Norte da Africa, 1942
Um deserto
pedregoso, sem água, onde pequenas elevações de rocha nua alternavam com
extensos areais, sob impiedoso sol africano - esse era o terreno da frente de Alamein em 1942.
Aí estavam, frente a frente, duas lendas: Rommel, "a Raposa
do Deserto" e o Gen Sir Bernard Montgomery, talvez o general inglês de maior
prestígio na II GM.
A
guerra no norte da África iniciou-se com a declaração de guerra da Itália
fascista contra a Grã-Bretanha e França, em junho de 1940.
A
Itália declarou a guerra despreparada para a luta, tanto em termos de recursos
para a guerra quanto em termos de vontade nacional.
O governo fascista e as
Forças Armadas estavam cientes disto, mas Mussolini acreditava que em poucos
meses seu aliado, Hitler, teria facilmente derrotado a Inglaterra e a França,
como tinha feito com a Polônia.
Assim, aproveitou a oportunidade para juntar-se à guerra a tempo de obter para
si o máximo de resultados com o mínimo de esforços.
Ele não considerou a
capacidade férrea de resistência de seus inimigos.
O
primeiro embate entre italianos e ingleses deu-se na fronteira entre a Líbia
(então colônia italiana) e o Egito (sob protetorado inglês). O Exército
italiano, liderado pelo Marechal Graziani, após uma invasão inicial bem
sucedida do Egito, foi duramente batido pelos ingleses, que conquistaram a
Cirenaica, impondo-lhe pesadas perdas.
A
situação italiana tornou-se crítica, fazendo com que a Alemanha enviasse uma
Força Expedicionária, denominada por Hitler "Afrika Korps", equipada com o
mais moderno armamento disponível, a fim de reforçar as forças italianas.
O
Afrika Korps chegou em fevereiro de 41, comandado pelo Gen Erwin Rommel, mais
tarde chamado de "Raposa do Deserto" pelo seu extraordinário gênio tático.
Em
março, as forças do Eixo retomavam a ofensiva para a reconquista da Cirenaica.
Bengazi foi capturada em abril e Tobruk, cercada em seguida.
Os
britânicos, sob o comando do Gen Auchinleck, retiraram-se me direção ao Egito,
enquanto a guarnição de Tobruk resistia.
Em
novembro, a ofensiva trocou de lado, com Auchinleck forçando a retirada de
Rommel e retomando a Cirenaica.
A
chegada de um grande comboio marítimo de suprimentos no início de 1942 mais
uma vez mudou a maré da campanha, permitindo a Rommel que retomasse Bengazi e
conquistasse Tobruk. Esta grande ofensiva tinha o propósito de retomar o
território italiano e, mais importante do que isto, permitir às forças do Eixo
a conquista de Cairo e a chegada ao Canal de Suez, dividindo o Império
Britânico no Oriente Médio.
Se tivesse obtido êxito, talvez Hitler houvesse
sido vitorioso.
O
avanço ítalo-germânico chegou a cerca de 100 km de Alexandria, em julho de
1942. Neste ponto há, até hoje, um marco que assinala o ponto extremo oriental
do seu avanço; nele está inscrito:
" Mancò la fortuna, non il valore." (Faltou-nos a
sorte, não o valor)
As
extensas linhas de suprimento e a exaustão e desgaste impostos às tropas
alemãs forçaram-lhes que parassem. A linha, então, estabilizou-se na região de
El Alamein. Ambos os contendores estabeleceram posições defensivas frente a
frente, desde o Mediterrâneo até a Depressão de Qatara, situada a cerca de 40
milhas para o interior, a única posição no deserto ocidental que não podia ser
flanqueada.
Neste ponto,
Hitler e Mussolini cometeram um grande erro: decidiram avançar em direção
leste, ao invés de tomarem a ilha de Malta. Assim, o Afrika Korps não podia
ser convenientemente suprido em função dos ataques das aeronaves britânicas
baseadas naquela ilha, cortando suas principais rotas navais da Itália para a
África. Preparativos chegaram a ser feitos no sentido de tomar a ilha através
de um assalto aeroterrestre, mas os dois ditadores preferiram adiar o ataque
em função do prosseguimento da "corrida para as pirâmides".
Em
25 de agosto, Rommel atacou o flanco sul das posições em Alam el Halfa com 10
divisões, das quais 4 blindadas (2 alemães e 2 italianas). Montgomery,
substituto de Auchinleck, possuía, então, sete divisões, das quais duas eram
blindadas.
A luta foi intensa, mas os britânicos conseguiram manter suas
posições. No entardecer de 2 de setembro, ante a deficiência de combustível
para o prosseguimento, Rommel iniciou a retirada de suas forças, voltando à
linha original, após sofrer pesadas baixas. Monty não o persegue, preferindo
reorganizar suas forças e melhorar seus desempenhos através de treinamento
tático. Foi a última vez que a Raposa do Deserto teve a iniciativa das ações.
Estes combates diminuíram seriamente o poder de combate dos alemães. Enquanto
os britânicos recebiam constantes reforços, os ítalo-germânicos não conseguiam
repor as pesadas perdas sofridas desde o avanço desde Trípoli até El Alamein.
As forças do Eixo eram formadas de veteranos experientes, mas os rigores do
deserto faziam-se sentir.
Em
20 de outubro, tudo estava pronto para a batalha de El Alamein. Desta vez,
Montgomery possuía o equivalente a 11 divisões (das quais, três blindadas).
Rommel tinha 13 divisões (4 blindadas), das quais quatro eram alemães. Estes
números podem confundir, no entanto: as divisões britânicas estavam completas
(cerca de 16.000 homens), enquanto as de Rommel tinham em média somente 7.000
homens. Em 23 de outubro, a batalha começou.
A SITUAÇÃO LOGÍSTICA
Enquanto estas ações se sucediam, o fluxo de suprimentos através do
Mediterrâneo destinado aos ítalo-germânicos diminuía para um total de apenas
6.000 toneladas mensais, o que representava somente um quinto das necessidades
normais.
Três quartos dos navios carregados de suprimento eram afundados pela
RAF ou pela Marinha Britânica. O Afrika Korps via-se na impossibilidade de
estocar suprimentos para a futura batalha decisiva.
A
RAF tornara-se em muito mais poderosa do que a aviação alemã no Norte da
África, ante a falta de recompletamentos. Hitler necessitava de todos os
aviões de que podia dispor para enviar para a frente russa.
Malta reconquistara sua importância como base da qual partiam os ataques
contra os comboios entre a Itália e o Norte da África, pois a maioria dos
comboios partia da Sicília rumo a Bengazi, principal porto de desembarque para
as forças do Eixo.
Esta rota passava a distância muito favorável aos ataques
aéreos partidos da ilha.
Para
agravar esta situação, os britânicos passaram a dispor do sistema Ultra, capaz
de decriptografar as mensagens do Eixo, obtendo, assim, valiosos dados
referentes aos seus comboios navais de suprimento.
Rommel não tinha pendores para a logística: esta não estava entre as suas
primeiras preocupações. Em conseqüência, deixou de considerar importantes
aspectos no seu planejamento, como a exiguidade das capacidades dos portos que
lhes serviam e da rede de estradas para o front.
O
porto de Tobruk era muito reduzido. Disto resultavam os infindos comboios de
viaturas de suprimento entre os portos e a posição de El Alamein,
constantemente ameaçados pela RAF.
Estes comboios rodoviários não só consumiam
grande quantidade de combustível, como também requeriam excessivo número de
viaturas. As distâncias por rodovia até a linha de frente eram de 330 milhas
de Tobruk, 600 milhas de Benghasi e 1200 milhas de Trípoli. Em oposição, as
linhas de suprimento dos britânicos não mediam mais de 55 milhas de Alexandria
e pouco mais de 200 milhas de Suez.
Qualquer apreciação estratégica sensata da situação em agosto de 1942
conduziria à compreensão de que não haveria melhora na frente africana
enquanto a base aeronaval de Malta não fosse neutralizada.
E Hitler opunha-se
veementemente a qualquer operação contra a ilha, em especial por não confiar
no apoio naval que receberia dos italianos. As tropas pára-quedistas previstas
para a operação foram desviadas para serem empregadas como infantaria em El
Alamein.
Estas considerações faziam levantar a seguinte questão: a despeito do valor da
posição de Alamein, com seus flancos perfeitamente seguros, não teria sido
oportuna uma retirada, encurtando as linhas de suprimento de Rommel? Esta era
a opinião do general, mas Hitler, de olhos fixos no Canal de Suez, opunha-se a
qualquer idéia de retirada.
A
crise logística era prevista por Rommel que, doente, passa temporariamente o
comando de suas forças. A batalha pelos suprimentos já estava perdida. Os
bombardeios da RAF hostilizavam dia e noite, as posições defensivas e vias de
transporte alemães.
Por outro lado, os primeiros carros de combate Sherman, de
procedência norte-americana começavam a chegar para equipar o VIII Exército
Britânico, cuja maciça artilharia e inexaurível estoque de munições haviam
aumentado em muito o poder de combate de Montgomery.
A LOGÍSTICA ALEMÃ
A
introdução dos blindados no Exército alemão trouxera junto consigo o
desenvolvimento de uma doutrina logística adaptada às novas forças. Entre
estes novos princípios, destacam-se:
- o fato das divisões blindadas transportarem consigo combustível suficiente para 150-200 km de marcha, complementado, se necessário, pelo suprimento pelo ar para a vanguarda, feito por meio de camburões lançados de pára-quedas.
- o transporte de rações para três dias, respectivamente, nos carros de combate, nos trens de cozinha e no comboio de suprimento divisionário.
- oficinas móveis, que eram mantidas centralizadas à retaguarda das divisões. Isto representou um problema, já que impedia - ou, no mínimo, dificultava -
- o apoio cerrado, fazendo com que comandantes táticos muitas vezes tivessem de prosseguir em combate com uma redução de poder de combate em virtude os carros deixados para trás.
Nenhum soldado alemão que tenha servido na África do Norte poderá jamais se
esquecer da dieta padrão provida pelo exército - queijo em tubos, sardinhas
enlatadas, salsichas, pão e legumes desidratados. Alimentos capturados
constituíam-se em verdadeiro luxo.
A água era purificada com o uso de tabletes
químicos, que deixavam forte gosto. Era prática comum o fornecimento de
vitaminas aos soldados, fato reforçado pela crença de Hitler no poder destas.
Um
dos mais sérios problemas sofrido pelos alemães foi a ação da poeira, bastante
abrasiva, sobre o material bélico. Muitas vezes, era necessário limpar-se a
munição antes de introduzi-la nos canhões.
Muitos motoristas dos caminhões de transporte de suprimentos dirigiram mais de
100.000 km durante a campanha. Sua tarefa principal era assegurar o transporte
de munições, combustível e rações para linha de frente, trazendo de volta
sobras não empregadas de munições. Estes motoristas sofreram pesadas baixas
devido ao intenso bombardeio sofrido. Quase tudo tinha que ser transportado
para a frente, incluindo água potável e lenha para as cozinhas móveis alemãs.
O tráfego pesado ao longo de trilhas no deserto transformou-as em "rodovias de
pó" de até 60 cm de profundidade.
Cada
divisão possuía sua coluna de transporte e suprimento, responsável pelo
transporte desde os depósitos de retaguarda até a linha de frente. Unidades de
suprimento de retaguarda ligavam os portos de desembarque a esses depósitos.
As unidades
médicas divisionárias desdobravam hospitais de campanha, postos de triagem,
seções de ambulância e depósitos de medicamentos. Em um segundo nível estavam
os hospitais de retaguarda.
Quando a linha de frente estava em El Alamein,
tornava-se ,às vezes, mais fácil evacuar os feridos mais graves diretamente
para hospitais em Atenas, na Grécia ocupada. A evacuação aeromédica dos
feridos de tórax, cabeça e abdômen era largamente utilizada, empregando-se
aviões de transporte Ju52.
Em
El Alamein as condições de vida eram tão insalubres que a maioria dos
evacuados nos meses que antecederam a batalha tratava-se de doentes e, não de
feridos.
A SUPERIORIDADE DO MATERIAL ALEMÃO
O
fato de Rommel possuir material bélico muito mais avançado do que o do VIII
Exército permitiu que a campanha durasse bem mais do que se poderia prever,
pelo menos enquanto as quantidades eram equivalentes entre os contendores.
Por
exemplo, quando os britânicos lançaram a operação Crusader, em novembro de
1941, o VII exército era quantitativamente superior aos seus oponentes
(118.000 contra 113.000 homens; 680 contra 390 tanques; 1000 contra 320
aeronaves). O que estes números não mostram é que um tanque britânico não
equivalia a um Panzer, enquanto a aparente superioridade aérea era diminuída
pela qualidade das tripulações britânicas.
Somente por ocasião da Batalha de El Alamein os aliados possuíam material
bélico em quantidade suficiente para equilibrar a vantagem técnica alemã.
Duas
armas em especial ocasionavam esta superioridade do Afrika Korps: os tanques
panzer empregados nas 15ª e 21ª Divisão e os canhões anticarro.
Assim, no
início da campanha, estas armas trouxeram um razoável aumento ao poder de
combate alemão quando comparados aos britânicos, equipados com tanques Matilda
e Grant.
A inteligência
britânica demorou a entender o peso desta diferença, até que os primeiros
carros capturados foram enviados para testes na Inglaterra.
Tornou-se, então,
aparente que a blindagem frontal dos carros tornava-os quase invulneráveis aos
tiros dos canhões anticarro ingleses.
O
canhão 88 antiaéreo alemão foi muitas vezes empregado como arma anticarro, com
efeitos devastadores.
A 2000 jardas, seus tiros penetravam a blindagem de
qualquer carro britânico, o que os tornava uma arma extremamente letal.
Rommel não
recebeu um número suficiente destas armas a ponto de reverter o curso dos
acontecimentos, mas seu emprego, com certeza prolongou a duração da campanha.
Esta
superioridade germânica ainda se fazia sentir no combate de Alam el Halfa. Em
El Alamein, no entanto, o VIII Exército começava a receber os carros de
combate Sherman, de tecnologia superior, além de maior quantidade de itens
completos de todas as classes.
A
BATALHA SEM ESPERANÇA
Na
noite de 23Out42, às 21:40 h, sob brilhante luar, a artilharia de Montgomery
iniciou o bombardeio. O efeito foi devastador. A posição de Alamein tornou-se
um inferno de arrebentamentos, fumaça e poeira. Às 22:00 h, as divisões de
assalto do 13º e 30º Corpos iniciaram o ataque, abrindo corredores por onde a
infantaria penetrava ao longo de toda a frente.
Ferozes combates desenrolaram-se durante toda a noite. A falta de munição
impediu que os alemães bombardeassem as posições de ataque britânicas no
início do combate, poupando-lhes muitas baixas. A resistência ítalo-germânica
foi tenaz, mas ao alvorecer as tropas de Montgomery haviam, na maioria dos
casos, conquistado seus respectivos objetivos.
Dois corredores tinham sido
abertos nos campos de minas e armamentos pesados britânicos estavam sendo
carregados para a frente. As 1ª e 10ª divisões blindadas, com 700 carros,
começaram a mover-se ao longo dos corredores. Logo em seguida, porém, foram
detidas por eficientes fogos anticarro. Assim, o resultado inicial da operação
foi que o VIII Exército havia conseguido romper a posição do Eixo, mantinha as
brechas obtidas, porém os blindados não conseguiram aproveitar o êxito e
atacar a retaguarda inimiga.
Durante o desenrolar da grande batalha, Hitler telefonou para o sanatório onde
se encontrava Rommel, perguntando-lhe se tinha condições de reassumir o seu
comando, no que foi prontamente atendido.
A
batalha foi encarniçada. Cada palmo do terreno era disputado. A falta de
munições e combustível, contudo, impedia maiores êxitos de Rommel.
A situação
logística era desesperadora para os alemães em 26 de outubro. O único
navio-tanque que poderia ter trazido algum alívio para os problemas de
combustível foi bombardeado e afundado ao largo de Tobruk. Urgia que os
blindados fossem concentrados, mas não havia combustível para tal. Assim, não
lhes restava outra escolha senão o emprego parcelado dos carros contra as
colunas britânicas.
"Perderemos esta batalha, a não ser que a nossa situação
logística seja imediatamente remediada", informou Rommel ao Quartel-General do
Supremo Comando da Wehrmacht nessa noite.
Os
alemães esboçaram alguns contra-ataques com blindados, mas a falta de
combustível limitava em muito seus movimentos. As forças blindadas estavam
ficando imobilizadas no campo de batalha, o que permitiu a Montgomery batê-las
parceladamente.
Em
28 de outubro, todos os cruzadores e contratorpedeiros foram mobilizados para
transportarem combustível para a África. No entanto, este suprimento foi
desembarcado no porto de Bengazi, a vários dias de distância da frente.
Em
29, Rommel, ante a total superioridade britânica, decide solicitar a Hitler
permissão para retrair para uma posição mais à retaguarda, no Passo de Fuka,
evacuando todas as forças que conseguisse. Para tal, determina que sejam
reconhecidas as novas posições mais à retaguarda.
Montgomery alternava seus
esforços com objetivo de romper o dispositivo inimigo ora para o Norte, ora
para o Sul. Rommel contra-atacava com os meios que possuía, cada vez mais
debilitados. Travava-se uma batalha de blindados das mais violentas da
história.
Em
03 de novembro, finalmente, Hitler responde a Rommel, determinando que
permanecesse na posição aguardando reforços e suprimentos a serem entregues
pelos italianos. "Não podereis indicar às vossas tropas outro caminho senão o
de vencer ou morrer." Neste dia, lê-se no diário de Rommel:
"O
que necessitávamos eram caminhões, gasolina, aviões; o que não precisávamos
eram ordens para defendermo-nos a todo custo"
As
ordens para o retraimento que já estavam em execução foram canceladas.
Era o
que faltava para a destruição final do "Afrika Korps".
Em
05 de novembro, Rommel, decidindo desobedecer às ordens de Hitler, decide
retrair com o que fosse possível. Mas estas horas de retardo custaram-lhe toda
a sua infantaria, bem como grande quantidade de blindados e caminhões. Esta
perda representaram a incapacidade de deter o avanço de Montgomery para a
Cirenaica, província que havia mudado de mãos quatro vezes em dois anos.
Em
08 de novembro, a Força Expedicionária Norte-Americana, sob o comando do Gen
Eisenhower, desembarcava no Marrocos e na Argélia, tendo como objetivo a
Tunísia. A Operação Torch colocava, então, Rommel entre dois fogos. Era o
chegado o fim do "Afrika Korps".
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