Hugo Alvarenga
Esta operação foi dramatizada no filme "Black Hawk Down", que embora não sendo 100% fidedigno aos fatos, está bem próximo deles e serve perfeitamente para ilustrar este episódio. A maioria das imagens aqui exibidas são fotografias deste filme.
A localização geográfica da Somália entre o continente
Africano e o continente Asiático, dominando geograficamente o acesso ao Mar
Vermelho e a sua proximidade com os campos petrolíferos da Arábia Saudita, faz
com que esta região seja desde o tempo da Civilização Egípcia uma zona do globo
com valor estratégico. Embora o povo de etnia Somali estenda o seu domínio
territorial por grande parte do “chife da África”, não o faz de uma forma
politicamente organizada, pois os diferentes clãs étnicos encontram-se
divididos pelo território, atendendo às diferentes atividades econômicas que
desenvolvem. A população de etnia Somali ronda os 5 a 6 milhões de pessoas,
sendo certo que aproximadamente 3,5 milhões vivem na República da Somália, 2
milhões na República da Etiópia, 240 mil na região norte do Quénia e 200 mil na
República do Djibuti .
Os confrontos entre os diversos clãs são inúmeros ao longo
da história, como a Guerra de Ogaden que envolveu a Somália e a Etiópia
(1977-1978), e na qual a Etiópia, com o apoio do Bloco Soviético, se sagrou
vencedora, tendo conquistado os territórios por si pretendidos. Ora, como
consequência desta derrota militar, o poder instituído na Somália, uma ditadura
militar então liderada pelo General Siyaad Barre, torna-se alvo de contestação.
Em consequência, procurando controlar as inúmeras tentativas de golpes de
estado, o General Siyaad Barre concentra o seu poder militar na cidade de
Mogadíscio. Assim, e uma vez que o governo não permitia que o povo ou mesmo os
representantes dos diferentes clãs exprimissem as suas opiniões, estes
começaram a organizar-se em grupos armados, entre os quais se conta, a Frente
de Salvação Nacional (SSF), que por diversas vezes entrou em disputas
territoriais com as forças governamentais. Razão pela qual, na tentativa de
fragilizar os seus adversários, o governo promoveu um conjunto de políticas
instigadoras aos conflitos entre os diversos clãs. Pelo que, inevitavelmente,
durante a década de 80 do século XX, todos os clãs guerrearam entre si.
Neste escopo, o governo optou por colocar em segundo plano a
tarefa de manutenção da ordem, passando, em consequência, a dar primazia à
preocupação de manutenção do poder. Assim, em 1989, após duas décadas de
políticas opressivas encetadas pelo regime, cada vez mais regiões da Somália
começaram a sair do seu controle, atingindo um ponto sem retorno no momento em
que o controle passou a incidir apenas sobre a cidade de Mogadíscio. Desta
forma, procurando garantir a sua própria segurança, o General Siyaad Barre
nomeou o seu filho General Maslah Mahamed Siyaad, chefe de segurança de
Mogadíscio e o seu genro General Mahamed Said Morgan, Ministro da Defesa. Ora,
esta troca de nomes na chefia do regime em nada fez alterar as políticas por
este praticadas, e se mantiveram os atos de violência contra a população civil.
Num ato de pilhagem no distrito de Wardhigley, membros da guarda pessoal do
General Siyaad Barre pilharam uma loja, e elementos do clã de Hawiye, que eram
os principais apoiantes do United Somali Congress (USC), iniciam um levante popular,
o qual se tornou impossível de controlar por parte das forças do regime. Tal
situação obrigou o General Barre a abandonar o poder e a fugir para a região
Gedo, no sul da Somália.
No dia 27 de Janeiro de 1991, as forças do USC, que já dominavam os arredores da capital, passam, por sua vez também, a controlar Mogadíscio. No calor da revolta popular e sem qualquer tipo de consulta à população ou a outra facção política, em 29 de Janeiro de 1991 a USC determina que o próximo presidente da Somália seria Ali Mahadi Mahamed. Sucede que, esta nomeação não foi bem aceita por outros membros da USC, nomeadamente pelo General Mahamed Farah Aidid, o que originou uma guerra de clãs e, consequentemente, determinou uma divisão de Mogadíscio e a divisão do USC em 2 partidos: o que apoiava o General Aidid denominado Aliança Nacional da Somália (ANS) e o que apoiava Mahamed. Originando uma guerra civil, onde se estima que tenha causado cerca de 14 mil baixas fatais e o dobro ou o triplo de feridos, entre civis e forças combatentes e quase a total destruição da cidade de Mogadíscio.
Assim, perante este cenário, durante as Conferências de
Djibut patrocinadas pela ONU, foi tentada uma saída política. Contudo, apesar
das recomendações da mesma resultarem do consenso de 7 dos 11 grupos que se
opunham na Somália, a verdade é que a capacidade para se implementar tal acordo
revelou-se, simplesmente inexistente, tendo continuado a existir conflitos na
capital, bem como em todo o país. Gera-se, deste modo, uma verdadeira situação
de anarquia e em consequência, de fome generalizada.
Ora o fato do país se encontrar sujeito ao controle de diversos clãs dificultava sobremaneira a tarefa de garantir a segurança dos elementos das Organizações não Governamentais (ONG) e da ONU que tentavam minimizar a crise humanitária que alastrava por todo o território. De fato, os poucos elementos destas organizações que se encontravam no país tinham, inclusive, que pagar para garantir a sua segurança, bem como a segurança das colunas de viaturas que transportavam mantimentos. Ainda assim, devido ao elevado grau de insegurança existente, mesmo efetuando os referidos pagamentos, não era seguro que os alimentos chegassem ao seu destino. No início do ano de 1992, já mais de meio milhão de Somalis tinham morrido de fome. Nesta altura a comunidade internacional começou a perceber a crise humanitária que tinha em mãos. No entanto, neste momento já muitos países ocidentais tinham fechado as suas embaixadas em Mogadíscio, situação que levou a que os EUA não estivessem corretamente informados em relação à situação da Somália.
Não obstante, a comunicação social que já desde 1991 chamava
a atenção para a crise no “Chifre da África”, em meados de 1992, começam a
colocar este assunto em foco. Esta atenção dos agentes de comunicação social
revelou-se fundamental para que a comunidade internacional se
consciencializasse do problema em causa e decidisse agir e, assim, aumentar a
ajuda humanitária na Somália. Nesta sequência, o Secretário-Geral da ONU,
Boutros-Ghali, depois de ter exposto à Assembleia das Nações Unidas a crise que
estava a devastar aquela parte do planeta, tentou obter a aprovação pelo
Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (CSONU) de uma resolução
que aprovou a intervenção da ONU na Somália, tendo sido aprovada por
unanimidade a resolução 733 que visava o aumento da ajuda humanitária àquele
país.
Em Abril de 1992 o CSONU aprova a resolução nº 751 que
autoriza uma missão da ONU na Somália (UNOSOM) com um efetivo de 50 elementos.
Esta missão de carácter humanitário visava a distribuição de alimentos, porém
os meios empregados nesta missão simplesmente não estavam corretamente
dimensionados para a crise que se propunham resolver.
De igual modo, e apesar de em Março do mesmo ano a ONU ter
conseguido que 2 dos principais clãs que combatiam pelo controle de Mogadíscio
assinassem um acordo de paz, o certo é que mesmo assim os membros das Nações
Unidas que se encontravam no terreno não conseguiam fazer chegar os alimentos
às populações necessitadas. Nesta altura a própria comida que era distribuída
como ajuda humanitária passou a ser utilizada como uma arma e como elemento de
extorsão, com os clãs a exigirem pagamentos para garantir a sua distribuição.
Em Agosto de 1992 o Presidente Norte-americano George W.
Bush autoriza voos de apoio humanitário, dando, assim, origem à Operação “Provide
Relife”, que determinou um acréscimo significativo da entrada de alimentos no
país. No entanto, esta operação, à semelhança da UNOSOM, atingia os seus
limites de sucesso uma vez que os bens alimentares desembarcavam dos
respectivos cargueiros. Com efeito, continuava a ser impossível fazer circular
os alimentos no terreno até às populações necessitadas. E mesmo existindo diversos
reforços às forças que constituíam a UNOSOM, a segurança no país não melhorava.
Exemplo desta insegurança é o ataque, a um navio de transporte de mantimentos,
não tendo, este conseguido aportar e, consequentemente, descarregar os bens
vitais que transportava.
No dia 3 de Dezembro é aprovada pelo CSONU a resolução nº
794. No dia seguinte o Presidente dos EUA, durante um discurso à nação, anuncia
o início da Operação “Restore Hope”. Esta operação tinha 2 objetivos bem
definidos, o primeiro dos quais consistia em proporcionar ajuda humanitária,
sendo que o segundo se pautava pelo estabelecimento da ordem e paz no sul da
Somália. Para esse efeito, foi constituída uma aliança internacional (UNITAF),
através da qual os EUA iriam fornecer forças militares e assegurar o comando da
força internacional. Com efeito, a intenção era conseguir uma rápida
estabilização da situação para que depois o comando das operações pudesse
passar para alçada da ONU.
A Operação “Restore Hope” era constituída por 21 países, num
total de 38 mil homens, dos quais 30 mil pertenciam às forças armadas norte-americanas.
Desta forma a UNITAF disponha de uma força suficientemente musculada que
conseguiu garantir a segurança do porto e aeroporto de Mogadíscio. Da mesma
forma, foram feitas inúmeras apreensões de armamento, numa tentativa de
desarmar os clãs, nesta altura a ajuda humanitária começa a chegar às
populações.
Neste panorama, com a melhoria das condições de segurança no
sul da Somália, já era possível fazer uma transição de poderes da UNITAF para o
comando da ONU. De qualquer forma o Secretário – geral da ONU, Boutros-Ghali,
alertou para o fato de que tal transição só devia ser feita quando as partes
responsáveis pela guerra civil e os inúmeros grupos armados tivessem sido desarmados.
Contudo, no dia 26 de Março de 1993, segundo a resolução nº 814 do CSONU, dá-se
início à UNOSOM II. Pela primeira vez uma operação da ONU é baseada no Capítulo
VII da Carta das Nações Unidas. Porém, este mandato visava atingir objetivos
muito maiores, pois além de ter como objetivo garantir um ambiente seguro, este
mandado pretendia ainda que fossem tomadas medidas destinadas à reconstrução
das instituições políticas e econômicas da Somália. O Comando desta força foi
atribuído ao Tenente General Turco Cevik Bir, constituindo, por sua vez, o
Almirante da Marinha Norte-Americana Jonathan How como Representante Especial
do Secretário – geral da ONU. Desta vez os EUA desempenhariam um papel de apoio
logístico, sendo certo que 3.000 homens dos 4.500 que estavam no terreno
desempenhavam este tipo de missão e os restantes 1.150 homens constituíam a
Força de Reação Rápida (FRR) da ONUSOM II. Esta força era constituída por
elementos do 2º Batalhão do 14ª Regimento da 10ª Divisão de Montanha do US Army
e era comandada pelo Major General Thomas M. Montgomery, proveniente do exército
norte-americano.
A operação de imposição de paz que estava sendo levada a
cabo pelas forças internacionais começou a afetar as bases de poder dos clãs.
De fato, estes já não conseguiam confiscar os bens alimentares que seguiam nas
colunas, para mais tarde distribuírem conforme os seus interesses e, por outro
lado, o facto das ONG´s já não terem de pagar para garantir a sua segurança,
eliminava outra fonte de receita para os clãs. Agora existia uma força
internacional capaz de proceder ao desarmamento dos grupos somalis, em
conformidade com o previsto na resolução da ONU que legitimava a sua presença e
atuação.
O partido político/grupo armado ANS, liderado pelo General
Aidid era constituído principalmente por membros do clã Hawive. Este demonstrou
ser o mais hostil perante as forças internacionais. O ANS, além de ter
realizado diversas emboscadas às forças internacionais, utilizava uma
rádio-pirata como forma de difundir propaganda. Nesta rádio por várias vezes
foi incentivada a violência contra as forças internacionais. Por esta razão, o
Tenente General Cevik Bir atribuiu à Brigada Mecanizada Ligeira Paquistanesa a
missão de fechar a rádio e pôr fim às suas transmissões. No dia 5 de Junho de
1993, quando a força paquistanesa se preparava para executar a missão
atribuída, foi emboscada, alegadamente por membros da ANS. A força
internacional sofreu 24 baixas e 50 feridos. No dia seguinte o CSONU aprova a
resolução nº 837, na qual é autorizado o emprego dos meios necessários à
captura dos responsáveis pelo ataque aos militares paquistaneses.
O principal objetivo
das forças da ONU passou a ser a captura do General Aidid e pôr um fim às ações
do ANS. Uma vez que a missão da Força internacional tinha sido alterada, os comandantes
da FRR e da ONUSOM II avaliam a situação e, para garantirem um maior poder de
fogo, pedem a alocação de aeronaves AC-130H Spectre, sendo-lhes, em resposta, destacadas
4 unidades. As forças internacionais cumprem, assim, o seu novo mandato,
terminando com as transmissões rádio, desarmando a ANS, destruindo os seus
postos de comando e armazéns de armamento. Não obstante, apesar das operações
das forças internacionais estarem tendo sucesso, seus objetivos ainda não
tinham sido atingidos. A verdade é que o General Aidid ainda se encontrava no
comando. Assim, por decisão do Almirante Jonathan Howe, foram dispersados pela
cidade de Mogadíscio panfletos oferecendo uma recompensa de 25 mil dólares a
quem entregasse o General Aidid. As operações da força internacional obrigaram
a ANS a se desmobilizar. Perante o sentimento de que a ameaça já não era tão
agressiva e numa tentativa de atingir uma solução política eficaz, o Almirante
Jonathan Howe decide prescindir da 4 aeronaves AC-130H Spectre que tinha ao seu
dispor, reenviando-os para a sua base de origem na Itália. Numa demonstração de
poder, as forças da ANS realizaram ataques com granadas de morteiro, tanto ao
aeroporto de Mogadíscio como ao heliporto da FRR.
Considerando a capacidade militar demonstrada pela ANS nos
últimos ataques e revelando-se incapazes de cumprir o objetivo da sua missão, o
Comandante da FRR e o Representante do Secretário – geral da ONU, solicitam que
lhes seja alocado um batalhão de Operações Especiais. Após ter sido autorizado
o reforço com este tipo de unidade, foi criada a Task Force Ranger (TFR),
constituída por elementos do 1º Destacamento de Operações Especiais Delta,
elementos do 3º Batalhão do 75º Regimento Ranger, apoio aéreo com uma unidade
proveniente do 160º Regimento de Aviação Especial e uma equipe de informações
com ligações à Central Inteligence Agency (CIA). A TFR, ficou acantonada no
Aeroporto de Mogadíscio e era comandada pelo Major General William F.
Garrinson. O nome de código atribuído à operação de captura do General Aidid,
foi Operação “Gothic Serpent”.
Uma vez que as informações relativas ao paradeiro do General
Aidid eram fragmentárias e pouco precisas, nos 5 Raids que a TFR executou,
nunca conseguiu capturar o líder da ANS. Por outro lado, a ANS, em mais uma
demonstração de força, realizou várias emboscadas às forças da UNOSOM II e da
FRR, tendo conseguido, nomeadamente, abater um MH-60 Blackhawk, com um
Rockt-Propellded Grenade (RPG) de origem russa, assim como realizou ataques ao
aeroporto de Mogadíscio com granadas de morteiro. O Major General Thomas M.
Montgomery, apercebendo-se da escalada de violência e da incapacidade da sua
FRR de fazer face à ameaça, pede para ser reforçado com meios blindados,
nomeadamente, por Viaturas de Combate de Infantaria Bradley. Tal pedido não foi
aceito pelo Secretário da Defesa Norte-Americano Les Aspin, afirmando este que
a introdução de blindados poderia por si só originar um aumento da violência .
Apesar de todos estes condicionamentos, a TFR mantinha-se confiante de que iria
capturar o General Aidid.
A Batalha de Mogadíscio
No dia 3 de Outubro de 1993, aproximadamente às 15:00 horas,
o Comandante da Task Force Ranger (TFR) foi informado de que elementos importantes
dentro da cadeia de comando da ANS iriam estar reunidos num edifício localizado
no Mercado de Bakara perto do Hotel Olyimpic.
A modalidade de ação seria em tudo semelhante à previamente
executada nas 5 missões anteriores. Para tal, a TFR seria dividida em 3 grupos:
o grupo de assalto, constituído pela equipe Delta; o grupo de segurança com 2
pelotões divididos em 4 equipes de combate denominadas chalks, da Companhia
Bravo do 3º Batalhão Ranger; e o grupo de exfiltração, constituído por
elementos da Companhia Bravo do 3º Batalhão Ranger. O grupo de assalto e o
grupo de segurança seriam infiltrados por meios aéreos enquanto o grupo de
exfiltração utilizaria viaturas motorizadas ligeiras.
A ação consistiria no
grupo de segurança garantindo a segurança na área do objetivo; o grupo de
assalto entrando dentro do edifício alvo e capturando os elementos da ANS que
aí se encontrassem. Quando o grupo de assalto tivesse cumprido a sua tarefa, o
grupo de exfiltração deslocar-se-ia de uma posição de espera até ao edifício
alvo, onde os prisioneiros seriam embarcados nas viaturas. Este grupo de
exfiltração também serviria de meio de transporte para a retirada do grupo de
assalto e do grupo de segurança.
Às 15:40 horas os grupos de assalto e de segurança já se
encontravam prontos para serem infiltrados através da técnica de “fast rope”
nos respectivos locais. Assim que foram infiltrados, o grupo de assalto
deslocou-se para dentro do edifício efetuando a limpeza do mesmo e capturando
os elementos da ANS que se encontravam no seu interior. Por outro lado, o grupo
de segurança, dividido em 4 equipes, deslocou-se para os respectivos pontos de
isolamento, a fim de garantir a segurança da área do objetivo.
Durante toda a operação, os 2 grupos que estavam a atuar no
terreno contavam com o apoio proveniente dos helicópteros da TFR, nomeadamente
dos MH-60 e AH-6. Nos primeiros momentos da operação tanto o grupo de segurança
como os helicópteros estiveram sujeitos a fogos provenientes de armas ligeiras.
Porém, com o passar do tempo, os chalks e os helicópteros passaram a estar cada
vez mais expostos a um maior volume de fogos.
Assim que o grupo de assalto limpou o edifício e rendeu os elementos da ANS, chamou o grupo de exfiltração para se iniciar a última fase da operação, a retirada. O embarque dos prisioneiros nas viaturas demorou aproximadamente 30 minutos e, esta altura, todos os grupos da TFR que se encontravam no solo e no ar estavam sob fogo de armas leves. O grupo de exfiltração estava sendo apoiado por dois MH (Super61 e Super62). Para tal, estes helicópteros tinham que voar a uma altitude relativamente baixa, cerca de 50 metros. Uma vez que o armamento principal destes helicópteros (duas metralhadoras pesadas M-134 minigun) se encontra colocado lateralmente, os pilotos tinham que colocar as aeronaves de lado, para os atiradores poderem apoiar as forças terrestres. Porém, este tipo de manobra expõe mais as aeronaves aos fogos hostis. Nesta fase, a intensidade dos fogos já tinha aumentado bastante, estando as diferentes forças sujeitas a fogos provenientes de RPGs. Com a finalidade de melhor conseguir apoiar o grupo de exfiltração, o piloto do Super 61 coloca o mesmo perpendicularmente ao fogo inimigo, e como consequência desta manobra é atingido com uma granada de RPG no rotor traseiro do seu helicóptero. O Super61 acabaria por cair na cidade a cerca 275 m a oeste do edifício alvo.
Devido à queda do aparelho, o chalk que se encontrava no ponto de isolamento nº 2, que era o mais próximo do local da queda, dirigiu-se para o local. Quando lá chegaram, um AH-6 (Barber 51) estava decolando depois de ter conseguido socorrer 2 elementos da tripulação do Super61. A equipe de CSAR, que se encontrava no Super67 foi enviada para o local, mas quando chegou os membros da ANS já estavam lá, e o Super67 foi atingido com uma granada de RPG, o que obrigou seu piloto a realizar uma aterragem de emergência perto do aeroporto. O chalk 2 e a equipe de CSAR conseguiram criar um perímetro de segurança à volta do helicóptero caído. Os elementos restantes da TFR que se encontravam no solo, receberam ordens para se dirigirem para o local da queda. Todavia estes também estavam sendo batidos por fogos e com grande dificuldade para manobrar. O grupo de exfiltração por 2 vezes caiu em emboscadas, tendo sofrido várias baixas, sendo obrigado a regressar ao aeroporto.
Por outro lado, os restantes chalks e o grupo de assalto que
estavam manobrando para chegarem ao local da queda do Super61, tiveram que
montar um perímetro de segurança quando estavam a aproximadamente a 2
quarteirões deste local. Devido ao número de baixas não mais conseguiam
avançar.
Numa tentativa de dar um maior apoio ao grupo de exfiltração, foi dada a missão ao MH-60 Super64, que se encontrava numa zona de espera, para avançar e dar apoio à coluna de viaturas. Assim que o Super64 chegou perto da coluna de viaturas, foi também atingido por uma granada de RPG. E acabou caindo aproximadamente a 3 km do edifício alvo. Na tentativa de conseguir isolar o local da queda do Super64, uma equipe de 2 snipers foi desembarcada próxima ao mesmo, assim como foi dada ordem ao MH-60 Super62 para apoiar os elementos infiltrados. Porém, o Super62 acabou por ter de realizar uma aterragem de emergência junto ao porto de Mogadíscio por ter sido atingido com uma granada de RPG. Foi uma questão de tempo para que a ANS acabasse por conquistar o local da queda do Super64, capturando todo o pessoal e material que se encontravam no mesmo.
Constatando que a TFR já não disponha de mais forças para
conseguir reforçar as forças já empenhadas, é dada a ordem à Companhia da FRR
que estava de reserva para se dirigir imediatamente para o aeroporto de
Mogadíscio. Quando lá chegou foi-lhe atribuída a missão de criar um perímetro
de segurança no local da queda do Super64. Assim que a Companhia da FRR entra
dentro da zona de Mogadíscio controlada pela ANS, cai numa emboscada. Depois de
terem conseguido se desdobrar, as forças da FRR foram obrigadas a regressar ao
aeroporto devido ao elevado número de baixas e de feridos.
Nesta altura o Comandante da TFR percebe que iria ser
necessário um maior potencial relativo de combate para conseguir retirar as
suas forças da cidade de Mogadíscio. O Major General Montgomery começa a
coordenar com as forças Paquistanesas e Malaias uma missão conjunta. Os
Paquistaneses levaram para a Somália um Pelotão de Carros de Combate M-48, e a
Malásia levou, com o seu contingente, Viaturas Blindadas de Transporte de
Pessoal (VBTP) Condor. Depois das coordenações necessárias, ficou decidido o
plano de atuação: a coluna de marcha seguiria até um ponto de fragmentação,
onde a mesma se dividiria em 2, e cada uma das frações seguiria para os
respectivos locais onde estariam os helicópteros caídos. A coluna era
constituída por um pelotão de Carros de Combate, 2 Companhias da FRR que se
encontravam embarcadas em 32 VBTP´s, e contavam com o apoio aéreo dos
helicópteros de ataque AH-1F/Cobra, provenientes da 10ª Divisão de Montanha.
Por volta das 23:30, a coluna de viaturas saiu da zona do
porto de Mogadíscio, dirigindo-se para o ponto de fragmentação determinado pelo
Comandante de Batalhão da FRR, tendo lá chegado por volta das 00:00 do dia 4 de
Outubro. Quando se deu a separação das forças, uma Companhia de Atiradores
dirigiu-se para o local da queda do Super64, enquanto a outra Companhia de
Atiradores e o Pelotão de Carros de Combate se dirigiram para o local da queda
do Super61. Quando as forças internacionais chegaram ao Super64, não encontraram
mais nenhum militar lá, nem o material dos mesmos. No local estava apenas a
carcaça do helicóptero caído.
Não havendo mais nada a fazer, a Companhia destruiu aquilo
que restava do Super64, e retirou-se para o ponto de fragmentação que agora se
transformara em ponto de reunião. Porém, devido à dificuldade de comunicação
entre o comandante da companhia e os condutores Malaios, estes levaram seus
VBTPs em direção ao Estádio de Futebol, onde estava o grosso das forças
Paquistanesas. A segunda coluna, depois de ter tido alguma dificuldade para
encontrar o local da queda do Super61, chegou ao mesmo por volta das 02:00
horas, entrando em contato com os elementos da TFR que aí se encontravam.
Depois de terem estabelecido um novo perímetro de segurança em torno do
helicóptero caído e de terem embarcado todos os militares feridos e mortos nas
VBTPs, a única coisa que prendia a TFR e a FRR no local era a dificuldade de
retirar o corpo do piloto do Super61 que estava preso no cockpit da aeronave.
Quando finalmente este foi retirado, a coluna de viaturas começou a sair do
local, mas não havia espaço para todos os militares embarcarem nas viaturas. Os
elementos da TFR que não se encontravam feridos viram-se obrigados a seguir as
viaturas a pé, correndo. Devido ao fogo a que a coluna de viaturas estava
sujeita, os condutores começaram a acelerar, e mais uma vez não pararam no
ponto de reunião. Por ordem do Comandante do Batalhão ainda algumas viaturas
voltaram à retaguarda para apoiarem a retirada dos elementos desembarcados. Por
fim a coluna de viaturas e os elementos desembarcados atingiram o estádio de
futebol onde as forças da TFR e FRR começaram o processo de reorganização e deslocamento
para suas respectivas bases avançadas.
Análise dos Antecedentes
Os acontecimentos de dia 3 de Outubro de 1993 enquadram-se
dentro de uma operação de apoio à paz caracterizada pela falta de consentimento
para a presença das forças internacionais. Pela primeira vez na história da
ONU, uma resolução do Conselho de Segurança tinha por base o Capítulo VII da
carta da ONU. As forças no terreno estavam executando uma operação de Imposição
da Paz. A resolução nº 814 do CS da ONU é bem explícita ao indicar que o
Secretário-Geral encontra-se autorizado a utilizar todas as medidas necessárias
para estabelecer a autoridade da UNOSOM II na Somália, assim como garantir o
inquérito, instrução, julgamento e sentença dos responsáveis pelos ataques às
forças da UNOSOM II. Todavia a UNOSOM II não possuía a estrutura policial e
jurídica para garantir o correto cumprimento da resolução nº 814. Este facto
leva o Representante do Secretário-Geral para a Somália, o Almirante Jonathan
Howe, que com base em informações locais, conclui que o responsável era o
General Aidid, tendo-se passado para a fase da sentença sem antes ter existido
uma investigação apropriada.
Desta forma os objetivos da intervenção da ONU na Somália
que inicialmente eram garantir o apoio humanitário à população, passaram a ser
de combate com a introdução da TFR no TO. Depois do ataque de 5 de Junho de
1993 estes objetivos passaram a ser a captura do General Aidid e a
desarticulação da ANS, passando a existir um Inimigo. Com a alteração dos
objecivos a atingir, a UNOSOM II deixou ser capaz de manter a imparcialidade.
A surpresa, que devia ser um dos princípios fundamentais
para a Operação Gothic Serpent, foi comprometida quando o General Garrison, a
ONU e o Almirante Howe anunciaram que o General Aidid era o objetivo da TFR.
Como consequência desta revelação pública, o General Aidid desapareceu, privando
a TFR da surpresa estratégica.Todas as
informações relativas ao seu paradeiro eram suposições. A perda da surpresa
operacional ocorreu quando a TFR, com base nas informações disponíveis realiza
o primeiro raid na tentativa de capturar o General Aidid.
Embora a fase da execução do primeiro raid tenha decorrido
sem erros, o alvo pretendido não foi capturado. Em vez disso, os 8 homens que
se encontravam no edifício alvo e que acabaram por ser capturados eram
funcionários da ONU. As missões seguintes levadas a cabo pela TFR, utilizando
sempre o mesmo modus operandi e sempre com informações pouco precisas, não
conseguiram capturar o General Aidid. Ao fim de 5 missões, a ANS já tinham percebido
a forma como a TFR atuava, limitando desta forma a surpresa táctica.
Uma das poucas fontes de informação fidedignas que o General Garrison dispunha, era o histórico, ou seja a análise sobre os acontecimentos passados, que envolviam as forças da UNOSOM II e a ANS. E mesmo assim, esta fonte de informações foi ignorada. Uma vez que uns meses antes da TFR ter entrado no TO, a ANS tinha utilizado o RPGs como armas antiaéreas. Claramente que durante a operação de 3 de Outubro esta ameaça não foi levada a sério.
Outra decisão que claramente comprometeu o sucesso da
Operação do dia 3 de Outubro, foi a decisão tomada pelo Almirante Howe e pelo
General Montgomery de enviar os 4 aviões AC-130H Spectre de volta para Itália,
perdendo assim o comando operacional que tinham sobre estes. Esta decisão foi
tomada como medida de desanuviamento propício à resolução do conflito pela via
diplomática.
Porém tal não aconteceu, tendo-se registado exatamente o
contrário - as operações da ANS tornaram-se mais agressivas. Nesta altura o
General Montgomery deveria ter voltado a pedir o Comando Operacional sobre os
aviões AC- 130H Spectre. Caso estas aeronaves se encontrassem na Somália a 3 de
Outubro, certamente que o seu sistema de armas teria conseguido apoiar as
forças da TFR e FRR de forma eficaz, sem ter que se expor aos fogos
provenientes do solo.
A estrutura de comando criada para a UNOSOM II, era ambígua
e não permitia que as forças do Exército Norte-Americano na Somália atuassem
segundo a metáfora do General Gorge S. Paton, uma orquestra onde cada
instrumento completa outro numa sinfonia de violência. Esta estrutura de
comando fazia com que as forças presentes no terreno obedecessem a vários
“maestros”. O comandante da UNOSOM II, General Bir, não tinha relações de
comando com todas as forças internacionais que estavam na Somália. O Tenente General
Montgomery, desempenhava duas funções dentro da mesma cadeia de comando, era o
Representante do Secretário-geral da ONU, e o de comandante das Forças Norte-Americanas
na Somália. Enquanto Representante do Secretário-geral da ONU, estava
subordinado, ao General Bir. Porém enquanto comandante da Forças norte-americanas
o Tenente General Montgomery passava a responder perante o General Hoart.
Contudo o Tenente General Montgomery, não tinha comando completo sobre todas as
forças norte-americanas na Somália. Tendo apenas controle tático sobre a FRR e
não tinha qualquer relação de comando com a TFR, estando esta apenas
subordinada ao CENTCOM.
A duplicidade de comando que existia nas forças norte-americanas
também existia nas outras forças internacionais. Durante a Batalha de
Mogadíscio, quando foi necessária a utilização das unidades paquistanesas e malaias,
estas não tinham relações de comando quer com o Tenente General Montgomery ou
com o General Bir. As unidades Paquistanesas e as Unidades Malaias
encontravam-se apenas sobre o comando das suas chefias militares nacionais.
Este fato dificultou a coordenação entre as forças e o tipo de tarefas que lhes
podia ser atribuído.
Ao nível do poder político, a decisão tomada pelo Secretário
da Defesa Les Aspin, a quem o Tenente General Montgomery, através do General
Hoar, emite um pedido para que lhe fossem atribuídos meios blindados
nomeadamente Viaturas de Combate de Infantaria Bradley. Este pedido foi negado,
tendo o Secretário da Defesa alegado que não iria atribuir meios blindados à
força norte-americana na Somália, pois receava que tal pudesse causar uma
escalada da violência. Esta decisão foi uma das que mais condicionou a forma
como decorreu a Batalha de Mogadíscio.
Como resultado direto da Batalha de Mogadíscio, a TFR e a
FRR, tiveram 18 baixas, um militar desaparecido e 84 feridos. Por sua vez as forças
da Malásia tiveram uma baixa, enquanto as forças Paquistanesas tiveram 2
feridos. No tocante a material, foram destruídos 2 helicópteros, 4 ficaram em fora
de operação, várias VBTP´s foram destruídas, assim como jipes HMMWV e camiões
M-35 .
Devido às características e objetivos da operação que a TFR
executou, esta é definida segundo a doutrina do Exército Norte-Americano como
sendo um Raid. Segundo a definição de raid apresentada no FM 3-21.71, a
execução deste tipo de operação pode ter como objetivo entre outros, a captura
de prisioneiros, contudo não é esta a característica que garante o encaixe da
operação da TFR nos parâmetros de um raid. A grande diferença entre um raid e
as restantes operações ofensivas de ataque, é o fato de existir uma retirada
das forças assim que os objetivos da operação são atingidos. No plano para a
operação da TFR existia claramente isso, ou seja, assim que o grupo de assalto
tivesse o edifício limpo e os prisioneiros sob seu controle, todos os elementos
da TFR, seriam retirados da zona do objetivo pelo grupo de exfiltração.
O tempo que o Comandante da TFR dispôs para planejar,
preparar e iniciar a operação foi de aproximadamente 30 minutos. Tal só foi
possível porque a TFR tinha 2 planos de operações já elaborados. Um para quando
os seus objetivos se encontravam em deslocamento, e outro para quando estes
estavam no interior de um edifício. A TFR colocou em prática o plano que previa
que os seus objetivos estariam no interior de um edifício, o que resultou num “modus
operandi” que repetida as operações precedentes. Se por um lado esta repetição
das modalidades de ação reduzia o tempo gasto na fase de planejamento e
treinos, por outro lado permitia que a ANS reagisse a tempo, pois já sabia como
é que a TFR iria atuar.
A velocidade de execução era um dos pilares onde a operação
da TFR se baseava. Pretendiam surpreender os elementos da ANS e garantir que não
tivessem tempo para reagir. Por mais rápido que a operação fosse executada, a
TFR não iria conseguiria surpreender a ANS. Segundo o Coronel da ANS Ali Aden “
If you use a tactic twice, you should not use it a third time, the next time we
would make the Yankees pay”. Esta afirmação proferida por um oficial da ANS
demonstra que eram conhecedores dos elementos que caracterizavam uma operação
da TFR o que justifica a pronta capacidade de reação das ANS. Mal se
aperceberam do aproximar dos helicópteros, já sabiam o que iria acontecer tendo
conseguido roubar o elemento de surpresa que a TFR tentou incutir na sua
operação.
Além da perda do elemento de surpresa a ação desenvolvida
pela TFR, apresentou outra falha, que era a existência de somente de uma equipa
de CSAR. Quando da queda do Super61, a TFR ainda teve a capacidade de reagir, e
conseguiu garantir um perímetro de segurança em torno do helicóptero caído. O
mesmo já não aconteceu quando o Super64 foi atingido. Nessa altura a TFR, já
não tinha mais elementos que conseguissem manobrar a fim de garantir um
perímetro de segurança à volta do Super64. Consequentemente, a TFR, perdeu
flexibilidade, não conseguindo mais reagir de forma adequada, passando a ter
todas as suas subunidades empenhadas.
Outro aspecto que teve um papel importante no desenrolar dos
acontecimentos foi o fato de mais nenhuma unidade das forças internacionais ter
sido notificada que a TFR iria desenvolver uma operação em Mogadíscio nesse
dia. Quando a TFR necessitou do apoio destas forças, foi necessário realizar
coordenações que atrasaram as operações de resgate.
No caso da FRR, as únicas coordenações que tinham sido
feitas com esta unidade é que esta devia ter uma Companhia pronta para
intervir, caso fosse necessário, não lhe tendo sido fornecidas mais
informações. Quando foi necessário empregar a Companhia Charlie da FRR para
tentar isolar o local da queda do Super64, estes tiveram que se deslocar da
Universidade para o Aeroporto de Mogadíscio. Este deslocamento, para receberem
indicações sobre qual era a sua missão, demorou cerca de uma hora. Só depois é
que se iniciou o deslocamento para o local da queda do Super64, acabando por
nunca lá chegar, devido às emboscadas que sofreram no itinerário. Caso tivesse
existido coordenações, e a FRR tivesse a par da operação que a TFR iria
desenvolver, a Companhia Charlie estaria aproximadamente a 15 minutos do local
da queda do Super67.
As restantes forças da UNOSOM II também não receberam
qualquer tipo de comunicado, relativo à operação da TFR. Nomeadamente as forças
da Malásia e do Paquistão, as únicas com meios blindados em Mogadíscio, e só após
3 horas depois do início da operação, é que tomaram ciência dos confrontos que
estavam ocorrendo na zona do Mercado de Bakara, entre a ANS e a TFR. E mesmo
assim, a possibilidade de que a TFR necessitasse de apoio não foi sequer
equacionada. Quando o inesperado pedido de apoio foi feito por parte do
comandante da TFR, estas forças demoraram 5 horas para terem os seus meios no
local determinado pelo comandante da TFR. Se somarmos mais 3 horas que foram
necessárias para planejar e preparar a segunda operação de resgate entre todas
as forças envolvidas, denota-se que os elementos que se encontravam em combate
esperaram 8 horas. Tempo que podia ter sido reduzido substancialmente, se
certas coordenações tivessem sido feitas.
No que se refere ao armamento utilizado durante a operação,
as regras de engajamento da força não permitiam o emprego de material explosivo,
nomeadamente lança granadas. Assim, armamento como o lança granadas de 40 mm
M–203 e o lança granadas automático MK-19, que fazem parte dos quadros
orgânicos das unidades constituintes da TFR, não foram empregues no raid
inicial. A razão para tal deve-se ao facto deste tipo de armamento causar danos
colaterais. Contudo, com o desenrolar dos acontecimentos, constatou-se que
existia a necessidade de aumentar o poder de fogo das forças que estavam a
resgatar os elementos já engajados. Mesmo assim a Companhia Charlie, na sua
tentativa de montar um perímetro de segurança ao Super64, não foi armada com
este material e mesmo quando da operação conjunta, onde foram incluídos Carros
de Combate e VBTP, este armamento também não foi incluído.
O emprego dos helicópteros MH–60, pode ser analisado em duas
fases: O transporte do grupo de assalto e do grupo de segurança para as
respectivas posições e o apoio que estes prestaram aos elementos da TFR que
estavam no solo. Durante a primeira fase não existiram problemas maiores, apenas
a fumaça proveniente dos pneus queimados que servia de sistema de alerta da ANS
e o pó que os próprios helicópteros levantavam do solo.
Se o primeiro não apresentou dificuldade à TFR, o fato do solo
de Mogadíscio ser de terra batida, fez com que com as correntes de ar causadas
pelos rotores dos helicópteros, levantassem grandes quantidades de poeira, o
que dificultava a pilotagem dos mesmos aparelhos. No caso do Super67 quando
este se aproximou da posição de infiltração do chalk4, o pó levantado era tanto
que este foi obrigado a deixar a equipe Ranger a 2 quarteirões do local planejado.
Na segunda fase, o emprego dos MH-60 como base de apoio aos
elementos que se encontravam no solo, não conseguiu ter o sucesso desejado.
Quando o Super61 foi atingido com uma granada RPG, estava hoverando a uma
altitude de aproximadamente 50 m. Considerando que o RPG tem um alcance de 300
m para alvos em movimento e 500 m para alvos estacionários, e considerando o fato do Mercado de Bakara ser
constituído majoritariamente por edifícios com 2 e 3 andares, a altitude a que
os helicópteros estavam não lhe conferia segurança.
O posicionamento do principal sistema de armas dos MH-60, as
metralhadoras pesadas M-134 Minigun na lateral das aeronaves, faz com que a
mesma se tenha de colocar perpendicularmente aos fogos inimigos para conseguir
adquirir seus alvos. Este posicionamento do helicóptero aumenta a área exposta.
Mas a razão que justifica a baixa altitude a que os helicópteros estavam
colocados quando apoiavam os elementos no solo justifica-se pela existência de
uma equipe Sniper proveniente do 1º Destacamento Delta a bordo de cada MH-60, o
que obrigou a posicionar os helicópteros abaixo dos 500 m para os atiradores
conseguirem fazer fogo não só por uma questão de alcance (pois os fuzis M-21
utilizados por estas equipes Sniper tem um alcance superior a 690 metros) mas
também devido às ROE e ao fato de, por vezes, junto a um atirador da ANS
estarem não combatentes. Os atiradores que estavam prestando apoio nas
aeronaves tinham que garantir que não causariam danos colaterais.
Nas anteriores 6 operações da TFR, a exfiltração era garantida pelos MH-60. Nesta operação, pelo fato de não existir uma zona de aterragem para os MH-60 próxima do Mercado de Bakara, obrigou a que a exfiltração fosse com viaturas. As viaturas que constituíam o grupo de exfiltração demonstraram não ter uma blindagem adequada à operação. Desde o momento que o grupo de exfiltração iniciou a seu deslocamento do local de espera para junto do edifício alvo, a proteção balística das suas viaturas demonstrou ser insuficiente para fazer face à ameaça. Nos primeiros momentos da operação o grupo de exfiltração teve logo uma baixa devido à fraca proteção balística do M1044 e um caminhão M35 foi destruído. Até ao momento em que o grupo de exfiltração voltou ao aeroporto o número de feridos devido à não existência de blindagem nas viaturas foi aumentando cada vez que a coluna sofria uma emboscada.
Conclusões
Podemos concluir respondendo a questões fundamentais que
envolveram esta operação. O que levou à intervenção da ONU na Somália? O que
levou ao planejamento e execução da Operação “Gothic Serpent”? Qual a tipologia
doutrinária da Batalha de Mogadíscio? Quais os objetivos e os meios disponíveis
desta batalha?
Para responder a estas questões foi necessário compreender
quais as razões históricas que estiveram na origem da intervenção da ONU na
Somália, os motivos que conduziram à Operação Gothic Serpent que culminou nesta
operação.
A Batalha de Mogadíscio não foi uma batalha planejada;
começou por ser um raid para capturar elementos da ANS e obter informações
sobre o paradeiro do General Aidid. Devido à queda de um helicóptero em terreno
hostil, transformou-se na maior batalha urbana a envolver forças
norte-americanas desde a guerra do Vietnam.
De todos os aspectos políticos que acabaram por determinar a
forma como a batalha decorreu, a não existência de meios blindados disponíveis foi
a que mais condicionou a operação. A dificuldade que a TFR tinha em manobrar
nas ruas de Mogadíscio não ficou devendo somente ao fato das ruas serem pouco
largas ou de existirem obstáculos. A principal razão foram as inúmeras
emboscadas que as colunas de viaturas sofreram ao longo das ruas. Caso tivessem
existido viaturas blindadas, essas emboscadas, realizadas principalmente com
armas ligeiras e RPG, teriam tido menos eficácia.
A decisão de empregar helicópteros numa área urbana e dentro
do alcance dos sistemas de armas do inimigo colocou a TFR em desvantagem e sem
capacidade para reagir. Se o helicóptero MH-60 Super61 não tivesse caído na
parte da cidade controlada pela ANS, a TFR, possivelmente, teria conseguido
cumprir a ação planejada pelo Major General Garrison. Mas, assim que a TFR
necessitou pôr em prática medidas para fazer face às contingências que surgiam,
começou a perder a iniciativa, capacidade de manobra e flexibilidade.
O fato da TFR repetir, ao longo das missões realizadas, a
mesma modalidade de ação, também foi um condicionador para o sucesso da
operação. Neste âmbito é importante referir que a ANS já tinha conhecimento da
forma como a TFR dispunha as suas forças no terreno. Contudo, é de salientar
que parte do sucesso que a TFR atingia em suas operações, era devido ao treino
que os seus elementos tinham. A modalidade de ação empregada já tinha sido
treinada inúmeras vezes e cada elemento da TFR sabia qual era a sua função.
Estudando a operação pode-se propor um plano alternativo para esta situação, acreditando ser possível atingir os objetivos a que o raid inicial da TFR se propunha. A principal razão pela qual as modalidades de ação aqui apresentadas não podem ser completamente distintas da executada naquele dia, deve-se ao fato de a TFR estar treinada para executar o raid de determinada forma. Esta alteração da forma de agir iria obrigar a um maior dispêndio de tempo na fase de planejamento e treino. Tempo este que a TFR não dispunha.
Esta análise é baseada em princípios, capacidades da TFR e na forma como a ANS agiu. Assim sendo propoem-se a seguinte modalidade de ação com o seguinte enunciado:
Finalidade da Operação:
A TFR realizará um raid com o objetivo de capturar os elementos da ANS, que se encontrem no edifício alvo.
Operação decisiva:
Uma Unidade de Operações Especiais limpa o edifício alvo a fim de capturar os elementos da ANS que se encontrem dentro do mesmo.
Operações de Moldagem:
Manobra:
Uma unidade de escalão pelotão reforçado com equipas sniper isola o edifício alvo, a fim de criar condições para a limpeza do edifício alvo.
Uma unidade de escalão companhia isola o quarteirão do edifício alvo a fim de criar condições para a limpeza do edifício alvo.
Uma unidade de escalão secção garante que após a realização da operação decisiva a TFR e os prisioneiros sejam exfiltrados do local.
Uma unidade de escalão secção apoia pelo fogo a fim de garantir a flexibilidade da TFR.
Uma unidade de escalão companhia apoia pelo fogo a fim de garantir a flexibilidade da TFR.
Fogos:
Uma unidade de Aviação Especial apoia pelo fogo as unidades das TFR através de missões de apoio aéreo próximo (CAS). A fim de criar condições para a limpeza do edifício alvo.
Conclusão da Operação:
A TFR e os elementos da ANS capturados regressam ao aeroporto de Mogadíscio.
A modalidade de ação apresentada visa garantir a surpresa, a
velocidade de execução e a segurança. O fato de existirem dois grupos de
segurança com o objetivo de limitar o número de elementos da ANS junto ao
edifício alvo, facilita a exfiltração tanto das forças da TFR como dos
prisioneiros capturados. A transferência das equipas sniper do grupo de apoio
para o grupo de segurança 2 permite, não só que este grupo tenha maior poder de
fogo, como consiga selecionar melhor os seus alvos diminuindo a possibilidade
de existirem danos colaterais e violações das ROE.
O fato de na modalidade de ação proposta, o grupo de apoio
não ser utilizado como plataforma de infiltração, não só garante uma maior
capacidade de CAS, visto não estarem empenhados em outras missões, como diminui
a probabilidade dos helicópteros serem atingidos por fogos provenientes do
solo. O único helicóptero do grupo de apoio que tem outra missão atribuída é o
helicóptero que transporta a equipa de CSAR e, aí sim, é assumido o risco de
ter que infiltrar forças na área de operações.
A razão de somente existir uma equipa de CSAR dentro do
grupo de apoio deve-se à especificidade da missão que estes elementos executam.
Embora no desenrolar da ação, se tenha constatado que a TFR devia ter mais do
que uma equipa de CSAR pronta para atuar, não seria lógico desenvolver uma
modalidade de ação onde tal existisse. A equipa de CSAR da TFR, desde que
chegou à Somália, treinou as suas tarefas específicas. Ora, como não existia
mais nenhuma equipe Ranger ou Delta com este tipo de treino na TFR, não fazia
sentido atribuir missões a forças que não se encontravam preparadas para tal. Como
forma de garantir mais flexibilidade à TFR, foi atribuída à FRR a missão de apoio
de fogo. Embora não esteja preconizado na modalidade de ação, seria necessário
existir coordenações entre a TFR, o CENTCOM e a FRR, para que a FRR tivesse uma
unidade de escalão companhia sobre o controle operacional da TFR.
A velocidade de execução seria garantida, principalmente,
pelo fato de a TFR atingir o edifício alvo como um todo, ou seja, assim que o
grupo de segurança tivesse em posição, o grupo de assalto iniciava a limpeza do
edifício alvo, não existindo, desta forma, um compasso de espera entre uma fase
da operação e a outra.
A surpresa que se constitui como um outro aspecto vital para
que a TFR conseguisse executar a missão com sucesso, seria conseguida na
modalidade de ação apresentada através do emprego de viaturas motorizadas para
a infiltração das forças na zona da operação. A ANS espera que a TFR inicie as
suas operações com helicópteros pelo que, com o afastamento dos mesmos da zona
do objetivo, a TFR consegue que os grupos de segurança e o grupo de assalto
consigam iniciar a operação sem que a ANS mobilize as suas forças para o local
do objetivo.