizou um ataque diversionário, com três navios-aeródromos, cuja finalidade era "negar ao inimigo a opção de concentrar a sua atenção [na] verdadeira missão principal". Esta ação diversionária teve excelente resultado, pois permitiu que a força atacante, helitransportada, penetrasse as defesas aéreas do Vietnã do Norte e pousasse despercebida no campo de prisioneiros de guerra. A dissimulação que desvia a atenção do inimigo pode ser arriscada. Quando não produz a resposta adequada, essa ação acarreta, normalmente, conseqüências desastrosas. Em Saint-Nazaire, a Royal Air Force recebeu a missão de bombardear a cidade portuária, a fim de desviar a atenção dos alemães da pequena armada que navegava, sigilosamente, pelo Rio Loire. Infelizmente, a incursão aérea nada mais fez do que elevar o nível de alerta dos alemães e impedir que fossem apanhados de surpresa. 
Embora a dissimulação que desviou a atenção do inimigo tivesse excelente resultado para os incursores de Son Tay, na maioria das operações especiais, a dissimilação é mais bem utilizada para retardar a ação inimiga. Por exemplo, quando atacaram o aeroporto em Entebbe, os israelenses utilizaram um Mercedes, semelhante ao que usavam os dignitários ugandenses, para retardar, momentaneamente, a ação dos guardas. Quando pousou em Gran Sasso para resgatar Mussolini, Skorzeny trouxe consigo um general italiano de elevado posto, acreditando que "a mera presença [do general italiano] provavelmente criaria uma certa confusão... um tipo de hesitação que os impediria de resistir de imediato ou de assassinar o Duce". A sua suposição resultou acertada, e a confusão adicional proporcionou-lhe o tempo suficiente para alcançar Mussolini. Conforme é demonstrado em vários dos casos analisados, a dissimulação pode até ser um instrumento útil para a obtenção da surpresa, mas não se deve depender excessivamente dela. Normalmente, é melhor retardar a reação do inimigo do que desviar a sua atenção. 


A hora do ataque constitui-se em um fator fundamental para a obtenção da surpresa. A maioria das forças atacantes preferem investir sobre o alvo à noite, principalmente porque a escuridão proporciona cobertura. Pressupõe-se também que o inimigo esteja cansado, menos alerta e mais suscetível à surpresa. Mas, por outro lado, a noite freqüentemente aumenta o estado de alerta, e cada missão deve considerar as alternativas de um ataque noturno. Várias das operações mais bem-sucedidas foram conduzidas durante o dia, obtendo um elevado grau de surpresa. Skorzeny, por exemplo, pousou em Gran Sasso às 1400 hs sabendo que os guardas italianos já teriam acabado de almoçar e estariam descansando. Os alemães que atacaram Eben Emael pousaram ao alvorecer. A luz matutina proporcionou iluminação suficiente para o pouso dos planadores, enquanto muitas das guarnições dos canhões belgas ainda se encontravam na cidade circunvizinha. Os mini-submarinos que destruíram o Tirpitz também atacaram durante a manhã. Os meios de inteligência britânicos haviam informado aos tripulantes que o equipamento de sonar do encouraçado ia ser reparado durante a manhã do ataque e, portanto, não estaria operacional. Nas operações especiais, o inimigo estará preparado; a questão é: quando estará ele menos preparado e que momento proporcionará os maiores benefícios para a força atacante? 
Toda defesa tem um ponto vulnerável. A obtenção da surpresa significa aproveitar essa vulnerabilidade. Embora os norte-vietnamitas possuíssem a mais extensa rede de defesa aérea da Ásia, os meios de inteligência da força aérea conseguiram encontrar um hiato de cinco minutos no ciclo de rodízio do radar. Isso permitiu ao C-130 e aos helicópteros infiltrarem os incursores de Son Tay, no Vietnã do Norte, sem serem detectados. 
Os britânicos enfrentaram um problema semelhante durante a II Guerra Mundial. A Royal Air Force havia tentado, inúmeras vezes, afundar o encouraçado Tirpitz. Ancorada em Kaafjord, na Noruega, a belonave estava protegida por baterias antiaéreas, e seus armamentos de auto-proteção incluíam 16 canhões antiaéreos de 4.1 polegadas, 16 de 37mm e 80 de 20mm. Além disso, a maior parte do navio possuía uma blindagem de 12 polegadas. Todavia, o ponto vulnerável do encouraçado era sua quilha levemente blindada. Foi esse ponto, a vulnerável parte inferior, que os britânicos decidiram atacar. A surpresa foi obtida por dois mini-submarinos (X-6 e X-7), quando penetraram as defesas alemãs e colocaram seus explosivos. No caso do Tirpitz, a vulnerabilidade na defesa era um termo relativo. Os alemães organizaram defesas anti-submarino e anti-torpedo; contudo, comparadas com as defesas antiaéreas, aquelas eram consideravelmente mais fracas. 
Muitos táticos consideram o princípio da surpresa o fator mais importante de uma operação especial bem-sucedida. Acreditam, equivocadamente, que a surpresa proporciona a vantagem decisiva sobre o inimigo, e que o ato de meramente apanhar o inimigo despreparado assegura a vitória da força atacante. Esse não é o caso. A surpresa é inútil e, de fato, impossível de se obter sem os outros princípios. De que adianta surpreender o inimigo, se não possuímos o equipamento adequado para enfrentá-lo? A superioridade relativa somente é atingida através da correta aplicação de todos os princípios. A surpresa é essencial, porém não deve ser considerada isoladamente. É importante apenas como parte integrante da pirâmide de princípios. 
Rapidez:
Numa missão de operações especiais, o conceito de rapidez é simples. Alcançar o objetivo o mais rápido possível. Qualquer retardo ampliará a sua área de vulnerabilidade e diminuirá a sua possibilidade de atingir a superioridade relativa.  
Referindo-se à guerra em termos gerais, o Fleet Marine Force Manual (FMFM 1-3) estabelece:


"Como todas as coisas na guerra, a rapidez é relativa"
Esta observação constante no FMFM 1-3 pode ser verdadeira na guerra convencional ou de grandes proporções, onde as forças manobram no campo de batalha e se ajustam a certos avanços táticos, mas, nas operações especiais, o inimigo está organizado em posições defensivas e sua única motivação é neutralizar o ataque. Dessa forma, a vontade de resistir do inimigo é uma variável conhecida, e a sua capacidade de reagir é constante. Conseqüentemente, com o passar do tempo, as fricções da guerra atuam contra as forças de operações especiais, ao invés de contra o inimigo. É essencial, portanto, deslocar-se o mais rápido possível, independentemente da reação do inimigo. 
Por exemplo, nos dois casos envolvendo ataques com submarinos - a incursão dos mini-submarinos X contra o Tirpitz e o ataque do torpedo tripulado italiano contra a frota britânica em Alexandria, as forças atacantes avançaram clandestinamente. O inimigo não percebeu a sua presença e, portanto, não estava tentando se opor à vontade da força atacante. No entanto, a rapidez não foi relativa, tornando-se um fator vital ao êxito da missão. Os mini-submarinos X, que haviam navegado pelo Atlântico Norte dois dias antes, começaram a sofrer panes catastróficas nos seus sistemas elétricos e de lastração. A cada minuto que passava, o lastro e a estabilidade de um dos mini-submarinos iam se agravando, fazendo com que se inclinasse 15 graus para bombordo. O tempo tornou-se um fator tão vital que o comandante do submarino, Tenente Don Cameron, ao invés de atravessar clandestinamente a rede anti-torpedo, decidiu emergir e investir impetuosamente contra o Tirpitz. Esta ação foi tomada com grande risco ao êxito da missão, mas Cameron conscientizou-se, claramente, de que o tempo, e não os alemães, passara a ser o seu maior inimigo. 
Os homens-rã italianos que infiltraram no Porto de Alexandria a bordo de submarinos tripulados estavam constantemente expostos à água fria. Sabiam que, mesmo que o inimigo não os descobrisse, sucumbiriam às forças da natureza e ao desgaste físico. À medida que se aproximava do HMS Valiant, o Tenente Durand de la Penne relembrou: "A sede me atormenta... Não posso continuar trabalhando devido à extrema fadiga e à falta de ar". Ele estava ciente de que "a rapidez era essencial... [se fosse forçado a emergir devido à fadiga] o alarme seria dado, cargas de profundidade seriam lançadas e [a] operação... estaria fadada ao fracasso". No entanto, devido à rapidez com que trabalhou, somente foi descoberto após subir à superfície. Horas mais tarde, a ogiva do torpedo tripulado explodiu e o HMS Valiant afundou no Porto de Alexandria. Em ambos os casos, o inimigo não foi um fator decisivo, mas o tempo ainda atuava para impedir o desfecho bem-sucedido da operação. 
A maior parte das operações especiais envolvem o contato direto e, na maioria dos casos, imediato com o inimigo, em que minutos e segundos podem determinar a diferença entre o êxito e o fracasso. Das missões bem-sucedidas analisadas nesta obra, foi apenas na incursão contra Saint-Nazaire que os atacantes demoraram mais de 30 minutos desde o ponto de vulnerabilidade até a obtenção da superioridade relativa. Na maioria dos demais casos, a superioridade relativa foi obtida em cinco minutos, tendo as missões sido completadas em 30 minutos. Houve alguns casos - por exemplo, a incursão contra o campo de prisioneiros de guerra em Cabanatuan, a incursão sobre Son Tay e o resgate de Mussolini por parte de Skorzeny - em que a missão não foi concluída até que a viagem de retorno foi completada. 
Nota da Editoria Brasileira: O X-10, comandado pelo Tenente Ken Hudspeth, foi designado para atacar o Scharnhorst, um cruzador alemão que distava a menos de 2km do Tirpitz. Hudspeth passou por dificuldades mecânicas semelhantes, mas suas ordens claramente o proibiam de atacar, se existisse a possibilidade de o ataque comprometer a destruição do alvo principal, o Tirpitz. 
Para obterem a surpresa e incrementarem a rapidez, as forças de operações especiais, geralmente, possuem limitado efetivo e estão levemente armadas, sendo, portanto, incapazes de durar na ação contra um inimigo convencional por longos períodos de tempo. A incursão contra Saint-Nazaire mostra os problemas que surgem quando as forças de operações especiais tentam prolongar o engajamento. Quando o número de objetivos em Saint-Nazaire aumentou de 3 para 11, a operação requereu que os comandos permanecessem em terra por mais tempo, a fim de destruir esses alvos. Num memorando aos chefes do estado-maior sobre a Operação Chariot, o assessor do Comando de Operações Combinadas avisou que, para atingir todos os objetivos, "Toda a força... [necessitaria] permanecer em terra por um período máximo de 2 horas". Quaisquer vantagens obtidas pelos comandos através da surpresa foram perdidas na execução, pelo fato de planejar uma operação que precisou de duas horas de ação contínua. Isso exigiu que sua força levemente armada, e em alguns casos desarmada, travasse combate contra uma brigada antiaérea alemã, fortemente armada, integrada por 300 soldados (os armamentos destas unidades, incluindo o canhão antiaéreo de 88mm, podiam ser empregados, com devastadora eficácia, contra os elementos terrestres). Clausewitz adverte:


"Quanto mais restrito for o efetivo, tanto mais restritos deverão ser os objetivos; ainda mais, quanto mais restrito for o efetivo, tanto mais limitada será a duração." 
Adicionalmente, durante esse período de duas horas, as 17 lanchas que transportaram os comandos até Saint-Nazaire haviam permanecido expostas ao mortífero fogo proveniente das defesas costeiras. Em apenas 90 minutos, quase todas haviam sido destruídas ou haviam retrocedido. Se os comandos tivessem atacado e exfiltrado rapidamente, a probabilidade de concluir a missão teria aumentado dramaticamente. 
Nas operações especiais, a rapidez é uma função do tempo e não, conforme alguns sugerem, um fator relativo influenciado pela vontade de resistir do inimigo. Apesar dos esforços do inimigo, a superioridade relativa pode ser obtida, principalmente, porque a força atacante se desloca com tal rapidez que a reação do inimigo deixa de ser um fator preponderante.
Propósito:
O propósito implica em entender e, posteriormente, atingir o principal objetivo da missão, independentemente dos obstáculos ou das oportunidades que se apresentem. Este princípio tem dois aspectos. Em primeiro lugar, o propósito deve estar claramente definido pelo enunciado da missão: resgatar os prisioneiros de guerra, destruir o dique seco, afundar o encouraçado, etc., e ser elaborado de modo a assegurar que no calor da batalha, aconteça o que acontecer, o combatente individual entenda o objetivo principal. Por exemplo, durante o ataque dos mini-submarinos X contra o encouraçado Tirpitz, o X-6 tinha avarias no seus principais equipamentos (o periscópio de ataque estava quebrado, a carga de demolição de bombordo estava inundada, água estava entrando no compartimento principal e o mini-submarino estava inclinado 15 graus para bombordo). O Tenente Don Cameron tinha de tomar a decisão de atacar ou retroceder. Se atacasse e fracassasse, existia a possibilidade de que pudesse comprometer o êxito dos outros dois minissubmarinos X, também designados para atacar o Tirpitz. Após refletir sobre o propósito da missão, segundo definido pelas ordens de operações recebidas, Cameron decidiu atacar. Suas ordens estavam claras. Se o mini-submarino ainda funcionasse e estivesse equipado com, ao menos, uma carga explosiva, devia concluir a missão. 
Durante o ataque contra a frota britânica no Porto de Alexandria na II GM, os homens-rãs italianos, Capitão Vincenzo Martellota e seu companheiro de mergulho, Suboficial Mario Marino, já tinham colocado o seu torpedo tripulado sob um cruzador britânico de grande porte, quando perceberam que era o alvo errado. Eles haviam arriscado suas vidas evitando pequenos navios de proteção, cargas de profundidade e a segurança do porto. E embora o afundamento do cruzador tivesse sido aceitável, não era o navio que deviam atacar. Em conseqüência disso, Martellota se afastou da belonave e continuou em frente. Eventualmente, os italianos atingiram o seu alvo designado, um navio-petroleiro de grande capacidade. Ao seguir as ordens à risca, Martelloto e Marino não só afundaram o navio-petroleiro, mas também causaram grandes danos a um contratorpedeiro que estava amarrado ao seu lado. Nos casos britânico e italiano, os homens receberam ordens claramente definidas que orientaram suas ações no calor da batalha e direcionaram seus esforços para o que era importante. 
O segundo aspecto do princípio de propósito é o compromisso pessoal. O Tenente-Coronel Henry Mucci, Comandante do 6º Batalhão de Rangers que resgatou 512 prisioneiros de guerra de um campo de concentração japonês, entendeu a necessidade do estabelecimento de um compromisso pessoal. Antes da operação, ele ordenou aos seus Rangers: "Ponham-se de joelhos agora mesmo e rezem! Diabo... não o simulem! REZEM... para valer. E quero que cada um de vocês faça um juramento perante Deus... Jurem que morrerão combatendo antes de permitir que esses prisioneiros de guerra corram perigo!" 
De modo semelhante, o General Joshua Shani, Comandante da força aérea em Entebbe, comentou vários anos após a incursão: "Estávamos completamente empenhados em concluir a tarefa...Combatíamos por Israel." 
O propósito da missão deve ser plenamente entendido antes da sua realização, sendo imprescindível que os executantes sejam inspirados por um sentido de dedicação pessoal que não tenha limites. O Capitão Otto Skorzeny disse certa vez: "Quando um homem é motivado pelo simples entusiasmo e pela convicção de que está arriscando a sua vida por uma causa nobre... ele traz consigo os elementos essenciais ao êxito." Numa época de alta tecnologia e de Cavaleiros Jedi, freqüentemente desprezamos a necessidade do envolvimento pessoal, e, em assim fazendo, corremos um grande risco. Conforme advertiu Clausewitz:

"Os teóricos estão inclinados a considerar o combate, friamente, como um teste de força, sem qualquer participação das emoções, e este é um dos milhares de erros que eles cometem deliberadamente, porque não percebem suas conseqüências." 
Os princípios das operações especiais acima definidos não foram meramente extraídos dos princípios de guerra convencionais. Eles representam elementos únicos da guerra que somente as forças de operações especiais possuem e podem empregar com eficácia.

A Guerra das Falklands/Malvinas sob o enfoque da Guerra Eletrônica *175



Ensinamentos para a FAB

Cap Av Luciano Barbosa Magalhães


Resumo:

O estudo objetivou analisar como os recursos de Guerra Eletrônica (GE) utilizados na Guerra das Malvinas/Falklands contribuíram para o resultado do conflito. Para isso, realizou-se uma pesquisa explicativa, baseada na técnica de coleta de dados secundários e posterior análise estatística dos resultados, visando identificar os princípios mais importantes de GE envolvidos. Também foi utilizado o instrumento do estudo de caso para estabelecer um paralelo entre os recursos de GE utilizados durante a Guerra das Malvinas/Falklands e os atuais recursos da FAB. A pesquisa iniciou-se com a análise da utilização de mísseis ar-ar infravermelhos de 3ª geração nos combates aéreos. Após isso, verificou-se a suscetibilidade das aeronaves argentinas em função dos equipamentos de autodefesa existentes nelas. Em seguida, analisou-se a influência do conhecimento prévio das características do míssil Exocet argentino por parte da Inglaterra. Após isso, verificou-se o impacto da utilização do Míssil Anti-Radiação (MAR) contra os radares argentinos nas Ilhas Malvinas. Finalmente, este artigo estabeleceu um paralelo entre os recursos de GE utilizados durante a Guerra das Malvinas e os atuais recursos de GE da Força Aérea Brasileira (FAB). Dessa forma, foi possível extrair alguns ensinamentos que podem melhorar não só a utilização desses equipamentos e conceitos, mas também a alocação dos recursos financeiros na aquisição de equipamentos de GE essenciais para a FAB.


INTRODUÇÃO

Nos últimos dez anos, a Força Aérea Brasileira (FAB) tem adquirido diversos equipamentos de Guerra Eletrônica (GE), a fim de renovar a sua frota e de manter-se pronta para a defesa da soberania da pátria. Os parcos recursos financeiros disponíveis possibilitaram a aquisição de alguns equipamentos de GE, em detrimento de outros. Cumpre ressaltar que a escolha, em tempo de paz, de quais equipamentos adquirir pode ser primordial no momento de um conflito.

Como a última vez que a FAB participou de um conflito armado foi durante a II Guerra Mundial, utilizar as lições aprendidas com a Guerra das Malvinas poderá fornecer subsídios que, em tese, contribuirão para uma melhor alocação dos recursos financeiros na aquisição dos equipamentos de GE julgados necessários.

Dessa forma, na presente pesquisa, procura-se medir a influência dos recursos de GE, utilizados durante a Guerra das Malvinas, que contribuíram para o resultado do conflito, e extrair os ensinamentos deixados, visando estabelecer um parâmetro de comparação com os atuais recursos de GE existentes na FAB.

De que maneira os recursos de GE utilizados pela Argentina e pela Inglaterra nas Malvinas contribuíram para o resultado do conflito?

Visando solucionar esse problema, este trabalho tem como objetivo geral analisar como os recursos de Guerra Eletrônica, utilizados pelos dois países envolvidos na Guerra das Malvinas, contribuíram para o resultado do conflito.


Para que o objetivo geral seja alcançado, serão adotados cinco objetivos específicos:

  1. analisar a influência da utilização de míssil ar-ar infravermelho, de 3ª geração (“all aspect”), pelas aeronaves inglesas, contra as aeronaves argentinas, durante os combates aéreos;
  2. analisar o impacto dos equipamentos de autodefesa, utilizados nas aeronaves argentinas, durante a execução das missões de ataque à frota da Marinha Inglesa;
  3. analisar a influência do conhecimento prévio das características do radar do míssil antinavio argentino (Exocet) por parte dos ingleses;
  4. verificar o impacto da utilização de Míssil Anti-Radiação (MAR) contra os radares argentinos instalados nas Ilhas Malvinas;
  5. estabelecer um paralelo entre os recursos de GE utilizados durante a Guerra das Malvinas e os atuais recursos de GE da FAB.

Com relação aos quatro primeiros objetivos específicos supracitados, existem quatro hipóteses a serem analisadas:

  1. a utilização de um míssil ar-ar infravermelho, de 3ª geração (“all aspect”), pelas aeronaves inglesas, nos combates aéreos contra as aeronaves argentinas, permitiu maior exploração do espectro eletromagnético na faixa do infravermelho, o que resultou num grande número de aeronaves abatidas e, conseqüentemente, na diminuição da capacidade de combate dos argentinos;
  2. os equipamentos de autodefesa, utilizados nas aeronaves argentinas, por possuírem diminuta capacidade de perceber e de se contrapor aos diversos armamentos enfrentados durante as missões de ataque aos navios ingleses, resultaram num grande número de aeronaves abatidas e, conseqüentemente, na diminuição da capacidade de combate;
  3. o conhecimento prévio das características dos radares dos mísseis antinavio (Exocet) pode ter propiciado contramedidas eletrônicas pela frota inglesa, diminuindo a efetividade dos mísseis e, conseqüentemente, reduzindo a capacidade de destruição dos argentinos; e 
  4. o emprego de MAR contra os radares argentinos pode ter, mesmo que temporariamente, restringido o alarme antecipado, aumentando a suscetibilidade das aeronaves argentinas.

Visando atingir os objetivos estabelecidos, será realizada uma pesquisa explicativa, baseada na técnica de coleta de dados secundários.
Posteriormente, será realizada a análise estatística dos resultados e a identificação dos principais princípios de GE envolvidos.
Por último, será realizado um estudo de caso, como instrumento metodológico para se estabelecer um paralelo entre os recursos de GE utilizados durante a Guerra das Malvinas e os atuais recursos da FAB.


REFERENCIAL TEÓRICO

Schleher (1999) define Guerra Eletrônica (GE) como qualquer ação militar envolvendo o uso de ondas eletromagnéticas e energia direcionada, para controlar o espectro eletromagnético ou atacar o inimigo.

Ao analisar as ações militares dos países envolvidos no conflito, percebe-se que utilizaram diversos recursos de GE para obter, conforme definiu Schleher (1999), o controle do espectro eletromagnético e o sucesso no ataque ao inimigo.

Estudando o uso do espectro eletromagnético, pelos dois países, talvez seja possível verificar como os recursos de GE foram significativos no resultado do conflito.



O AIM-9L SIDEWINDER

A Argentina possuía um acervo de aproximadamente 110 caças ou caças-bombardeiros, distribuídos da seguinte forma: 11 Mirage III, 05 Super Etendard, 57 A-4 Skyhawk e 34 Dagger (ETHELL, 1983).

Ao longo do conflito, a Força Tarefa Britânica utilizou 28 aeronaves Sea Harrier e 10 aeronaves Harrier embarcadas nos porta-aviões Hermes e Invincible, (UDEMI,1989).

Uma visão geral das principais aeronaves e seus armamentos ar-ar associados, utilizados no conflito, pode ser observada na Tabela 1.


A maior ameaça aérea para os ingleses vinha dos Mirage III, em função dos mísseis que os equipavam (UDEMI, 1989). Visando contrapor-se aos mísseis argentinos, foram instalados sistemas de lançamento de chaff e flare do tipo ALE-40 (BRAYBROOK, 1984). Além disso, todos os Harrier e Sea Harrier foram equipados com mísseis ar-ar AIM-9L, ou seja, com mísseis infravermelhos de terceira geração.

O míssil infravermelho, de terceira geração, possuía a vantagem de detectar o alvo num comprimento de onda que era possível identificar, não só as partes quentes da tubeira, mas também os gases de exaustão da aeronave, isso graças a um novo material empregado no detector, o Antimoneto de Índio (InSb), e à refrigeração (SCHLEHER, 1999). Isso permitia que o míssil fosse lançado em qualquer ângulo de apresentação da aeronave alvo, diferentemente dos mísseis de gerações mais antigas, como o Matra Magic R550 e o Shafrir, os quais detectavam apenas as partes quentes da tubeira, só permitindo o lançamento pelo setor traseiro do alvo (JANE’S, 2003).

Segundo Arcangelis (1985), era necessário conceber um detector que reagisse em comprimentos de onda próximos a 5  m, correspondente aos gases de exaustão do motor, enquanto que os mísseis de primeira e segunda gerações tinham sensores que reagiam próximos de 2,5  m, correspondendo não só às emissões do metal incandescente da tubeira, mas também às dos raios de sol refletidos pelas nuvens.

Dessa forma, percebe-se que os mísseis da terceira geração, em relação às duas gerações anteriores, pareciam explorar melhor a faixa do espectro eletromagnético, pois conseguiam captar uma gama maior de emissões geradas pelo alvo, propiciando uma solução de tiro em qualquer ângulo de apresentação da aeronave oponente.

Entre os mísseis ar-ar utilizados no conflito, apenas o Matra R530 era do tipo radar semi-ativo, ou seja, o radar da aeronave lançadora iluminava o alvo e o míssil se guiava pelas ondas que eram refletidas de volta pelo alvo (SHAW, 1986).



Segundo Arcangelis (1985), todos os Harrier e Sea Harrier eram equipados com Radar Warning Receiver (RWR) e lançadores de chaff e flare. Isso fazia com que os pilotos britânicos pudessem saber quando o míssil Matra R530 havia sido lançado, bem como efetuar o lançamento de chaff, resultando na perda de acoplamento do radar inimigo.

Das aeronaves argentinas, apenas os Super Etendard e os Dagger eram equipados com RWR (ARCANGELIS, 1985). Algumas receberam chaff e flare próximo ao final da guerra (ETHELL, 1983). O flare pode ser efetivo contra os mísseis infravermelhos das primeiras gerações, pois esses se fixam nos pontos mais quentes, na faixa de 1 a 3 m, ou seja, em temperaturas compreendidas entre 1300 e 2000 Kelvin (SCHLERER, 1999).

Segundo Ethell (1983), no dia 1º de maio de 1982, a Argentina possuía 256 aeronaves disponíveis para combate. No entanto, 17 delas foram abatidas exclusivamente por mísseis AIM-9L. Portanto, ao término do conflito, pode-se constatar que 6,64% das aeronaves argentinas foram abatidas por um AIM-9L.

O total de aeronaves argentinas de caça, caça-bombardeio, bombardeio e ataque era de 146 (ETHELL, 1983). 

Considerando que esses vetores constituíam as aeronaves de combate, uma vez que ofereciam um risco direto à frota e às aeronaves inglesas, pode-se dizer que os AIM-9L foram responsáveis por abater 11,64% desse total.

Nenhum bônus foi creditado aos mísseis ar-ar utilizados pela Argentina, bem como nenhum Sea Harrier foi perdido em combate aéreo (NORDEEN, 2002).

Dessa forma, pode-se constatar que a utilização do míssil ar-ar infravermelho  de 3ª geração permitiu maior exploração do espectro eletromagnético na faixa do infravermelho, o que resultou num grande número de aeronaves abatidas e, conseqüentemente, na diminuição da capacidade de combate dos argentinos, havendo indícios de que a primeira hipótese foi corroborada.



OS EQUIPAMENTOS DE AUTODEFESA ARGENTINOS

Segundo Ball (1985), a sobrevivência de uma aeronave é definida como a capacidade de ela resistir às hostilidades ambientais feitas pelo homem ou de evitá-las. A incapacidade de uma aeronave evitar os radares, mísseis guiados, explosões das cabeças de guerra, armamentos de cano e demais elementos de um ambiente hostil é definida como suscetibilidade. 

Portanto, para que se possa aumentar a sobrevivência da aeronave em combate é preciso diminuir a sua suscetibilidade. Para reduzir a suscetibilidade podem ser utilizados diferentes tipos de contramedidas eletrônicas, agrupadas nos seguintes conceitos (BALL,1985):

  1. alarme de ameaça (RWR);
  2. bloqueadores e despistadores;
  3. redução de assinatura;
  4. descartáveis (chaff e flare);
  5. supressão da ameaça; e
  6. táticas.

A aplicação específica de cada uma delas tem se dado por faixas importantes do espectro eletromagnético, tais como a radar, a infravermelha e a visual.

Em muitas situações de combate elas são combinadas para degradar o sistema de defesa aéreo inimigo (BALL, 1985).

Dessa forma, analisando as aeronaves argentinas, percebe-se que a escassez de equipamentos de GE pode ter contribuído para as perdas sofridas durante os ataques aéreos à frota da Marinha Britânica. 



De acordo com a Tabela 2, apenas dois tipos de aeronaves utilizaram o conceito de alarme de ameaça, possuem um RWR para localizar e identificar as ameaças nas vizinhanças da aeronave, o que permite ao piloto identificar a aproximação de mísseis e perceber que a aeronave estava, sendo iluminada por algum radar (BALL, 1985).

Segundo Ball (1985), as duas técnicas de emissão de radiação mais empregadas para reduzir a suscetibilidade de uma aeronave são obtidas por meio da utilização de bloqueadores e despistadores.

O bloqueador pode ser utilizado para mascarar o eco da aeronave, ao passo que o despistador transmite sinais para enganar ou confundir o sistema inimigo. A utilização desses equipamentos evitaria que os radares detectassem, identificassem e rastreassem o alvo, impedindo a utilização de míssil radar ou de artilharia de cano. Se as aeronaves argentinas tivessem a capacidade de bloquear os radares dos armamentos ingleses, eles poderiam ter tido uma maior taxa de sobrevivência (GREEN, 2005).

Com relação à redução de assinatura pelas aeronaves argentinas, nenhum registro foi encontrado. É possível que não tenha sido explorada.

Os descartáveis (chaff e flare) são materiais ou dispositivos projetados para serem ejetados de uma aeronave, com o propósito de despistar o sistema de acoplamento de uma ameaça por um determinado período de tempo (BALL, 1985).

Conforme a Tabela 2, apenas algumas aeronaves, no final do conflito, receberam esses tipos de contramedidas (ETHELL, 1983). O treinamento não preparou adequadamente os pilotos argentinos para efetuarem o lançamento de chaff e flare, pois não os utilizaram corretamente diante da ameaça inimiga (GREEN, 2005).

De acordo com Ball (1985), a supressão de ameaças consiste em ações tomadas pelas forças amigas com a intenção de danificar, ou destruir fisicamente, um sistema de ameaça. Entretanto, esse conceito não será abordado, uma vez que a Argentina não possuía MAR.

Os argentinos exploraram o conceito de tática de forma simples e inteligente, pois se dirigiam simultaneamente a um mesmo alvo, visam saturar os radares e outras defesas antiaéreas dos navios, além de voarem quase no nível do mar, com todos os seus radares e demais equipamentos emissores de ondas eletromagnéticas desligados. Dessa forma, não havia quase nenhuma radiação eletromagnética para ser detectada (ARCANGELIS, 1985).

Desconsiderando-se a atuação dos Harrier e Sea Harrier no conflito, uma vez que já foi comentada anteriormente, a defesa aérea da frota britânica era provida por 52 navios (CHANT, 2001). Além dos armamentos embarcados nos navios, utilizados para prover a defesa antiaérea, serão abordados também os empregados em superfície, pois foram destinados a apoiar os navios e tropas durante o desembarque nas ilhas.

Entre os navios britânicos, sete eram armados com o míssil Sea Dart, dezessete com o Sea Cat e dois com o Sea Wolf. Muitos eram equipados com canhões de 4.5 polegadas, 20 mm e 40 mm (NORDEEN, 2002).



O míssil Blowpipe, além de empregado no desembarque, também foi utilizado dos conveses dos navios, enquanto os mísseis Rapier protegiam as áreas de pouso. O míssil Stinger, utilizado pelas tropas de comandos britânicas, também foi utilizado para apoiar o desembarque nas Ilhas Malvinas (NORDEEN, 2002).



A Tabela 3 apresenta um resumo das principais características dos sistemas de mísseis utilizados pela frota inglesa. A falta de equipamentos de GE, para impedir o uso do espectro eletromagnético pelos sistemas de armas da frota inglesa, pode ter aumentado a suscetibilidade das aeronaves argentinas e, conseqüentemente, diminuído o seu percentual de sobrevivência, já que 27 delas foram destruídas por esses sistemas (MORO, 2003). 

A frota britânica abateu 10,54% das aeronaves argentinas empregadas. Além disso, pode-se dizer que a Força Tarefa Britânica foi responsável por abater 18,49% das aeronaves de combate argentinas.

Portanto, analisando os equipamentos de autodefesa utilizados nas aeronaves argentinas, por possuírem diminuta capacidade de perceber e de se contrapor aos diversos armamentos enfrentados durante as missões de ataque aos navios ingleses, pode-se inferir que tenham sido responsáveis pelo grande número de aeronaves abatidas e,conseqüentemente, tenham contribuído para a diminuição da capacidade de combate, corroborando-se a segunda hipótese.



AS DEFESAS CONTRA O EXOCET

O sistema de armas composto pelo Super Etendard e pelo míssil anti-navio Exocet havia sido recentemente incorporado pela Armada Argentina, apenas cinco unidades de cada um desses equipamentos foram entregues pela França
(MORO, 2003).

No dia 04 de maio de 1982, duas aeronaves Super Etendard, cada uma equipada com um míssil Exocet, decolaram para atacar dois navios, localizados a cerca de 70 NM das Malvinas. Elas eram equipadas com o Agave, um radar monopulso, que operava na banda I (8 a 10 Ghz) (ARCANGELIS, 1985).

As aeronaves navegaram a baixa altura, para evitar a detecção radar. A 25 NM de distância dos navios, os Super Etendard subiram para 500 ft, ligaram seus radares para localizar a frota, programaram os computadores dos mísseis Exocet, depois desligaram os radares e voltaram novamente para a altura de vôo inicial. 

A 23 NM efetuaram o lançamento e retornaram para a base (ARCANGELIS, 1985). Durante o breve momento em que as aeronaves argentinas ligaram seus radares, um navio britânico interceptou as emissões e alertou o restante da frota. O Controle de defesa aérea do Hermes identificou as emissões como sendo do Mirage III, jamais imaginaram que fossem do Super Etendard. Os ingleses achavam que os argentinos ainda não estivessem treinados para efetuar o emprego dos mísseis Exocet de suas aeronaves. Por essas razões, os britânicos não deram a devida importância para as emissões radar (ARCANGELIS, 1985).

Naquele exato momento, o HMS Sheffield estava transmitindo e recebendo mensagens via satélite, uma operação que requeria a desativação de todos os outros equipamentos transmissores de energia eletromagnética, razão pela qual os radares do navio não detectaram nem os aviões, nem os mísseis. 

Além disso, o sistema de Medida de Apoio a Guerra Eletrônica (MAGE) do Sheffield também não recebeu as emissões do Exocet, mas deve-se considerar que o ambiente era eletromagneticamente denso, com emissões provenientes de inúmeros equipamentos de comunicação, Identification Friend or Foe (IFF) e radares (ARCANGELIS, 1985).



Um dos mísseis atingiu o casco do HMS Sheffield, mas não explodiu. O navio, entretanto, afundou após seis dias (ARCANGELIS, 1985). O segundo Exocet apenas passou perto do HMS Yarmouth (CHANT, 2001).

Com relação aos armamentos ofensivos do HMS Sheffield, pode-se dizer que o Sea Dart tinha capacidade antimíssil, mas seu alcance era inferior ao do Exocet. Além disso, a Grã-Bretanha não tinha nenhuma aeronave de Alarme Aéreo Antecipado (AEW) que pudesse operar embarcada, portanto, os avisos de ataques eram limitados à detecção pelos radares dos navios. Isso significava que o Super Etendard poderia lançar seus mísseis fora do alcance dos Sea Dart, pois, uma vez lançados, os mísseis navegariam a 30 ft do nível do mar (ARCANGELIS, 1985).

A única possibilidade de defesa que o Sheffield realmente poderia tentar era o canhão de 20 mm, que poderia não ser efetivo contra um alvo de área tão pequena, quando aproado com o navio (ARCANGELIS, 1985).

Pela análise dos armamentos defensivos, pode-se constatar que o Sheffield possuía o UAA-1 Abbey Hill, um equipamento de Suporte Eletrônico destinado a fornecer aviso antecipado de transmissões radar e de vigilância do espectro eletromagnético, na faixa compreendida entre 1 a 18 Ghz, o que permite, inclusive, o azimute de chegada. 

Esse sistema era capaz de fornecer aviso automático de ameaças, caso os parâmetros armazenados fossem interceptados. No entanto, esse equipamento não forneceu nenhum alarme, ou por causa da interferência eletrônica, ou porque os parâmetros do míssil não estavam armazenados como ameaça, já que a Marinha Britânica tinha a versão superfície-superfície do Exocet, o MM-38, instalada em alguns de seus navios (ARCANGELIS, 1985).

O HMS Sheffield era equipado com dois sistemas lançadores de chaff do tipo Corvus e, provavelmente, também possuísse o Bexley 669, um despistador, e o Bexley 667/668, um bloqueador, mas nenhum foi utilizado (ARCANGELIS, 1985).



O Exocet, após lançado, navegava por um sistema inercial, que era imune aos ataques eletrônicos. A seis milhas do alvo ligava o seu radar automaticamente, acoplava o alvo e navegava em sua direção. Era equipado com o Adac, um radar monopulso, que operava na banda X (8,5 a 12,5 Ghz), possuía sofisticados sistemas de Proteção Eletrônica, o que lhe tornava resistente aos despistadores e bloqueadores existentes (ARCANGELIS, 1985).

Apesar de a faixa de freqüência de recepção do Abbey Hill abranger as faixas de freqüência dos radares do Super Etendard e do Exocet, aquele não possuía capacidade de distinguir e interpretar, instantaneamente, os sinais eletromagnéticos, em virtude das suas limitações internas (ARCANGELIS, 1985).

Portanto, como forma de compensar as suas deficiências de GE frente à ameaça do Exocet, a Marinha Britânica providenciou grandes quantidades de chaff, para que fossem usados durante os ataques aéreos (ARCANGELIS, 1985).

No dia 25 de maio, dois Super Etendard, armados com dois mísseis Exocet, efetuaram o ataque a um grande alvo, mas, assim que os aviões subiram, foram detectados pela frota inglesa, que efetuou grande quantidade de lançamentos de chaff , mostrando-se efetivos em confundir e desviar os mísseis. 

Entretanto, um dos mísseis atingiu e afundou o Atlantic Conveyor, um navio mercante, que não tinha nenhum sistema de autodefesa eletrônico. O último Exocet da Armada Argentina foi empregado no dia 30 de maio, mas nenhum navio foi acertado, pois novamente a frota se protegeu com o uso de chaff.  (ARCANGELIS, 1985).

Em 11 de junho, uma peça de artilharia costeira efetuou o lançamento de um Exocet através de dados de posição fornecidos pelo radar de superfície AN/TPS-43, localizado nas Malvinas. O míssil atingiu o HMS Glamorgan (ARCANGELIS, 1985).

Portanto, dos seis Exocet disparados, três atingiram o alvo, o que resulta em 50% de acerto. Mesmo após identificarem as ameaças e utilizarem as contramedidas eletrônicas disponíveis, os mísseis continuaram acertando o alvo. Segundo Arcangelis (1985), como a Marinha Britânica tinha esses mísseis no seu acervo, eles já tinham o conhecimento prévio das características do radar do míssil. Além disso, como o presidente francês possibilitou o treinamento dos ingleses com os aviões Mirage III e Super Etendard franceses, provavelmente os ingleses também já conheciam as características do radar Agave (MORO, 2003).

Dessa forma, o conhecimento prévio das características dos radares dos mísseis anti-navio (Exocet) não propiciou contramedidas eletrônicas eficazes pela frota inglesa, o que pode ter aumentado a efetividade dos mísseis e, conseqüentemente, aumentado a capacidade de destruição dos argentinos, que anula a terceira hipótese proposta.



A UTILIZAÇÃO DO MÍSSIL ANTI-RADIAÇÃO (MAR)

A Argentina montou um sistema de alarme antecipado nas Ilhas Malvinas, o qual era composto pelos radares AN/TPS-43F e pelo AN/TPS-44, aquele era tridimensional, utilizado para vigilância de longo alcance, enquanto esse era empregado para vigilância tática (UDEMI, 1989).

Para defender a Ilha de ataques aéreos, a Argentina deslocou vários tipos de sistemas de armas antiaéreas controladas por radar. Entre eles, destacam-se os mísseis Roland, Tigercat e o Blowpipe, bem como alguns sistemas de Artilharia Antiaérea (AAAe), tal como o canhão Oerlinkon de 35 mm, direcionado pelo radar Skyguard (UDEMI, 1989).

Também foram empregados os canhões Rheinmetall de 20 mm, que eram controlados pelo radar ELTA (NORDEEN, 2002).

Como os ingleses haviam abandonado a utilização do Alarme Aéreo Antecipado (AEW) em 1978, tiveram que utilizar os Sea Harrier para voar missões de defesa de frota, algo para o qual não haviam sido projetados, tentando compensar a falta de um AEW para a força tarefa inglesa (HEWSON, 2001).



Para os ingleses defenderem a frota era necessário que ficassem a uma determinada distância dos navios, realizando uma Patrulha Aérea de Combate (PAC). Entretanto, para que não fossem detectados pelos radares da ilha, deveriam ficar restritos a níveis de vôo mais baixos, reduzindo o tempo de permanência na PAC.

Mesmo assim, os argentinos ainda conseguiam detectar as rotas de recolhimento das PAC e, como normalmente convergiam para um determinado
ponto, era possível estimar a localização dos porta-aviões (GREEN, 2005).

Com o intuito de destruir os radares de vigilância argentinos, foram utilizados os Vulcan, bombardeiros de longo alcance, equipados para realizarem a missão de Supressão de Defesa Aérea Inimiga (SDAI) com o AGM-45 Shrike, um Míssil Anti-Radiação (ARCANGELIS, 1985).

A primeira missão realizada foi a Black Buck 5, ocorrida no dia 31 de maio, na qual um Vulcan, carregado com dois mísseis Shrike, se aproximou a baixa altura, subiu, entretanto, a 16.000 ft, para se encaixar nos parâmetros de ataque. Ao ingressar na área de detecção dos radares, dois diretores de tiro acoplaram a aeronave, embora estivesse fora do alcance do armamento. 

Após a identificação do alvo, os dois mísseis foram lançados, mas o controlador argentino foi mais rápido e desligou o radar antes que ele fosse atingido, não houve dano (ETHELL, 1983). 

O procedimento do operador radar pode ter sido correto, pois uma estratégia que pode ser utilizada pelo radar quando ele for alvejado por um MAR é parar com a emissão de ondas eletromagnéticas, de maneira que o míssil perca a informação de guiamento (SCHLEHER, 1999).

O princípio da SDAI é que o inimigo se sentirá inibido de usar integralmente os seus sistemas de detecção, pela presença de uma arma que seja capaz de destruir as fontes de radiação (SCHLEHER, 1999). Naquele dia, após o ataque, houve pouca atividade aérea argentina durante o dia (ETHELL, 1983).

A segunda e última missão realizada foi a Black Buck 6, efetuada no dia 03 de junho. Desta vez, a aeronave estava armada com quatro mísseis. Os argentinos já sabiam o que deveriam esperar de uma aeronave que se comportasse daquela maneira, portanto, toda vez que o Vulcan se aproximava de Puerto Stanley, os radares eram desligados. Na última tentativa, o Vulcan desceu para 10.000ft, de forma a incitar os argentinos a ligarem os radares.

De repente, um radar foi ligado, e fez com que a tripulação efetuasse o disparo de dois mísseis. Apenas um radar Skyguard foi danificado (ETHELL,1983).

Portanto, dos quatro mísseis utilizados, apenas um conseguiu lograr êxito ao atingir o Skyguard, mas o objetivo principal da missão, que era destruir os dois radares de vigilância, não foi atingido, ou seja, o AN/TPS-43F e o AN/TPS-44 permaneceram em funcionamento até o final da guerra (UDEMI, 1989).

Dessa forma, o emprego de MAR contra os radares argentinos pode ter restringido, instantaneamente, o alarme antecipado nas Ilhas Malvinas, mas provavelmente pode não ter aumentando a suscetibilidade das aeronaves, pois como voavam essencialmente no período diurno, não ficavam sem o apoio da cobertura radar, havendo indícios de que a quarta hipótese foi refutada.



A GE DAS MALVINAS E A FAB EM 2006

Estabelecendo um paralelo entre os recursos de GE utilizados pelas aeronaves inglesas e argentinas durante a Guerra das Malvinas e os da FAB em 2006, pode-se extrair as lições apreendidas durante o conflito e aplicá-las dentro do contexto atual, com vistas ao domínio do espectro eletromagnético.

Com base na Tabela 1, pode-se observar que a capacidade ofensiva das aeronaves de combate inglesas baseou-se no domínio da faixa do infravermelho, através da utilização de um míssil de 3ª geração, que explorava melhor essa faixa do espectro eletromagnético.

Apesar de os ingleses não utilizarem mísseis radar semi-ativos na faixa de microondas, não permitiam que os argentinos a dominassem, pois possuíam meios de detecção, através do RWR, e de contramedidas, por meio de lançamento de chaff, negando aos argentinos a exploração efetiva dessa outra faixa do espectro eletromagnético, conforme visto anteriormente.

Outro aspecto a ser observado foi a preparação inicial dos pilotos ingleses, pois realizaram treinamento de combate dissimilar com os pilotos franceses de Mirage III e Super Etendard (MORO, 2003).

De acordo com Santos (2004), os mísseis infravermelhos são, estatisticamente, as armas mais efetivas usadas contra aeronaves.

Os mísseis infravermelhos já estão na 5ª geração, como é o caso do Python 5 e do AIM-9X. As inovações incorporadas por esses mísseis são resultantes de vários fatores, tais como os novos tipos de detectores infravermelhos, que, arranjados em forma de matriz, conseguem montar uma imagem infravermelha do alvo, sendo capazes de rejeitar flares convencionais (SANTOS, 2004).



Observando a Tabela 4, que enumera quantitativamente os armamentos ar-ar das principais aeronaves de caça da FAB, e para os ensinamentos obtidos da Guerra das Malvinas, pode-se extrair as principais vantagens e deficiências da exploração do espectro eletromagnético por parte dos armamentos utilizados pela Força Aérea Brasileira.

Entre as principais deficiências encontradas, cita-se a ausência de mísseis ar-ar nas aeronaves A-1, não explorando a faixa do infravermelho para obter um maior alcance do poder de fogo, uma vez que só dispõem de canhões de 30 mm. As mesmas considerações podem ser feitas para as demais aeronaves de caça sem míssil ar-ar.

Umas das vantagens encontradas pode ser a utilização de mísseis infravermelhos de 4ª geração, pois assim como os de 5ª, também possuem a
capacidade de rejeitar o flare convencional, negando o uso da contramedida ao inimigo (SANTOS, 2004). 

Outra vantagem pode ser o emprego do míssil Beyond Visual Range (BVR), ou seja, um míssil que é lançado além do alcance visual do alvo, aumentando o alcance do poder de fogo amigo, através da exploração da faixa das microondas.

Com relação à capacidade defensiva das aeronaves de combate, vê-se, a partir da Tabela 2, que a inexistência de sistemas de detecção e contramedidas eletrônicas pode ter contribuído para a diminuição da sobrevivência delas durante as missões de ataque à frota da Marinha Britânica, já que essa, conforme visto anteriormente, chegou a abater 18,49% das aeronaves de combate.

Analisando os equipamentos de GE existentes em algumas aeronaves da FAB, conforme a Tabela 5, percebe-se que ainda existem muitas delas sem nenhuma capacidade de contramedidas eletrônicas, como por exemplo, o R-99A/B, o F-5E/F, o A-29 e o Xavante. 

Observa-se ainda a deficiência quanto à existência de bloqueadores e despistadores, o que aumenta a suscetibilidade dessas aeronaves. Segundo Green (2005), se os argentinos tivessem a capacidade de bloquear os radares inimigos, poderiam ter tido maiores taxas de sobrevivência durante os ataques. Além disso, a falta de treinamento dos pilotos argentinos para manusearem o chaff e o flare fez com que eles não os utilizassem corretamente. Portanto, a FAB precisa treinar os seus recursos humanos disponíveis.

A Força Tarefa Britânica não tinha, nos seus navios, uma aeronave AEW, com capacidade de operar embarcada, deixando as aeronaves que voassem a baixa altura fora do alcance dos seus radares (UDEMI, 1989).

Tiram-se, daí, dois ensinamentos. O primeiro é a necessidade de se ter uma aeronave AEW para prover o alarme antecipado. No caso da FAB, já se utiliza o R-99A. O segundo é que o vôo a baixa altura contra uma força sem capacidade AEW pode ser eficiente, na medida em que a aeronave incursora fica fora da cobertura radar do inimigo.

Segundo Ethell (1983), nenhuma aeronave Super Etendard foi abatida durante o conflito. Analisando o emprego dessa aeronave, em conjunto com o Exocet, percebe-se que a associação da tática de penetração a baixa altura, com um míssil que pudesse ser lançado fora do alcance dos Sea Dart, pode ter contribuído para esse resultado.

Apesar de os navios britânicos ainda conseguirem detectar as emissões das aeronaves argentinas no momento em que essas subiam para acoplar seus radares neles, nada poderia ser feito, pois nenhum armamento teria alcance para atingi-las, uma vez que, após efetuarem o lançamento do míssil, retornavam para as suas bases.

Talvez o maior aprendizado dessas missões para a FAB seja a adoção de armamentos com capacidade de lançamento fora do alcance inimigo, ou seja, capacidade stand-off, principalmente contra ameaças navais.

Apesar de o emprego do MAR pelos ingleses não ter impedido o uso constante dos radares, nem ter destruído o sistema de vigilância argentino na ilha (talvez pela pequena quantidade de missões), constata-se que durante o período da ameaça não houve utilização dos radares.

Finalmente, quanto ao emprego do MAR pela FAB, pode-se dizer que só a ameaça da sua utilização pode negar o uso parcial do espectro eletromagnético pelo inimigo, ou, caso seja utilizado, destruir definitivamente o radar. Por outro lado, deve-se dar mais atenção à formação e ao treinamento do operador radar, na medida em que é fundamental para reconhecer a ameaça e como combatê-la, visando ao emprego eficiente de todos os recursos de GE disponíveis.

CONCLUSÃO

Procurou-se medir, neste artigo, como a influência dos recursos de GE, utilizados durante a Guerra das Malvinas, contribuiu para o resultado do conflito, realizou uma pesquisa explicativa, baseada na técnica de coleta de dados secundários.

Foi feita uma análise estatística dos resultados e a identificação dos princípios de GE envolvidos. Além desses procedimentos, utilizou-se o instrumento metodológico do estudo de caso para estabelecer um paralelo entre os recursos de GE utilizados nas Malvinas e os atuais recursos da FAB.

Dessa forma, pode-se constatar que a utilização do míssil ar-ar infravermelho, de 3ª geração, pelas aeronaves inglesas, permitiu maior exploração do espectro eletromagnético na faixa do infravermelho, resultando num grande número de aeronaves abatidas e, conseqüentemente, na diminuição da capacidade de combate dos argentinos, dando indício de que a primeira hipótese foi corroborada. 

Analisando os equipamentos de autodefesa utilizados nas aeronaves argentinas, por possuírem diminuta capacidade de perceber e de se contrapor aos diversos armamentos enfrentados durante as missões de ataque aos navios ingleses, pode-se inferir que tenham sido responsáveis pelo grande número de aeronaves abatidas e, conseqüentemente, tenham contribuído para a diminuição da capacidade de combate, o que corrobora a segunda hipótese.

Também foi constatado que o conhecimento prévio das características dos radares dos mísseis anti-navio (Exocet) não propiciaram contramedidas eletrônicas eficazes pela frota inglesa, o que pode ter aumentado a efetividade dos mísseis e, conseqüentemente, aumentado a capacidade de destruição dos argentinos, refuta-se, assim, a terceira hipótese proposta.

Além dessa, o emprego de MAR contra os radares argentinos pode ter restringido, instantaneamente, o alarme antecipado nas Ilhas Malvinas, mas, provavelmente, pode não ter aumentado a vulnerabilidade das aeronaves, pois como voavam essencialmente no período diurno, não ficavam sem o apoio da cobertura radar, oferecendo indícios que refutam a quarta hipótese.

Os fatos verificados estão diretamente relacionados com o referencial teórico adotado, na medida em que foi constatado, em todo o trabalho, o uso das ondas eletromagnéticas para controlar o espectro eletromagnético e atacar o inimigo.

Portanto, baseado nas lições de GE aprendidas com a Guerra das Malvinas/Falklands, foi possível estabelecer parâmetro de comparação com os
atuais recursos de GE existentes na FAB, fornecendo ensinamentos que podem melhorar não só a utilização desses equipamentos e conceitos, mas também a alocação dos recursos financeiros na aquisição de equipamentos essenciais, evidenciando as conquistas alcançadas com esse estudo.