FRASE

"Quem escolhe a desonra a fim de evitar o confronto, a conseguirá de pronto, e terá o confronto na sequência."

segunda-feira, 29 de abril de 2019

Guerra Eletrônica - Generalidades *165




O combate moderno é muito mais que a troca mútua entre as partes antagônicas em operações, do efeito letal de seus sistemas de armas disponíveis, como acontecia nos tempos de outrora. Rotinas constantes de segurança do espaço de batalha a fim de preservar ao máximo as forças disponíveis; busca de informações em tempo real, seja para traçar planos ou para implementar medidas de segurança; tarefas administrativas de toda ordem e decisões de comando permeiam todos os cantos deste perigoso espaço, repleto de atividade incessante, onde cada erro cometido pode trazer conseqüências graves. O episódio do HMS Sheffield em 1982, que afundou em conseqüência do impacto de um míssil argentino, ilustra as conseqüências de um erro cometido.

Saber o que o inimigo está fazendo, a fim de prever suas intenções e frustrar sua atividade através de ações de natureza diversa, pontuais ou ostensivas, são tarefas rotineiras que todas as forças em campanha empreendem o tempo todo. Desde o princípio da existência humana as tarefas de esclarecimento e sabotagem sempre fizeram parte da arte militar, e a medida que a tecnologia permitiu no início do século XX, os militares passaram, com o domínio da ciência da eletrônica, a explorar o espectro eletromagnético, uma nova dimensão do combate, em proveito destas 2 práticas milenares.

As missões de esclarecimento envolvem a coleta de dados por todos os meios disponíveis para subsidiar a construção da ordem de batalha inimiga pelas diversas seções de inteligência militar, e seu uso no planejamento das operações. O plano de operações, fruto da informação fidedigna coletada em campo, ao ser posto em ação, acabará por sofrer um natural desgaste devido aos imponderáveis da guerra, e terá que ser constantemente corrigido e adaptado pelas seções de comando e controle (C2) a medida que a situação vai evoluindo, e novas configurações tático-operacionais vão se delineando.

Na guerra moderna, quem tem as melhores informações, age primeiro e força o inimigo a reagir, impedindo que siga seu próprio plano. Aquele que detém a iniciativa escolhe onde e quando lutar, ditando os rumos do combate. Dominar o campo de batalha eletrônico é o cerne das ações de esclarecimento e a chave da vitória nos embates travados no moderno ambiente “high tech” imposto pela sofisticação tecnológica das forças de combate da atualidade.

Toda e qualquer ação que envolve o uso do espectro eletromagnético para controlá-lo, aproveitando-se de suas propriedades ou negando seu uso, visando apoiar as operações, são classificadas como operações de Guerra Eletrônica (Eletronic Warfare – EW). O ambiente eletromagnético é o espaço virtual onde se travam as operações de EW, e a exploração deste espectro, seja para missões de esclarecimento ou ataque, ou ainda para dificultar sua utilização pelo inimigo, frustrando suas emissões, passou a cada vez mais ganhar importância no combate de alta tecnologia travado nos campos de batalha do nosso tempo.

A EW seja ela de natureza passiva ou ativa, visa permitir a eficiente exploração do espectro eletromagnético, a fim de viabilizar a captura de emissões hostis e determinar suas características, assegurar que as emissões eletromagnéticas próprias cumpram seus objetivos com o mínimo de interferência externa, sejam na exploração das comunicações militares ou na coleta de informações sobre o inimigo, e ao mesmo tempo impedir que este tire proveito destas emissões ou de suas próprias, através da degradação de suas comunicações e do bloqueio de seus meios de coleta de informações, bem como do emprego efetivo de suas armas.

Os sistemas de guerra eletrônica podem ser ofensivos ou defensivos, usados para proteger comunicações, monitorá-las ou degradá-las; captar toda a gama de emissões presentes, classificá-las e analisá-las; e usar emissões para interferir e degradar os sistemas inimigos e buscar informações. Faz parte ainda do universo da guerra eletrônica, porém fugindo ao espectro eletromagnético, a exploração eletrônica análoga de ondas sonoras na guerra submarina.




Este gráfico esquemático procura dar uma idéia da realidade de uma campo de batalha eletrônico. A força que está avançando tem seu posto de comando (1) e vários enlaces de rádio (2,3,4). Os enlaces incluem um posto de comando (1) e postos de comando móveis (3,4); o posto de comando das unidades de reconhecimento (4) às suas patrulhas (5); o observador avançados às suas baterias de artilharia (6). Sensores eletrônicos incluem radares de defesa aérea (7) e suas baterias antiaéreas para fazer face a aviação tática inimiga (16) e reconhecimento terrestre (8). Para a força de defesa ao fundo a prioridade é utilizar medidas de apoio eletrônico (ESM) para elaborar uma imagem da ordem de batalha inimiga (EOB). As ESM consistem de radar aerotransportado para detecção e análise de monitoração terrestre (9) e atividade de sigint (11). Uma vez que a EOB foi estabelecida, parte-se para elaborar a linha de ação a ser adotada. Existem ocasiões em que será mais vantajoso a monitoração de uma rede de rádio do que com sua interferência. No caso da segunda possibilidade, pode-se lançar mão de interferidores de campo (9, 10, 12, 13), dependendo do terreno, das localizações e das freqüências envolvidas. Alternativamente a informação obtida das ESM pode fornecer alvos para a artilharia (14) e outros meios de apoio de fogo. È vital que a batalha eletrônica seja controlada e coordenada (15).

A Batalha de Tsushima em 1905 durante a guerra russo-japonesa marcou os primeiros passos desta nova dimensão do combate, quando os russos interceptaram comunicações radiotelegráficas de seus adversários, com um cruzador japonês transmitindo para o seu QG a posição da frota do Kzar. Um comandante solicitou permissão para interromper o link japonês através da sobreposição de uma sinal de rádio mais intenso, o que lhe foi negado. A frota russa foi dizimada pela inépcia do seu almirante, que poderia ter evitado que a inteligência japonesa soubesse sua localização, devido à falta de cultura no campo da EW.

Na Primeira Guerra Mundial ocorreram interceptações, monitorações e interferências em radiofreqüência, ainda que em alguns episódios e não como uma prática sistêmica. A Segunda Guerra Mundial testemunhou o uso em larga escala da criptografia por meios mecânicos e eletro-eletrônicos, e a invenção do magnetron de cavidades ressonantes permitiu a instalação dos primeiros sítios de radar na costa britânica. Receptores dispostos em alturas e ângulos diferentes determinavam a posição dos atacantes por triangulação. A atividade neste campo foi intensa com bombardeiros alemães atacando à noite as ilhas britânicas fazendo uso de radar embarcado e direcionamento por feixe eletrônico, e os radares costeiros de sua majestade fazendo o alerta da incursão destes bombardeiros, direcionando os caças da RAF para interceptá-los. O uso do “chaff” foi uma das primeiras tentativas de interferir nestas operações.

O Sistema de Lorenz criado comercialmente pelos alemães para orientar o pouso noturno em aeroportos, foi usado para orientar os bombardeiros na Batalha da Inglaterra. Antenas dos dois lados da pista com pulsos diferenciados diziam a aeronave se estava muito à direita ou à esquerda, e se estivesse na posição correta a combinação dos dois sinais produzia um pulso contínuo, permitindo um pouso seguro. Antenas grandes e de azimute estreito cruzavam seus feixes sobre os alvos, e os pilotos se orientando por eles com um sinal de áudio, sabiam se estavam sobre o alvo e liberavam suas bombas com relativa precisão. Os ingleses logo descobriram este sistema a passaram a transmitir sinais de CW na mesma freqüência e grande potência, frustrando o sistema. Um método similar foi usado pelos ingleses em seus bombardeios, também sujeito à interferência.

Durante o conflito no Vietnam norte-americanos e norte-vietnamitas travaram um embate entre bombardeiros e SAMs com acentuada  disputa de meios eletrônicos. Sistemas especialmente desenvolvidos pelos norte-americanos, com caças-bombardeiros especializados denominados “Wild Weasel” fizeram largo uso de meios interferidores e de alerta-radar, bem como de mísseis guiados por radiação enfrentando os sítios de SA-2 russos cedidos aos vietnamitas. 

Surgiram neste período os emissores com salto de freqüência, tornando mais difícil sua monitoração. A Guerra fria foi marcada por intensa atividade neste campo, com ambos os lados empreendendo ações de espionagem eletrônica, como demonstrou o episódio da derrubada do U2 em 1960. Constantemente aeronaves da NATO e do Pacto de Varsóvia faziam voos visando “acordar” os sistemas de defesa para testá-los e gravar dados de seus sensores.

A Guerra dos 6 Dias em 1967 e do Yom Kippur em 1973 apresentaram novidades como o radar pulso-doppler e os mísseis IR e seus engodos. No segundo dia da Guerra do Yom Kippur, 5 navios israelenses se aproximaram do porto sírio de Latakia, foram atacados por mísseis P-15 Termit (Styx) e empregaram com sucesso medidas de EW para bloquear os sistemas de orientação dos mísseis russos, retornando o fogo com mísseis Gabriel que afundaram 2 barcos sírios e danificaram um terceiro, no episódio que ficou conhecido como a Batalha de Latakia.

Devido as condições extremas, os recursos de EW não foram explorados com excelência no conflito de 1982 nas Falklands/Malvinas. As forças argentinas não dispunham de equipamento mais sofisticado e os britânicos não tiveram tempo de trazê-lo de tão longe. As aeronaves Nimrod AEW&C não foram utilizadas na sua plenitude devido a falta de bases próximas. A falta de presteza no uso dos recursos eletrônicos disponíveis resultou no impacto de um míssil antinavio Exocet contra o destroyer HMS Sheffield, que segundo um oficial britânico, tinha todos os meios para evitá-lo.

Em 1989 na invasão do Panamá fez-se uso pela primeira vez de bombardeiros de baixa detectabilidade (popularmente conhecidos como aviões invisíveis), com bombardeiros F-117 Nighthawk. A primeira Guerra do Golfo em 1991 estreou o GPS em combate, que se mostrou muito vulnerável a interferência. Neste conflito tivemos intenso uso de meios eletrônicos como os AWACS, JSTARS, eletro-óticos noturnos e outros.

A guerra moderna depende visceralmente de meios eletrônicos para coleta de inteligência, comunicações e direção de sistemas de armas, e frustrar o uso eficaz do espectro eletromagnético para estes fins é a finalidade da EW, que é de suma importância para se adquirir a superioridade militar, tática e estratégica. Esta breve introdução com um pequeno relato histórico procura ilustrar a importância deste ramo da atividade militar na guerra moderna, que caminha para realidades extremamente sofisticadas, com impressionantes tecnologias que estão surgindo nos centros de pesquisa e logo estarão disponíveis às operações.




Formas de Exploração da Guerra Eletrônica

Guerra eletrônica é a designação genérica que se dá ao conjunto de atividades distintas que envolvem a utilização do espectro magnéticos para atingirem seus objetivos. A exploração deste universo envolve 3 formas distintas de ações: as Medidas Eletrônicas de Apoio (MEA) (Eletronic Support Measures -   ESM), as Contramedidas Eletrônicas (CME) (Eletronic CounterMeasures -  ECM) e as Contra-Contramedidas Eletrônicas ou Medidas de Proteção Eletrônica (MPE) (Eletronic Counter-CounterMeasures -  ECCM).

As Medidas Eletrônicas de Apoio (MEA) (Eletronic Support Measures - ESM) são a primeira forma de exploração da EW e consistem na obtenção de inteligência militar a partir da detecção, interceptação, monitoração, localização, avaliação, identificação da fonte, gravação e registro de sinais eletromagnéticos emitidos pelo inimigo, usando o resultado como subsídio no planejamento e condução das operações. Emitir radiação, como por exemplo o uso do radar de uma aeronave de ataque pode alertar os sistemas de vigilância na metade do tempo em que o sistema emissor levará para obter a informação desejada.

Receptores ESM/MAGE sempre estarão em alerta a procura de emissões hostis, e quanto mais longa a distância da emissão, mais úteis ao inimigo, uma vez que o retorno sofre atenuações e podem nem retornar ao emissor, porém terão alertado as ESM de vigilância. Um periscópio de submarino saberá que um radar o “iluminou” antes que este mesmo saiba, e se recolherá às profundezas. 

Classificamos como ESM toda medida que vise a utilização de meios eletrônicos, ativos ou passivos, para coleta de inteligência militar sem a finalidade de interferir na operação de meios eletrônicos inimigos.

Emitir radiação no campo de batalha é uma prática que deve ser feita com critério, e nem sempre é vantajoso se valer deste recurso. Além do alerta antecipado, as ESM se prestam a formar bibliotecas de emissões para subsidiar o desenvolvimento das ECMs. Quando em atividade passiva, pode-se fazer uso ostensivo das ESMs, sem precisar valer-se de disciplina em relação ao inimigo.

As Contramedidas Eletrônicas (CME) (Eletronic CounterMeasures -  ECM) são uma segunda forma de exploração da EW e visam impedir ou reduzir o emprego eficiente do espectro eletromagnético pelo inimigo. As ECM podem ser implementadas de forma ativa e passiva, aplicando energia a fim de degradar seus sistemas de comunicações ou obtenção de informações e aquisição de alvos. Os alvos das ECM são os sensores eletrônicos em atividade ESM e as comunicações militares vitais ao desenrolar das operações, bem como os sistemas de direção de sistemas de armas. Um míssil prestes a atingir um navio, pode ter seu alvo aumentado com a emissão de lâminas “chaff”, não sabendo distinguir o que é navio e o que não é. Um sistema de guiagem recebendo dados de sua nave “mãe” pode ter sua freqüência saturada com emissões mais fortes, perdendo totalmente seu rumo.

ECMs ofensivas consistem em interferidores que lançam radiação eletrônica pesada saturando os sensores inimigos, como por exemplo uma aeronave de EW acompanhando uma força de ataque que lança sua interferência contra os radares antiaéreos de redes SAMs e canhões, cegando-os e permitindo que as aeronaves atacantes passem sem serem atingidas pelo fogo de terra, que mesmo que disparado, será a esmo, se a interferência for efetiva. Como ECM passivas temos os anteriormente citados “chaffs” que são partículas metalizadas que reflete os radares e criam falsos alvos, desorientando armas guiadas eletronicamente.

Contra-Contramedidas Eletrônicas ou Medidas de Proteção Eletrônica (MPE) (Eletronic Counter-CounterMeasures -  ECCM): Esta terceira forma de exploração da EW tem por objetivo assegurar a utilização eficiente do espectro eletromagnético provendo proteção aos sistemas eletrônicos próprios, visando a ineficiência dos sistemas de ESM e ECM do oponente. As ECCMs são implementadas pelo planejamento no emprego dos sistemas eletrônicos próprios e pela utilização de tecnologias incorporadas aos equipamentos

Essas formas de exploração da EW são apresentadas separadamente para uma melhor compreensão do assunto, no entanto quando se trata de uma abordagem mais operacional elas se apresentam intimamente relacionadas, pois interagem em um ciclo contínuo no transcorrer das operações. As ESM fornecem os alvos para a ECM, enquanto que as ECCM procuram reduzir a vulnerabilidade dos próprios sistemas a ação das ESM e ECM inimigas. Como exemplo de ECM temos as tecnologias de baixa visibilidade cada vez mais presentes nas aeronaves e navios de guerra modernos, baixas emissões de IR, formas defletoras e materiais absorventes de radiação (radar). Rádios com salto de freqüência e disciplina de emissões são exemplos de ECCMs.




Possibilidades da Guerra Eletrônica


  • Identificação e exploração de alvos: Consiste em vigiar o espectro eletromagnético, interceptando e  identificando emissões hostis e desconhecidas, registrando suas características como frequência e intensidade do sinal, por exemplo, e explorando seu conteúdo a fim de obter informações úteis como o teor de mensagens inimigas e os parâmetros de operação de radares permitindo a construção de equipamentos interferidores.
  • Localização eletrônica: consiste na localização de equipamentos emissores de sinais eletromagnéticos por meio de radiogoniometria a fim de determinar sua posição no terreno.
  • Interferência: consiste na emissão de sinais eletromagnéticos a fim de degradar ou inviabilizar a operação de meios eletrônicos inimigos.
  • Dissimulação: consiste na emissão de sinais eletrônicos no sentido de iludir o inimigo, enviando sinais e mensagens falsas, fazendo-o acreditar naquilo que não existe.
  • Bloqueio: consiste em reduzir ou anular a recepção, pelo inimigo, de seus sinais eletrônicos, impedindo, por exemplo, que faça uso de suas comunicações eletrônicas.
  • Despistamento: consiste na irradiação intencional, reirradiação, alteração, absorção ou reflexão da energia eletromagnética, com o objetivo de induzir o inimigo a interpretar o sinal de modo equivocado.



Ações Operacionais Desempenhadas pelos Sistemas de GE

  • Explorar continuamente o espectro eletromagnético de forma a mapear todas as emissões existentes, procurando identificá-las em todos os seus aspectos relevantes, individualizando o tipo de transmissor, seus parâmetros operacionais e sua localização, criando e alimentando bancos de dados sobre os sistemas existentes.
  • Localizar fisicamente a posição de cada emissor, para que possam ser batidos pelo fogo, se assim for decidido.
  • Lançar interferência eletrônica ativa junto aos sistemas inimigos, a fim de debilitar sua eficiência operacional.
  • Privar o inimigo do uso de seus sistemas de comunicação, através de ações de interferência eletrônica.
  • Interceptar os sistemas de comunicações inimigos a fim monitorar suas mensagens e dessa forma, obter informações de combate relevantes.
  • Interferir de forma passiva e ativa em sistemas de controle de armas, como mísseis e bombas voadoras, radares de busca de alvos, radares de defesa antiaérea, sistemas eletro-óticos e outros.
  • Simular junto aos sistemas inimigos alvos falsos ou de valor alterado, a fim de faze-los acreditar em situações operacionais irreais.
  • Impedir que o inimigo faça uso eficiente de seus sistemas de GE, através de medidas passivas como o uso de tecnologias furtivas, criptografia e salto de frequência, emissões disciplinadas, dispositivos de redução de assinatura térmica e outros.
  • busca de informações de combate de toda ordem com o uso de radares de todos os tipos, sonares, equipamentos MAGE, sensores IR e eletro-óticos, radiogoniômetros, sistemas de alerta-radar (RWR) e outros.

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