FRASE

"Quem escolhe a desonra a fim de evitar o confronto, a conseguirá de pronto, e terá o confronto na sequência."
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sexta-feira, 10 de maio de 2019

A Manobra Americana no Vietnam *168



Guerra na Paz

Os três primeiros anos de envolvimento americano no Vietnam foram tão decisivos quantos cheios de hesitação. Foi necessário todo esse tempo para que a máquina de guerra americana funcionasse a todo vapor e aperfeiçoasse as suas táticas. Mas então veio a ofensiva norte-vietnamita do Tet (Ano Novo Lunar) de 1968 e o início do recuo das forças americanas, que não conseguiram se adaptar com rapidez suficiente às necessidades da guerra na selva, e tiveram que pagar um alto preço por isso.

Na verdade, a situação não deveria ter causado maior impacto nos comandantes americanos responsáveis pela criação, equipamento e treinamento do ESV (Exército sul-vietnamita), que tinham acompanhado suas operações e visto de perto seus êxitos e fracassos. Já em 1963 os sul-vietnamitas mostraram sua incapacidade de empreender uma manobra efetiva de cerco e aniquilamento. Naquela ocasião os vietcongues escaparam sem grandes dificuldades às "malhas da rede", após castigar duramente , repedidas vezes, os sul-vietnamitas que os atacaram.

Os americanos também haviam adquirido ampla compreensão teórica da luta anti-insurrecional durante a guinada estratégica do governo Kennedy. No âmbito da nova doutrina de "reação flexível", o Pentágono realizara uma série de estudos e cursos de treinamento organizados a partir da experiência britânica na Malásia e da francesa na indochina (nome do Vietnam no período colonial).

Analisando as lições da indochina, os americanos chegaram a conclusão de que veículos terrestres franceses, inclusive os blindados, ficavam retidos nas estradas, tornando-se vulneráveis à emboscadas. Por isso decidiram enviar aos Vietnam um vasto parque de helicópteros, cerca de 4.000, quase cem vezes mais que os 42 aparelhos dos franceses. Só que estes helicópteros também ficaram retidos em seus campos de pouso e a escassez de blindados, veículos de enorme valia para deslocamentos em terreno irregular e combates a curta distância, representou uma séria falha na logística americana, que só começou a ser corrigida em 1968.

Outra lição da Indochina foi bem assimilada, tendo em vista o exemplo de Dien Bien Phu: a importância de assegurar suprimentos e proteção pelo ar às bases fortificadas. Foi esse um dos pontos-chave da atuação militar dos EUA no Vietnam.



Em geral, uma base de apoio consistia num perímetro circular de trincheiras individuais, destinadas a abrigar uma companhia de infantaria que podia cobrir com suas armas várias centenas de metros em terreno aberto. Essa área ficava cercadas por minas e arame farpado. Os alcances de tiro e prováveis trilhas de aproximação eram observados cuidadosamente. A potência de fogo imediata da companhia consistia em fuzis de assalto, lança-granadas, metralhadoras, foguetes anticarro e morteiros. Por si mesmas, estas armas podiam normalmente deter qualquer ataque, mas havia muito mais.

Em geral, o armamento da base de apoio incluía uma ou mais baterias de artilharia pesada (por exemplo, obuseiros de 105 mm e de 155 mm), que podiam cobrir um raio de 15 km; em certos casos, peças de artilharia mais potentes alcançavam 30 km e a proximidade das bases permitia que seus arsenais se somasse na defesa de um perímetro ameaçado.



Além disso, haviam os fartos recursos proporcionados pela aviação, tais como foguetes aéreos colocados em helicópteros Huey, aparelhos de carga equipados com lança-chamas e mini-canhões; Cessna A-37 e outras aeronaves de baixa velocidade; aviões mais velozes, como o Douglas A-4 e o Fairchild F-105. Atuavam ainda o helicóptero experimental Chinook CH-47 ou "couraçado aéreo", o bombardeiro F-111 TFX; e acima de tudo a confiável "fortaleza voadora" B-52, que podia se aproximar a alta velocidade sem ser ouvida e devastar 1 km² com seus 40.000 kg de bombas metálicas (com 3 aparelhos voando juntos em arco).



Por um momento, o Pentágono acreditou que essa enorme capacidade de fogo bastaria para ganhar a guerra. Em diversas ocasiões, centenas de vietcongues foram abatidos em ataques noturnos por apenas alguma dúzias de soldados. Tais êxitos entusiasmavam os militares americanos partidários do body count, a estratégia da contagem de corpos como prova material de que a guerrilha estava sendo dizimada.

De fato, algumas bases de apoio nada sofreram enquanto foram defendidas por tropas dos EUA, e de qualquer modo poderiam ser rapidamente reconstruídas. O que os estrategistas não perceberam é que, nesses combates, era o vietcongue que definia seu próprio body count. Os guerrilheiros norte-vietnamitas só atacavam quando sabiam quantas vidas poderiam sacrificar sem perder a guerra. Surgiu desse modo uma situação de equilíbrio, na qual sua incapacidade para atingir as bases dos americanos era compensada pela extrema dificuldade destes em se apoderar das bases adversárias. Os ataques a "santuários" da guerrilha no Laos e no Camboja eram fonte de problemas políticos e mesmo com uma potência de fogo imensamente superior subsistiam obstáculos táticos.

A unidade fundamental de manobra dos EUA no Vietnam era a companhia de infantaria, com força nominal de uns 180 homens, mas que na prática não operava com mais de 120. Essas companhias encontravam grande dificuldade em mover-se na selva: seguindo em coluna por uma trilha, os soldados cobriam mais de 1 km de terreno. Isso tornava a "reação flexível" um objetivo remoto. Ainda menos viável eram a prática de cerco e aniquilamento, a ponto de um estrategista americano declarar: " a selva zomba de nossas manobras".



A Blindagem Vegetal

Quando os guerrilheiros eram encontrados  numa incursão americana, a luta ficava bem mais equilibrada. Em geral, a vegetação fazia mais do que esconder os vietcongues entrincheirados. Os projéteis mais leves fracassavam na penetração das casamatas ou dos grossos troncos de árvore, enquanto os obuses de 105 mm explodiam na mata fechada, cobrindo o solo de estilhaços, mas raramente ferindo vietcongues. A utilização de peças de maior calibre  era dificultada pela curta distância entre os combatentes, de algumas dezenas de metros. Por vezes, para abrir espaço à artilharia, os soldados americanos recuavam deliberadamente, mas isso criava oportunidades para contra-ataques.

Outra dificuldade era o fato de, em suas incursões, as colunas dos EUA avançarem a pé e não em veículos blindados, tornando-se vulneráveis ao fogo inimigo em terreno aberto. Imobilizados, os soldados não conseguiam aplicar a tática de "atirar e manobrar" preconizada em seu manual, com vistas a um assalto final.

Na verdade, os americanos logo verificaram que, sem o uso de blindados, tais assaltos finais cobravam um elevado preço em vidas e que, numa guerra de atrito, essas perdas eram inaceitáveis. "Cada vez que faço um homem manobrar", declarou um sargento americano, "ele leva um tiro. Ao diabo com a manobra".

Em 1967, os americanos tinham criado um novo manual tático, segundo o qual a infantaria "desblindada" deixava de ser uma força de assalto, assumindo o papel de simples patrulha de reconhecimento. Ela deveria avançar até uma área onde existissem bases inimigas, envolver-se em troca de fogo e identificar alvos a serem destruídos pelo armamento pesado. Tal tipo de ação era complementado pela atividade dos esclarecedores, grupos de infantaria leve especializados em infiltrar-se secretamente através das linhas do inimigo. Esses peritos deviam orientar o fogo de artilharia contra alvos promissores, recuando em seguida. Nos ares, o mesmo faziam os Loaches (Light Observation Helicopters - helicópteros leves de observação), capazes de localizar o inimigo e fustigá-lo a seguir com seus próprios minicanhões, sendo auxiliados por helicópteros de ataque ou por forças terrestres. Só que o ruído dos motores alertava os guerrilheiros e mais uma vez havia alto body count sem danos consideráveis a suas forças.

O que as novas as novas táticas americanas não poderiam fazer era substituir o papel da infantaria, isto é, acercar-se do inimigo e destruir suas formações num combate corpo a corpo. Ao reservar a função destrutiva à potência de fogo, o US Army parecia aceitar a derrota numa guerra impopular e oficialmente definida como "limitada".


terça-feira, 28 de março de 2017

Operações em Áreas de Selva Tropical #132



Generalidades

As regiões de selva tropical e equatorial, presentes na faixa intertropical do planeta, possuem aspectos peculiares quanto às operações militares, devido a suas características únicas de clima, vegetação e desenvolvimento sócio-econômico.

Estão presentes nas Américas, desde o sul do México, passando pelo norte da América do Sul e ilhas do Caribe, com sua maior extensão em território brasileiro; no centro do continente africano na região sub-saariana do Congo e vizinhanças; no sudeste asiático continental, incluindo as ilhas da Indonésia e norte da Austrália e num grande número de ilhas do Pacífico, e outras regiões menores, totalizando só no Brasil mais de 5 milhões de quilômetros quadrados.

São áreas de clima muito úmido e quente, com débeis índices demográficos e de desenvolvimento humano e econômico. Carecem de redes rodoferroviárias, e as existentes precariamente conservadas, sendo as vias hidrográficas abundantes e utilizadas como principal meio de comunicações destas regiões.

Inserido neste meio existem ainda áreas de mata alagada, de selva propriamente dita, savanas e regiões montanhosas quentes. Não se pode separar a selva de terra firme da malha hidroviária que a permeia, constituindo este conjunto um só ambiente operacional, unidas pela mata de várzea. A vegetação é constituída de árvores de grande porte, cujas copas entrelaçam-se e criam em seu interior um ambiente sombrio sem a incidência direta de raios solares, a exceção das raras clareiras criadas pela queda de árvores mortas. Próximo aos rios existe a floresta que se inunda periodicamente formando várzeas. Os rios podem ser caudalosos com través médio de 5 km, podendo atingir 20 km em alguns pontos e centenas próximos ao mar, com locais mais rasos que impedem a navegação irrestrita quando longe do leito principal, podendo ainda apresentarem regiões de corredeiras.




Influência do Ambiente nas Operações Militares

As rotinas de observação e vigilância são prejudicadas pela ausência de elevações que dominem o terreno e pela densa mata que não permite olhar a alguns poucos metros. Estabelecer campos de tiro procedendo sua "limpeza" pode denunciar a presença de armas e atiradores, sendo estes mais eficazes junto aos desimpedidos cursos d'água e clareiras. A observação aérea é ineficaz e o relevo não se revela para estes, uma vez que a vegetação mostra um falso terreno plano. Satélites de alta definição de amplo espectro, no entanto, não tem seus campos de observação barrados pelas árvores. Granadas fumígenas podem não ultrapassar a cobertura e a adoção de túneis de tiro são a técnica mais eficaz de criar corredores de fogo.

A mata proporciona abundância de cobertura a observação, e abrigos devido a dobras do terreno e grandes árvores. A construção de abrigos abaixo do nível do solo é difícil devido a presença de raízes entrelaçadas. Os obstáculos são abundantes, como os grandes rios em operações de grande vulto e a mata fechada, que proporciona corredores de deslocamento a pequenas frações apenas. Cabe salientar que estes mesmos grandes rios podem tanto ser obstáculos como vias que facilitam o deslocamento, dependendo das circunstâncias. A mata esconde pântanos e escarpas, além de grandes troncos caídos. Chuvas constantes e diárias potencializam os obstáculos e tornam estradas de chão pegajosas e difíceis de transpor.



O deslocamento a pé está sujeito a grande número de espinhos e plantas hostis e em locais onde existem árvores caídas, normalmente mais de uma, elas podem se constituir em grandes obstáculos. Além das altas temperaturas, a pluviosidade é intensa com tempestades fortes e rápidas podendo as condições climáticas mudar em questão de minutos. A mobilidade motorizada é extremamente difícil, sendo o barco e a aeronave os meios mais adequados.

utilização de equipamento rádio demanda a utilização de grandes antenas, com intensa atenuação de sinais através da mata, e devido a cobertura vegetal a luminosidade da lua é praticamente imperceptível. Para indivíduos treinados a selva oferece grande variedade de recursos e alimentação, porém mostra-se hostil àqueles não ambientados ou treinados apenas em outros ambientes, estando todos sujeitos a cortes e infecções constantes e ao assédio de animais como mosquitos, cobras e vespas, entre outros, que podem transmitir doenças tropicais.




Operações de grandes escalões de tropa encontram maior dificuldade neste ambiente, estando as pequenas frações mais conformadas à realidade deste terreno e sua severa resistência à mobilidade. O grande número de obstáculos naturais é potencializado pelas condições meteorológicas adversas com precipitações constantes, que prejudica sobretudo a mobilidade nas estradas não pavimentadas que são a maioria, tornando a argila destas vias pegajosa em níveis que chegam a paralisar o movimento de veículos.

Os locais de maior valor militar são os entroncamentos de rios que oferecem controle sobre estes, e as vilas e povoados, com campos de pouso e atracadouros. Suas instalações podem ser de grande valor e para eles convergem trilhas e passam as estradas que existem. Na selva as operações ribeirinhas são uma constante militar.  A umidade proporciona grande estresse sobre equipamento inadequado como armamento, aeronaves e veículos em geral. Outros locais importantes são os escassos nós rodoviários, pontos de passagem de balsas, pontes e vaus, além de clareiras que favorecem o reagrupamento e a operação de baterias de tiro e helicópteros e o ressuprimento aéreo. As elevações, tão úteis em terreno convencional, são pouco relevantes no ambiente de selva devido a cobertura vegetal.

Devido as características únicas deste ambiente, as operações assumem características de guerra irregular ou guerrilha, pois dispor tropas emassadas não se dá da mesma forma que em terreno convencional. Apesar dos dispositivos militares procurarem sempre valorizar as características de ligação entre as unidades, operar na selva demanda sempre a incursão de pequenas frações em áreas muito grandes e dispersas, dificultando o apoio mútuo entre estas. O apoio aéreo e fluvial é fundamental. A segurança das tropas neste ambiente tem na dispersão seu maior trunfo, e a ameaça poderá vir de qualquer direção. A manobra deve primar pela simplicidade e fundamentar-se na habilidade do combatente, e não em seu equipamento. A surpresa pode ser facilmente obtida pelo atacantes e a oportunidade por vezes é uma das formas mais comuns de combate, pois a obtenção de informações é dificultada pelo ambiente singular.




Operações Estratégicas

O acesso à área de selva se dá a partir de bases que podem ser poucas e precárias e demandarão grandes obras de infraestrutura, com necessidade de provimento de serviços diversos e suprimentos vindos de longe, onerando terminais e fazendo uso de elevado número de meios logísticos. O estabelecimento de infraestrutura adequada a grandes efetivos pode ser necessário e custoso. Como já foi dito o deslocamento até estas áreas quase sempre se dará por vias aéreas e fluviais, tanto de tropas quanto de suprimentos. 

Estas áreas de acesso quase sempre serão as maiores cidades que estejam próximas ao coração do dispositivo do inimigo, com seus terminais, e a manobra inicial será a conquista e ocupação destas localidades e suas vias de acesso e comunicação com as áreas exteriores de onde virá o suporte às operações. Devido as grandes distâncias envolvidas e a natureza do combate moderno o domínio do espaço aéreo é vital. O combate se dará por forças assimétricas em ambiente urbanos e ribeirinhos, de selva densa e campos abertos, com forças não mecanizadas apoiadas por unidades aéreas em busca dos pontos capitais já citados. 

A partir destas áreas "pontos-forte" se desdobrarão as ações descentralizadas que poderão ser longas e desgastantes. A progressão se dará com patrulhas de combate de efetivos dotados de grande poder de fogo e apoiados pela aviação de asas rotativas em apoio próximo e pela aviação de ataque para alvos que exijam maior potência, estabelecendo bases de combate a medida que se progride, sempre procurando o isolamento do dispositivo inimigo de suas vias de suprimento de forma a forçar sua rendição com a anulação de seu poder de combate.